Como o uso das redes sociais pode aumentar os níveis de cortisol no organismo - e, não, nunca é só mais um vídeo ou um post - TVI

Como o uso das redes sociais pode aumentar os níveis de cortisol no organismo - e, não, nunca é só mais um vídeo ou um post

Redes sociais (Pexels)

Imediatos, apelativos e cativantes. Os conteúdos das redes sociais foram feitos para viciar e os níveis de cortisol - a chamada hormona do stress - são os primeiros a dar de si

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É só mais um vídeo no TikTok, como é só mais uma ida ao feed de Instagram daquele influencer que passa a vida a viajar e que mostra destinos que nos fazem suspirar e desejar visitar. O ‘é só mais um’, boa parte das vezes, resulta em largos minutos de telemóvel em riste, com o polegar em movimentos repetidos a passar de conteúdo em conteúdo, nem sempre com interação, mas certamente com ânsia de mais (mesmo que essa mesma ânsia tenha um impacto negativo no bem-estar emocional). 

Tem havido muitos estudos sobre este assunto, principalmente focados nos jovens mas também nos adultos, e todos apontam que quando fazemos uma má utilização destas redes vamos ter consequências na saúde mental, com aumento dos níveis de stress que se ligam a ansiedade, problemas de sono e depressão”, começa por explicar a psicóloga Ana Valente.

O impacto das redes sociais nos níveis de stress tem vindo a ser estudado e há, efetivamente, conteúdos que causam irritação e frustração e que fazem crescer os níveis de cortisol - que muitas vezes passa despercebido. Por norma, para quem vê, são os conteúdos criados especificamente para apelar à atenção dos outros, as narrativas que nascem nas redes sociais e que mostram um estilo de vida nem sempre possível de alcançar aqueles que têm pior impacto no bem-estar emocional. Para quem cria conteúdos, é a aprovação dos mesmos o principal fator de stress.

“A pessoa procura a internet para validar-se, procura o like, essa validação, quando acontece, e isso aumenta a autoestima. Mas não receber isso vai gerar stress. O que vemos nas redes sociais são vidas felizes e perfeitas, mas o que está por trás não é isso, as pessoas procuram divulgar o bom para ter o retorno e essa resposta, quando não aparece, vai gerar stress e ansiedade”, continua a especialista. 

O stress é uma resposta fisiológica com papel importante para colocar o organismo num estado de preparação para um desafio físico e cognitivo, mas com a chegada das redes sociais chegam novos fenómenos associados a este estado, como o desejo da aprovação e da boa impressão, já aqui mencionado, e o FOMO (fear of missing out, o medo de perder algo, em tradução livre), como explica o Chester County Hospital da Penn Medicine.

A psicóloga Ana Valente também fala deste “fenómeno” e lamenta que “muitas vezes não é uma utilização consciente” aquela que as pessoas fazem desta plataforma. O que realmente acontece, acrescenta, “é quase um comportamento aditivo, em que a pessoa está sempre à procura de conteúdos, de receber as notificações”.

“Este fenómeno do ‘não posso perder nada’ e ‘não posso ficar de fora’ naturalmente causa stress” e é este stress constante de querer estar a par de tudo e não perder pitada de nada que causa ansiedade - quase metade dos adolescentes portugueses admitem sofrer de ansiedade devido aos seus hábitos online, mas apenas 17% dos pais o reconhecem, revela uma análise da revista Deco Proteste

“Quando existe uma situação de stress, dependendo da pessoa e do contexto, pois pode ser um stress físico ou emocional, vamos ter sempre a ativação do sistema nervoso autónomo, que vai levar a um aumento dos níveis de adrenalina e noradrenalina”, explicou à CNN Portugal o médico endocrinologista João Sérgio Neves. Esse aumento provoca, por exemplo, um aumento da frequência cardíaca.

Quando as redes sociais podem ser uma “almofada”

Para Ana Valente, nem tudo nas redes sociais é mau, depende, claro, do uso que cada um faz destas plataformas e da capacidade de interpretar os sinais que o corpo dá. A inteligência emocional tem aqui um papel determinante, “sendo considerada um recurso protetor que pode amortecer os efeitos do stress”, lê-se no estudo Social media stress and mental health: A brief report on the protective role of emotional intelligence, publicado em 2022 na revista Current Psychology.

A inteligência emocional é também destacada por Ana Valente, uma vez que pode “proteger” a pessoa do uso que faz das redes sociais. “Se consigo identificar as minhas emoções e as consequências do meu comportamento, consigo proteger-me. Se trabalhar as emoções vou conseguir proteger-me”, observa.

Saber quanto tempo é demasiado tempo online é difícil, depende de cada pessoa, dos seus hábitos e do que consome digitalmente, mas reconhecer quando o tempo online está a ser prejudicial é uma forma de travar o stress. E, segundo Ana Valente, é possível perceber quando as redes sociais estão a ter um impacto negativo no bem-estar.

Sentir-se muito angustiado quando não se tem acesso ou não se pode usar a rede social, sentir ansiedade, preocupação, ter alterações de humor, stress. Tudo isto é um grande sinal de alerta”, indica a psicóloga.

Assim que a pessoa é capaz de decifrar o impacto que as redes sociais têm em si e ganha ferramentas para distanciar-se daquilo que a incomoda, há todo um mundo de oportunidades para descobrir - e todo um conjunto de estratégias para tirar o melhor proveito destas plataformas e melhorar o bem-estar.

Ana Valente destaca que as redes sociais têm a “vantagem” de permitir um “conhecimento espalhado por todo o mundo, conhecer pessoas de todo o mundo, partilhar experiências com todo o mundo”, algo que em situações de vulnerabilidade pode ser benéfico para algumas pessoas. E dá um exemplo: “estou a passar uma situação difícil na vida e nas redes encontro um grupo de apoio e essa partilha é positiva, é como uma almofada.”

Segundo o estudo Social media use, stress, and coping, publicado no ano passado na revista Current Opinion in Psychology, as redes sociais podem, na verdade, ser usadas de três formas para combater o stress. Uma dessas formas diz respeito ao “suporte social” que estas plataformas oferecem, suporte esse não conquistado por likes, mas sim pelo apoio da comunidade que se cria após um desabafo de emoções, a tal “almofada” de que a psicóloga Ana Valente fala. 

Em segundo lugar, diz o estudo, as pessoas também podem usar as redes sociais para melhorar as emoções negativas induzidas pelo stress, aquilo a que os cientistas chamam “coping focado na emoção”. Nestes casos, lê-se no estudo, as redes sociais podem ser usadas para a pessoa distrair-se de um momento stressante, podendo os vídeos de animais ajudar nesse sentido. 

Sobre este ponto, Ana Valente sublinha a importância das pessoas procurarem “conteúdos que fazem bem”, que animam e evitam aqueles que causam algum tipo de tristeza ou irritação. “As redes sociais têm um lado de entretenimento que permite relaxar”, mas é preciso ter ‘mão’ no conteúdo, sob a pena de um momento de lazer se tornar em mais um episódio de stress. “Eu é que escolho, eu sei o que é preciso e escolho, sei parar, não absorvo e aceito tudo o que a rede social dá”, diz, instando as pessoas a fazerem este exercício sempre que estiverem nestas plataformas digitais.

Em terceiro lugar, o estudo indica que as redes sociais podem ser usadas para resolver o problema causador de stress, sendo que aqui, o ‘desamigar’ ou ‘silenciar’ determinadas pessoas ou determinadas páginas de conteúdos pode ser a estratégia.

Mas para a psicóloga o mais importante era que “conseguíssemos desligar a internet e as notificações, resistir a este constante alerta”, fazer um uso mais comedido das redes. A especialista defende que o ideal é mesmo “fazê-lo com um objetivo, seja ver um pequeno vídeo, falar com um familiar que está longe, mas ter um objetivo” quando se usa as redes sociais.

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