Uma estranha deu-lhe 100 dólares num avião há anos e mudou a sua vida. Agora, ela está a tentar encontrar a mulher misteriosa para agradecer-lhe - TVI

Uma estranha deu-lhe 100 dólares num avião há anos e mudou a sua vida. Agora, ela está a tentar encontrar a mulher misteriosa para agradecer-lhe

  • CNN
  • Catherine E. Shoichet
  • 1 mai 2022, 20:00
“Para: as raparigas da Jugoslávia”. O  envelope que a misteriosa Tracy escreveu, e que moldou a vida de quem o recebeu

Quem é “Tracy”? Ou como um gesto pode mudar a vida de uma pessoa.

Ayda Zugay não é uma pessoa que normalmente goste de guardar coisas. As paredes da sua casa em Boston estão nuas. Ela mantém uma pequena bolsa cheia de artigos essenciais para o caso de precisar sair rapidamente. Mas durante mais de duas décadas, guardou um envelope que ela espera que a ajude a desvendar um mistério.

Zugay conta que era uma refugiada de quase 12 anos, que fugia da ex-Jugoslávia com a sua irmã mais velha, quando em 1999 uma estranha lhes entregou o envelope num voo para os Estados Unidos. A mulher fê-las prometer que não o abririam até desembarcarem do avião.

As meninas ficaram chocadas quando encontraram brincos e uma nota de 100 dólares lá dentro. Uma nota rabiscada do lado de fora do envelope está assinada apenas com o primeiro nome — Tracy. Zugay diz que está a tentar encontrar essa mulher há quase uma década.

Zugay quer que Tracy saiba o quanto este presente significou. Ela imagina que, para Tracy, ou para outras pessoas que ouvem a história, o envelope pode parecer um pequeno gesto. Mas Zugay conta que, para ela e para a sua irmã, que então tinha 17 anos, foi muito mais do que um ato momentâneo de generosidade. Esse dinheiro, diz ela, ajudou a alimentá-las durante um verão inteiro, enquanto as duas meninas lutavam por uma bida nova, quando ficaram com o seu irmão, que era estudante universitário em Iowa. 23 anos depois, esse envelope ainda molda a maneira como as duas irmãs vivem as suas vidas.

Zugay olhou para o envelope em busca de pistas, seguiu indícios, lidou com dúvidas e chegou a becos sem saída. Entrou em contato com hotéis, companhias aéreas e empresas de turismo. Conversou com repórteres e fez publicações no Reddit. Mas, até agora, não encontrou Tracy. Agora, está a tentar lançar uma rede mais larga.

Várias organizações de defesa de refugiados publicaram esta semana um vídeo de Zugay partilhando a sua história no Twitter, e estão a pedir ao público que entre em contato caso tenha alguma pista.

"Quero poder encontrar Tracy para agradecer-lhe a sua generosidade, a sua gentileza, a sua empatia e por me acolher a mim e à minha irmã", diz Zugay a olhar para a câmara, enquanto música do fundo toca. "Queria saber se pode ajudar-me a encontrá-la. Já ouviu um membro da família ou um amigo ou alguém partilhar uma história semelhante a esta?"

Esta é uma história que Zugay já contou muitas vezes. Mas ainda não sabe como esta história termina.

Num vídeo que várias organizações de defesa de refugiados estão a partilhar nas redes sociais, Ayda Zugay pede ajuda para encontrar a mulher por detrás do envelope e da sua mensagem de acolhimento

As pistas que iniciaram a busca

Do lado de fora do envelope de Tracy está escrito "Para: as meninas da Jugoslávia".

Lamento muito que o bombardeamento do vosso país tenha causado problemas à vossa família. Espero que a vossa estadia na América seja segura e feliz para vocês - Bem-vindas à América - por favor, usem isto para ajudar-vos. Uma amiga do avião — TRACY”

 

A frase está rabiscada no que parece um pedaço de papel de carta de hotel - possivelmente de algum lugar onde estava hospedada. No canto superior esquerdo, está impresso a azul "Holiday Inn Garden Court". O envelope não é a única coisa que Zugay pode usar. Ela também sabe alguns detalhes do voo - alguns da sua própria memória e outros que a irmã partilhou.

A Tracy que lhes deu o envelope estava a viajar com uma amiga, diz Zugay, que acha que o nome dessa amiga também era Tracy. Para Zugay, eles pareciam estar no final dos 30 ou início dos 40 anos. Uma era uma morena com um rabo de cavalo. A outra tinha cabelos loiros de comprimento médio. Ambas as mulheres carregavam raquetes de ténis, que colocaram no compartimento superior do avião. Falaram sobre jogar ténis em Paris. E Zugay acha que elas podem ter morado no Minnesota, EUA, possivelmente a poucas horas do Aeroporto Internacional de Minneapolis - Saint Paul. Ela lembra-se de ajudar as mulheres com tricô. Zugay não falava inglês na altura, mas a sua irmã mais velha conseguiu conversar.

No seu vídeo recente, é assim que Zugay descreve quem ela imagina que Tracy seja, com base nas pistas que tem: "Tracy, nessa altura, seria uma mulher de meia-idade ou mais velha, incrível no ténis, e já havia viajado antes por causa disso. Ela teria vindo de Paris, onde se hospedou num Holiday Inn e onde jogou ténis, para Amsterdão, onde nos encontrámos naquele voo. Ela terá voado de Amsterdão para Minnesota, e isso terá sido a 31 de maio de 1999."

Fotografia de infância de Ayda Zugay e da sua irmã Vanja, que foi tirada depois de chegarem aos Estados Unidos. Cortesia Ayda Zugay

Por que é que a nota tem ainda mais significado agora

Zugay ainda se lembra de como se sentiu quando leu a mensagem no envelope pela primeira vez. Reparou como a palavra "seguras" estava sublinhada.

"Foi a primeira vez que senti alívio. Este é um lugar seguro, e podemos construir um futuro aqui", conta. “Acho que é por isso que a carta realmente ressoou em mim naquela altura, porque passámos de um horror drástico para este belo ato de bondade”.

A sua irmã, Vanja Contino, não se lembra de muitos detalhes do voo. Mas diz que se lembra do momento em que abriram o envelope e encontraram cem dólares dentro. "Nós as duas apenas olhamos uma para a outra, eu e minha irmã, e abraçamo-nos", diz. "Porque era tudo o que tínhamos... E foi incrível que alguém estivesse disposto a gastar tanto dinheiro connosco."

O presente foi surpreendente nos seus primeiros dias na América, mas Zugay diz que ele se tornou mais importante com o passar do tempo. "Do lado de fora do envelope havia uma incrível mensagem de boas-vindas", afirma Zugay no seu vídeo recente. "Valorizo isso, porque, com o passar do tempo, percebi que na maioria dos lugares, boas-vindas como esta são muito incomuns."

Ela nunca esquecerá este ato de generosidade. Mas ela tem muitas outras memórias– histórias que lhe são dolorosas de contar, sobre como foi começar a vida na América. Como a mulher que uma vez se recusou a aceitar os rolos de moedas que ela e a sua irmã tentaram usar para pagar numa loja, dizendo-lhes que elas não pertenciam ali. Ou como as pessoas que lhe disseram que deveria autodeportar-se, depois de Mitt Romney ter usado esse termo num debate em 2012. Ou como aqueles que ouviu a fazer julgamentos injustos sobre se certos imigrantes mereciam estar na América.

Experiências como estas foram tão marcantes, diz Zugay, que durante anos não ela gostou de dizer que era refugiada. Teve aulas para diminuir o sotaque e fez tudo para se misturar. "Tentei apagar toda a minha identidade para me sentir aceite", diz, "mas para perceber depois que isso nunca iria acontecer".

Para Zugay, o bilhete de Tracy é um "diamante no escuro" - e essa é a grande razão pela qual ela o guardou e continua a procurar a mulher que o escreveu.

Quando o Memorial Day se aproxima

Zugay diz que renova a sua busca por Tracy todos os anos à volta do Memorial Day, aniversário de quando ela e a sua irmã chegaram aos EUA. O Dia de Ação de Graças é outro momento em que frequentemente começa de novo a procurar pistas. A celebração anual de gratidão, diz ela, fá-la refletir sobre como aquele momento de bondade moldou a sua vida.

“Tenho tentado fazer isso todos os Memorial Days e todos os Dias de Ação de Graças, tentando procurar, pesquisar online, alcançar pessoas e tentar estratégias diferentes”, diz Zugay. Em cada tentativa há uma mistura de emoções. "Definitivamente, é difícil voltar atrás no tempo e viver novamente essas experiências ", diz.

Às vezes, ela deseja ser mais como a sua irmã, focada em prosperar no presente em vez de viver no passado. Mas há algo sobre Tracy de que ela não conseguiu libertar-se.

Quando começou a procurar, ela havia perdido o envelope e temia que ele estivesse perdido para sempre. Então, confiou em detalhes vagos de sua memória para começar a procurar. Lembrou-se das raquetes no compartimento superior do avião e vasculhou dados associações de ténis. Tentou contactar a American Airlines, com base na memória de um logotipo no avião. Mas não teve sorte.

O envelope apareceu anos depois, dando-lhe mais detalhes para investigar. Lá dentro, encontrou um itinerário manuscrito que acha que o seu pai lhes havia dado antes de saírem de casa. Ele especificou uma companhia aérea e um número de voo diferentes - KL 655. Tentou entrar em contato com a companhia aérea KLM, mas chegou a outro beco sem saída.

“Tentámos obter algumas informações sobre este caso, mas infelizmente a KLM não mantém nenhum dado de voo antigo, pelo que foi impossível encontrar algo internamente”, disse a porta-voz da KLM, Ilse Heemskerk, por e-mail à CNN.

A companhia aérea partilhou a história no seu blogue há alguns anos, e algumas pessoas publicaram ideias nos comentários. Vários observaram que é bastante provável que os clientes americanos no avião estivessem voando com a KLM num voo partilhado de “code-share” com a Northwest Airlines. "Minneapolis era o centro de NW", observou um. Zugay ainda se pergunta se afinal era um voo da KLM.

Foto recente mostra Vanja Contino e Ayda Zugay. As irmãs dizem que um envelope que receberam de uma estranha com cem dólares dentro ainda está a moldar as suas vidas, décadas depois. Cortesia Ayda Zugay

No Reddit, onde Zugay fez várias vezes publicações sobre o envelope a pedir ajuda, encontrou uma comunidade de apoio que a encorajou e partilhou as suas teorias. Ela lembrava-se de alguma coisa sobre como era o avião? Sabia se as mulheres jogavam ténis de competição? Que tal conversar com um repórter local em Minneapolis? Os seguidores rapidamente perceberam que Open de França era disputado naquela altura. Alguém sugeriu que ela entrasse em contato com empresas de turismo de ténis.

Enquanto muitos responderam às publicações no Reddit com ideias sobre onde procurar, outros foram mais céticos. Um sugeriu que as hipóteses de sucesso eram tão pequenas que a sua energia seria melhor gasta “pagando para a frente”, em vez de tentar procurar estranhos com tão poucas pistas. "As hipótses são muuuuito baixas e, ao mesmo tempo, não me sinto desencorajada", escreveu Zugay em resposta. "Quero permanecer determinada o máximo que puder... Eles deram-nos as primeiras boas-vindas e nunca serão esquecidas. Quero que saibam como esta história acaba."

Contino, irmã de Zugay, tem agora 40 anos e é anestesista. Diz que terem recebido aquele envelope continua a moldar a maneira como vive. Tenta ser generosa e “pagar” sempre que pode.

Zugay não falava inglês quando conheceu Tracy, pouco antes de seu aniversário de 12 anos. Tem agora 34 anos e adoraria conversar com Tracy em inglês - para contar-lhe que trabalha com organizações sem fins lucrativos, cofundou uma empresa de consultoria e representa Massachusetts como delegada no Congresso de Refugiados.

Ela encontra força em partilhar a sua história.

Várias organizações de refugiados juntaram-se na busca

Quando Sarah Sheffer soube da busca de Zugay, soube que queria fazer o que pudesse para ajudar.

Zugay estava a falar num painel no outono passado, à medida que dezenas de milhares de afegãos começavam a chegar aos Estados Unidos após a queda de Cabul. Muitos dos ex-refugiados que partilharam as suas histórias naquele dia mencionaram simples atos de bondade que permaneceram com eles durante anos, conta Sheffer, diretora interina do Refugee Advocacy Lab e vice-presidente da Refugees International.

"Os momentos mais indeléveis de boas-vindas que os ex-refugiados refletiam no webinar tinham sido pequenos atos de bondade e generosidade - alguém a dizer 'bem-vindo a casa’ quando chegaram ao aeroporto, ou um vizinho que fez “check-in” para ver se precisavam de alguma coisa. ", diz Sheffer.

Mas a história de Zugay, diz Sheffer, destacou-se. "Temos que encontrar a Tracy", pensou. A poderosa história, diz Sheffer, é mais importante agora do que nunca, com o número de refugiados deslocados no mundo a atingir um recorde histórico.

O vídeo ainda não ganhou muita força nas redes sociais, desde que várias organizações e defensores de refugiados o partilharam esta semana. Segundo Sheffer, até agora não apareceu nenhuma pista na caixa de entrada da organização. Mas sabe que é cedo, e nunca se sabe quem pode tropeçar num tweet.

Ao partilhar o vídeo, Sheffer diz que as organizações com que trabalha esperam não apenas encontrar Tracy, "mas mostrar que um pequeno ato de boas-vindas realmente tem o poder de mudar o curso da vida de alguém".

Uma pista caiu, mas ela ainda está esperançosa

Zugay conta que uma possível confirmação surgiu há vários anos, quando partilhou a sua história com um repórter do Minneapolis Star Tribune: uma mulher chamada Tracy, que jogava ténis, havia viajado por esse caminho no passado e até viajou com uma amiga também chamada Tracy. Mas essa Tracy não se lembrava de ter conhecido Zugay e a sua irmã, nem de ter escrito o bilhete, nem de ter dado 100 dólares a refugiados num avião. Pediu à amiga para confirmar e soube que não haviam feito a viagem de Amsterdão a Minneapolis em 1999.

Zugay ainda tem o texto: "A minha amiga Tracy confirmou que não era nenhuma de nós... boa sorte com a missão."

Ayda Zugay diz que encontrou muitos becos sem saída ao longo dos anos na sua busca por Tracy, mas acha que ainda vale a pena continuar a tentar. Cortesia Ayda Zuday

É possível que fosse a Tracy certa?

Zugay diz que pensou isso no início, mas saber que afinal as mulheres não tinham viajado em 1999 convenceu-a de que a Tracy de que ela estava à procura ainda anda por aí em algum lugar. "Acho que não encontrámos Tracy... Alguém se lembraria de algo assim", diz.

Zugay espera que o vídeo tenha um público maior online e possa levá-la a novos caminhos que nunca viu antes. "Achei que talvez o alcance tivesse de ser mais amplo, para poder encontrar aquela Tracy", diz. "E talvez Tracy não ouça, mas ouça uma amiga, e ela se lembre da história."

Claro, há muitos obstáculos no caminho. Alguns dos detalhes sobre Tracy podem ter-se perdido no tempo ou na tradução. Zugay sabe que talvez nunca encontre Tracy. E percebe que Tracy pode não querer ser encontrada.

Ainda assim, Zugay diz que vale a pena continuar a tentar. Talvez Tracy leia esta história. Ou talvez Zugay não precise de encontrar Tracy para que a sua busca seja bem-sucedida.

Zugay lembra-se de uma das respostas do Reddit, que recebeu há anos. Foi lindo, diz - outro diamante no escuro: "Eu não te posso ajudar nessa busca, mas podes dizer-me como eu poderia ser uma Tracy para alguém que venha a ser ser meu novo vizinho/cidadão/amigo?"

Talvez mais pessoas ouçam esta história sobre Tracy e se esforcem também para serem acolhedoras.

E talvez, algum dia, mensagens como a que Tracy escreveu não sejam raras.

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