Esta semana todas as atenções estarão viradas para Vladimir Putin, com o presidente russo a fazer a sua primeira aparição na cena mundial desde que a insurreição da Wagner ameaçou a sua liderança.
Na terça-feira, Putin deverá participar numa cimeira virtual da Organização para a Cooperação de Xangai (SCO), grupo de segurança regional pró-russo, liderado por Pequim e Moscovo.
Mas embora os líderes destas nações tenham, até agora, proporcionado uma audiência simpática a Putin, a sua presença - ainda que virtual - poderá oferecer uma espécie de janela sobre a extensão do seu apoio após a quase crise de há pouco mais de uma semana.
Na breve e caótica insurreição, a Wagner - grupo mercenário privado liderado pelo senhor da guerra Yevgeny Prigozhin - tomou o controlo de importantes instalações militares em duas cidades russas. Enquanto milhares de combatentes marchavam em direção a Moscovo, onde o Kremlin enviou para as ruas tropas fortemente armadas, parecia que a guerra civil estava prestes a eclodir.
Um acordo secreto pôs abruptamente fim à rebelião, com os combatentes wagnerianos a recuarem e Prigozhin a ser enviado para a Bielorrússia. Mas, uma semana depois, ainda há muito por esclarecer sobre os pormenores do acordo, o destino da Wagner e o que isto significa para o regime de Putin.
Estas questões estarão provavelmente nas mentes de outros líderes presentes na cimeira virtual de terça-feira, incluindo o chinês Xi Jinping e o indiano Narendra Modi - cujo país é o anfitrião do encontro deste ano -, bem como de representantes de Estados asiáticos como o Paquistão, o Cazaquistão, o Quirguistão, o Tajiquistão e o Uzbequistão - muitos dos quais, tal como Putin, são líderes pela força.
Os especialistas acreditam que Putin utilizará o fórum para projetar uma imagem de poder e assegurar aos parceiros de Moscovo - e, por extensão, ao mundo - que continua firmemente no controlo.
"É virtual, por isso não vão estar presentes em pessoa, caso contrário estariam lado a lado, homens fortes a mostrar força", disse Derek Grossman, analista sénior de defesa da RAND Corporation, think tank norte-americano.
Segundo Grossman, muitos dos líderes reunidos na cimeira olham para a Rússia e para a China quase como modelos de como querem gerir as suas sociedades enquanto regimes autoritários.
"Se Putin for visivelmente abalado por esta insurreição, isso dir-lhes-á alguma coisa - que mesmo o mais forte dos homens fortes não é necessariamente imune a potenciais insurreições nos seus países", observou Grossman.
A visão China-Rússia
Fundada em 2001 pela China, Rússia e por vários antigos Estados soviéticos da Ásia Central para combater o terrorismo e promover a segurança das fronteiras, a SCO cresceu em dimensão e alcance nos últimos anos, no meio dos esforços de Xi e Putin para contrariar a influência ocidental.
Espera-se que o Irão se torne membro de pleno direito este ano, depois de ter assinado um memorando de obrigações na cimeira do ano passado; a Bielorrússia, um parceiro russo próximo que ajudou a lançar a invasão inicial da Ucrânia, é também convidada como Estado observador e poderá em breve tornar-se membro de pleno direito, segundo os especialistas.
Xi e Putin, há muito os dois autocratas mais poderosos do mundo, estabeleceram laços estreitos nos últimos anos, declarando uma amizade "sem limites" em fevereiro de 2022, pouco antes de Putin lançar a sua invasão da Ucrânia.
Desde então, a China recusou-se a condenar a guerra e, em vez disso, forneceu o tão necessário apoio diplomático e económico à Rússia, culpando a NATO de provocar o conflito e amplificando a desinformação do Kremlin.
Mas a guerra vacilante de Putin colocou pressão sobre a parceria China-Rússia.
"Xi não quer estragar completamente as relações da China na Europa por causa disto, não quer que a China se torne um alvo maior da NATO do que já era antes da guerra", considerou Grossman, embora tenha notado que os maiores benefícios da relação Rússia-China superam quaisquer dúvidas que Xi possa ter sobre a guerra vacilante e o seu impacto na imagem global da China.
Na terça-feira, Xi fará o discurso de abertura da cimeira através de videochamada, de acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês. Para Putin, um apoio claro de Xi teria um valor significativo.
Yasuhiro Matsuda, professor do Instituto de Estudos Avançados sobre a Ásia da Universidade de Tóquio, sugeriu que Pequim está numa posição difícil porque "a Rússia está a perder e não é algo que a China possa controlar".
Depois da invasão de Putin, o melhor cenário para a China era "Putin ganhar a guerra num par de dias ou semanas, a administração de Zelensky entrar em colapso e a Europa não poder fazer nada e os EUA não poderem fazer nada". "Este era o melhor cenário para a China - e já passou", sublinhou Matsuda.
Na terça-feira, apesar da turbulência, "Xi Jinping também tem de mostrar a sua autoridade e poder ao público interno, por isso vai comportar-se como antes - é o que vamos ver", acrescentou Matsuda.
Regimes autoritários olham para Moscovo
As potências ocidentais e os observadores dos países democráticos têm considerado a insurreição como um momento de fraqueza para Putin. No entanto, a situação pode ser encarada de forma muito diferente pelos outros líderes autoritários presentes na cimeira, que já enfrentaram as suas próprias lutas pelo poder, observam os especialistas.
O Cazaquistão, membro da SCO, foi palco de protestos mortais em 2022, alimentados por um descontentamento generalizado com o governo. A violência que se seguiu causou a morte de mais de 160 pessoas e milhares de detidos, tendo as autoridades solicitado tropas à Rússia para ajudar a conter a agitação.
Em contrapartida, Putin conseguiu pôr termo à insurreição da Wagner antes que esta chegasse à capital, sem derramamento de sangue. Mandou o seu opositor, Prigozhin, para o exílio e pode até ganhar controlo sobre os combatentes da Wagner que aceitem assinar contratos com os militares russos.
"Aos olhos dos chineses e de outros membros (da SCO), trata-se de um feito espantoso, porque não há muitos estadistas que o consigam fazer", argumentou Alexander Korolev, professor catedrático de política e relações internacionais na Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália.
Isso não quer dizer que os outros membros não tenham dúvidas sobre o que aconteceu, notou Korolev.
"Mas penso que eles compreendem que (a insurreição) não é o fim do regime de Putin. Nos regimes autoritários, os líderes são desafiados de tempos a tempos e ele demonstrou ao mundo e às suas elites que consegue lidar com enormes desafios."
A questão da Índia
Num mar de líderes autoritários, o indiano Modi continua a ser uma espécie de homem estranho.
Modi, eleito democraticamente, que participa na cimeira deste ano da SCO depois de se ter encontrado com o presidente dos EUA, Joe Biden, durante uma visita de Estado a Washington, tornou-se uma figura-chave nos esforços ocidentais para contrariar a crescente influência da China no Indo-Pacífico.
"A Índia destaca-se dos restantes países da SCO, mas não creio que se sinta minimamente desconfortável, porque a sua política externa consiste em ser amiga de todos e inimiga de nenhum. Não os vejo a falar alto ou algo do género", explicou Grossman.
A cimeira deste ano, embora virtual, é organizada pela Índia. Os ministros da defesa e dos negócios estrangeiros do grupo participaram em reuniões presenciais no Estado indiano de Goa no início deste ano.
A Índia tem fortes laços com a Rússia, que continua a ser o maior fornecedor de armas da Índia. Nova Deli não tomou uma posição definitiva na guerra da Ucrânia, e a sua compra contínua de petróleo russo tem ajudado a sustentar a economia de Moscovo - para desânimo de alguns parceiros ocidentais.
Modi fez manchetes na cimeira presencial da SCO do ano passado em Samarkand, no Uzbequistão, quando disse a Putin que agora não é altura para a guerra, parecendo rejeitar diretamente a invasão. Mas o apoio económico contínuo da Índia à Rússia minou essa mensagem de paz - e a declaração do ano passado pode ser o máximo que Modi está disposto a ir.
*Simone McCarthy e Nectar Gan contribuíram para este artigo