Um recluso do Estabelecimento Prisional de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, está internado em estado grave, desde dia 26 de abril, depois de ter sido encontrado caído na cela onde estava em confinamento com sinais de hipotermia. O diretor da prisão tinha ordenado o prisioneiro a ficar em isolamento apenas de roupa interior, só com uma cama de metal sem colchão e dois cobertores. Horas antes de o recluso ser encontrado, o diretor da prisão recebeu um pedido de uma enfermeira para permitir que o prisioneiro fosse agasalhado, mas rejeitou-o, insistindo que o recluso deveria permanecer como estava.
"O que está aqui em causa é um crime que viola os direitos humanos, a carta das Nações Unidas e a Constituição. O diretor da prisão mandou um recluso com problemas psiquiátricos para isolamento e colocou-o numa cela apenas com roupa interior, uma cama de ferro sem colchão e dois cobertores. A situação era de tal forma desumana que foram os próprios guardas que lhe deram banho e lhe arranjaram mais um cobertor, com pena dele. O que este diretor fez foi um crime, é uma vida humana que está em jogo", acusa Frederico Morais, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP), em declarações à CNN Portugal.
A medida causou "mal-estar" entre guardas prisionais e enfermeiros e já há uma queixa no Ministério Público a denunciar a situação. A Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR) já fez chegar uma queixa ao procurador-geral da República, Amadeu Guerra, e à secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Maria José Barros, onde denunciam a situação e pedem para que sejam apurados os factos e, se necessário, instaurado um processo criminal.
"Aquela cadeia é absolutamente terceiro-mundista e com este diretor tende a piorar. Infelizmente nós temos queixas deste género diariamente de várias prisões. As nossas cadeias não podem ser geridas por carcereiros, mas sim por diretores com a cabeça no sítio", afirma à CNN Portugal Vítor Ilharco, secretário-geral da APAR.
O recluso, que tem um longo historial de problemas psiquiátricos, estava preso desde o início do mês, depois de ter ateado fogo à sua própria cama na instituição psiquiátrica onde estava internado. Poucos dias depois de dar entrada na prisão de Angra do Heroísmo, no dia 15 de abril, o homem arranjou um isqueiro no interior da prisão e voltou a atear fogo à sua cama. Na sequência do incêndio, ficou gravemente ferido e cinco guardas prisionais e outro recluso tiveram de receber tratamento hospitalar.
Só que este estabelecimento prisional não tem uma ala psiquiátrica dedicada a reclusos que necessitam de acompanhamento especial nesta área. Por isso, e em resposta ao incidente, o diretor da prisão, Armando Coutinho Pereira, deu ordem para que o recluso fosse colocado numa cela isolada apenas com roupa interior e que lhe fossem retirados todos os pertences, exceto dois cobertores. No interior existia apenas uma cama individual metálica, um chuveiro, uma sanita e um lavatório. Ao que a CNN Portugal conseguiu apurar, os guardas prisionais ficaram encarregues de verificar o estado do recluso de hora a hora, embora tenham insistido que "não têm formação médica" para o fazer.
Ao terceiro dia de confinamento, o recluso demonstrava sinais de fraqueza, sendo encontrado caído, pela primeira vez, no chão da cela no dia 22 de abril. Os guardas prisionais tentaram remediar a situação ao entregar um novo cobertor ao recluso e uma enfermeira terá pedido para permitir que o prisioneiro fosse agasalhado, mas o diretor da prisão rejeitou o pedido, insistindo que o recluso deveria permanecer como estava.
Ao quarto dia, o prisioneiro volta a ser encontrado caído no chão da cela, mas desta vez com sinais de hipotermia, acabando por ser enviado para os Serviços de Urgência do Hospital do Santo Espírito, em Angra do Heroísmo. Passadas algumas horas, o recluso recebe alta hospitalar e regressa para o confinamento. Só que, no dia 26 de abril, volta a ser encontrado por uma enfermeira com sinais graves de hipotermia e volta a ser internado, onde se mantém até hoje.
Questionado pela CNN Portugal, o diretor do Estabelecimento Prisional de Angra do Heroísmo, confirma que um prisioneiro foi encontrado com sinais de hipotermia na sala onde se encontrava em confinamento, mas encaminhou quaisquer esclarecimentos adicionais para a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).
Fonte da DGRSP confirma à CNN Portugal que o recluso está internado no Hospital da Ilha Terceira e que, assim que tiver alta hospitalar, vai ser transferido para a Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, no Porto. No entanto, recusa comentar as queixas apresentadas no Ministério Público, garantindo que "prestará todas as informações que lhe sejam solicitadas com vista ao apuramento dos factos".
"Preocupa-me bastante o silêncio da direção-geral dos Serviços Prisionais. Às vezes parece que se esforçam para encobrir estas situações. Nem sequer dizem que estão a averiguar. Este diretor tem atitudes pidescas e acha-se todo poderoso. Nem em El Salvador os presos são tão mal tratados, ao menos lá têm uma t-shirt e uns calções", frisa Frederico Morais.
De acordo com os especialistas, o tratamento dado a este recluso pode mesmo envolver a prática de vários crimes. Segundo a advogada Patrícia Baltazar Resende, as medidas que foram aplicadas a este prisioneiro são desproporcionais, tendo em conta o historial psiquiátrico do recluso. A jurista sugere mesmo que o diretor do estabelecimento prisional não considerou adequadamente a condição psíquica do recluso ao aplicar a punição.
"Parece-me que há aqui uma grande desproporcionalidade. Um recluso com problemas psíquicos nunca poderia ter tido esta medida aplicada, isto coloca em causa os direitos humanos e algumas convenções internacionais. Este recluso foi tratado como se fosse um recluso normal que está na posse das suas capacidades psíquicas e emocionais, como qualquer outro, o que não é o caso", defende.