Durante os últimos dias, até à tomada de posse como primeiro-ministro, Luís Montenegro andou a gerir os silêncios. Na terça-feira, nas suas primeiras palavras como chefe do Governo acabou a lançar um repto ao PS: o partido de Pedro Nuno Santos quer ser “oposição democrática” ou “força de bloqueio”?
Pedro Nuno Santos respondeu na mesma moeda: o silêncio. A CNN Portugal apurou que o secretário-geral socialista irá fazer uma declaração esta quarta-feira na sede do PS. O sucessor de António Costa quis “fugir ao ruído” que se gerou depois da cerimónia, conta um nome próximo do líder do PS.
É uma forma de também ganhar destaque na hora de falar. E o partido que quer liderar a oposição está, também ele, alinhado com esta gestão dos silêncios políticos. A CNN Portugal fez dezenas de chamadas - membros do núcleo duro do secretário-geral, militantes destacados, nomes históricos, antigos governantes, deputados e eurodeputados - e poucos foram os que atenderam ou quiseram falar, outros respondiam apenas que não tinham visto o primeiro discurso de Montenegro como primeiro-ministro.
Houve também quem atirasse para a única representante do partido (além dos ex-ministros) na cerimónia: Alexandra Leitão. Contactada, a deputada disse precisar de mais tempo para reagir. Também a assessoria do PS não disponibilizou nenhum nome para este efeito.
Ao optar pelo silêncio, Pedro Nuno Santos “quis vincar diferença” face a André Ventura, que também concorre pela distinção como líder da oposição: quer mostrar que, quando fala, tem mesmo algo para dizer, sublinhou a fonte próxima do líder do PS.
“Este silêncio representa uma coisa: a bola está do lado do Montenegro. O PS não tem nenhuma vantagem em antecipar o que quer que seja”, conta outro aliado de Pedro Nuno Santos. É preciso, diz, “deixar nas mãos de quem ganhou as eleições aquilo que quer fazer”. “Percebo que essa é a saída de Montenegro. Mas não pode dizer que tem uma saída chamada PS. Isso é estapafúrdio.”
A palavra que se repete: "chantagem"
O silêncio nunca é absoluto e, por isso, o PS foi colocando nos espaços de comentário das televisões a sua visão, o seu estado de espírito. Na CNN Portugal, António Mendonça Mendes, membro do secretariado do partido, veio dizer que não lhe pareceu “correto a forma como o primeiro-ministro se dirigiu ao PS”, que Montenegro teve uma expressão “muito infeliz” e que “o tom com que procurou confrontar o PS foi muitíssimo indelicado”.
Porque, sublinhou Mendonça Mendes, Montenegro terá transmitido ao Presidente da República que tinha condições para governar. “Não é normal acharmos que essa estabilidade vai ser assegurada pelo PS”, que não quer ser “a muleta”.
Sérgio Sousa Pinto foi o primeiro a falar em chantagem. “Tentar chantagear o PS ou qualquer outro partido no sentido de dizer ‘ou se portam como se fossem a bancada de apoio ao Governo ou então são uma força de bloqueio’ não faz sentido nenhum”, classificou. Em Montenegro vê um “processo esquizofrénico não inteiramente esclarecido”, com o primeiro-ministro a dividir-se entre a hostilidade ao legado socialista e “de chapéu na mão a pedir apoio”.
Ao fim da noite, “chantagem” seria a palavra que se repetiria na voz de João Torres, nome próximo de Pedro Nuno Santos, seu diretor de campanha. “Não podemos aceitar essa chantagem”, disse, perante a tentativa de Montenegro de confrontar o PS e tentar “passar para o PS o ónus de aprovar os orçamentos do Estado”.
“O PSD e Luís Montenegro ainda não entenderam o novo tempo político que estamos a viver”, resumiu. Sobre a declaração de Montenegro, juntou, foi “excessiva”: “Revela uma postura de que alguém tem de resolver o problema da governabilidade que não o PSD”. Montenegro, disse, “assume-se como o líder da oposição à oposição”.
Apoio do PS: um "objeto valioso" que Montenegro vai ter de negociar
Ao telefone, João Cravinho, histórico socialista, resumiu as palavras de Montenegro para o PS numa expressão: “Se me levarem ao colo, fico muito bem”. Mas avisa que os socialistas não têm qualquer obrigação, “como Montenegro quer fazer pressupor”.
Para o antigo ministro, o apoio do PS é um “objeto valioso”. E, por isso, Montenegro “tem de dizer o que está disposto a negociar”.
É nesse caminho que o PS tem insistido. É oposição, sim. E só dará luz verde ao novo Governo em medidas concretas, que reflitam a visão do próprio partido. Pedro Nuno Santos já acenou com a aprovação do orçamento retificativo, se ele contiver várias propostas com que o PS se tinha comprometido em campanha. Depois disso, logo se vê.
“O PS fará oposição responsável. O PS não fará, seguramente, qualquer política de terra queimada”, reforçou António Mendonça Mendes.
“É óbvio que Montenegro tem um caminho muito estreito. E um programa incompatível com o do PS”, rematou o aliado de Pedro Nuno Santos, que realçou que o desbloqueio socialista na nomeação do Presidente da República “não é precedente para nada”. Soluções, atirou, só com o Chega, “a noiva de quem Montenegro tem vergonha”.
Está agora nas mãos de Montenegro mostrar como vai desatar este nó e conseguir governar quatro anos. O PS, considerou Álvaro Beleza, antigo mandatário de Pedro Nuno Santos e membro da comissão política, “tem sentido de responsabilidade”.
“O ónus da governação e da possibilidade de ter estabilidade governativa está com o Governo. Não pode ser posto em cima do PS”, resumiu o socialista.
Álvaro Beleza reforçou que, nas “questões de regime” e em matérias ligadas ao “código ético” do PS, existirão pontes com o novo Governo. Agora, no que houver para discordar, o PS não se compromete. Pelo contrário, “estará contra”.
Nota do Editor: uma versão inicial deste artigo fazia referência à declaração na Assembleia da República, como indicado pela fonte ouvida pela CNN Portugal. Contudo, ela acabará por ter lugar na sede do PS no Largo do Rato.