Há sítios por onde a política não passa. Por onde os políticos não passam. Gracinda Marques, 68 anos, mantém-se concentrada no que tem em mãos. Num dos dedos um dedal, noutro um penso. É com o coração que trabalha. Bordadeira desde os 11 anos, ainda passou pelas fábricas de confeções. Mas não há amor como o primeiro: o bordado de Castelo Branco.
"Isto é a paixão, mas também a minha forma de vencer na vida". As linhas vão cumprindo o desígnio. O desenho forma-se. Gracinda diz que não sabe falar de política. Mas sabe, com uma simplicidade capaz de fazer inveja a quem faz da política a sua vida.
Pedro Nuno Santos está a poucas dezenas de metros do Centro de Interpretação do Bordado de Castelo Branco, onde se renova esta tradição. "Tenho pena que não venha cá, sim senhora. Os políticos vêm sempre com tanta pressa". Rapidez que os impede de ouvir as ansiedades de quem vive no interior, de quem contraria as dificuldades.
"O bordado estava esquecido, agora felizmente está mais lembrado". Gracinda queria era mais jovens a seguir este caminho, a transformar os fios em arte. Qual a barreira? "É sempre o salário. Nós aqui até temos call center, mas os salários são baixos". A bordadeira confidencia que a seda com que trabalha vem de uma associação que apoia pessoas com deficiência. Orgulha-se da integração, de como tudo está ligado.
E os pontos também fazem cruzes. Como as cruzes no boletim de voto. "Na minha aldeia, antes do 25 de abril, quem votava eram os mortos. A cruz nós é que sabemos onde a pomos. É uma liberdade que não podemos perder".
Se os políticos não vêm até Gracinda, ela vai até eles. No final do dia de trabalho, lá está ela, de pé, na última fila do comício, a aplaudir.
SNS: a Árvore da Vida
Um dos bordados mais comuns no bordado de Castelo Branco é a Árvore da Vida. E é de vida que Pedro Nuno Santos quer falar na sua passagem pelo distrito. Da vida por que se luta todos os dias num Serviço Nacional de Saúde (SNS) que a muitos dizem estar preso por um fio frágil. A visita faz-se ao Centro Hospitalar Universitário Cova da Beira.
Pedro Nuno Santos troca o elevador pelas escadas. A comitiva e os jornalistas tomam conta dos corredores. Maria Lúcia Taborda espanta-se com a agitação. Espera pelo marido, doente crónico, que está numa consulta. A mulher conta que esteve quase um ano sem médico de família, que recorreu ao privado para ter acesso a uma coisa tão básica quanto receitas. Ainda assim, partilha da visão do candidato socialista: "Toda a gente devia ter acesso ao SNS".
O secretário-geral do PS não faz visita de médico. Há só uma parte do percurso onde parece ter pressa. Através de um vidro, é convidado a assistir a uma cirurgia. Um cateterismo. "É melhor não estarmos aqui então". Segue para a unidade da medicina reprodutiva para reconhecer, mais tarde aos jornalistas, assente na sua própria experiência pessoal, que este é "um drama que muitos jovens enfrentam em Portugal". "Dos mais duros, é um projeto de vida que está em causa". A solução? "Investir". Investir no SNS como um todo. Não traça metas nem prazos para os médicos de famílias: "em vez de estarmos a criar falsas expectativas, temos de ser realistas".
Oportunidade também para comentar as polémicas que têm surgido na campanha do rival, para acusar a direita de causar "alarmismo e divisão na sociedade portuguesa". Na AD há quem defenda o regresso do aborto, milícias armadas de agricultores para se defenderem dos roubos, quem associe imigração a insegurança. "Já não é algo isolado. Não podemos dizer que temos grandes listas, grandes candidatos. E depois dizer que não temos nada a ver com isso", atira Pedro Nuno. Só não quer responder a Durão Barroso, que o acusa de ser imaturo.
Com quantos fios se tece uma vitória
“Primeiro ministro só há um. Nuno Pedro é mais nenhum”. O grito de guerra ecoa várias vezes no centro histórico da Covilhã. Até que os jotas se apercebem que estão a fazer asneira. Eles, que o idolatram, estão a trocar-lhe o nome. Não faz mal, Pedro Nuno (por esta ordem) está entretido nos beijos e nos abraços. Cada voto conta. Os jotas sabem melhor outra coisa: "as velhas adoram canetas”.
Manuel Fonseca e o amigo João Pinto observam à distância. Não querem cá misturadas com Pedro Nuno Santos. "Olhe, não tem carisma, não tem perfl para primeiro-ministro. Mas dos que lá andam é um mal menor", aponta Manuel. João vai votar no Bloco, a ver se obriga uma maioria de esquerda a negociar. "Para fazer a festa, ele vai ter de alinhar à esquerda".
De novo as linhas com que se cose uma vitória. Manuel e João trabalharam nos lanifícios. A Covilhã já foi, outrora, "a Manchester de Portugal" devido à sua tradição têxtil. Agora pouco resta para lembrar esses tempos. Também Fernando Rodrigues, uns metros mais à frente, já passou por essa lida. "Já votei muitos anos no Partido Comunista, mas agora não há outra forma de derrotar a direita que não seja votar no PS".
As contas não estão fáceis para ninguém. E Pedro Nuno Santos vem à Covilhã para convencer os indecisos. Sobretudo os reformados indecisos. Dê cá um abraço, homem. Vem focado em mostrar que a rua é dele. Quem o viu e quem o começa a ver nota as diferenças.
Pedro Nuno já sabe que tem de demorar-se mais para convencer. E para receber presentes. Na Covilhã, um livro sobre ioga e a imagem de um santinho. O candidato emociona-se com a história da mulher que lhe oferece o último. O filho dela morreu. E ele faz questão de voltar até ela, para se alongar no abraço. Os políticos também são humanos, os políticos também sentem a dor do outro.
Quem também percebe de fios é Fernanda Lino. De fios de cabelo. Para o serviço para um beijnho à porta a Pedro Nuno. "Estou convencidíssima. Disse-lhe só para se manter na linha dele". Que é como quem diz, sozinho, sem parceiros.
Mas hoje Pedro Nuno não segue sozinho. Tem banda. Caramba, a diferença que uma banda faz numa arruada. Ele já bate uma palma, ele já experimenta o bombo. Ele já arrisca num reco-reco. O som é tímido mas ambiciosa fazer a diferença. Faz lembrar o candidato. "É a música da vitória", diz ele.