Boris Johnson não aguentou a pressão colocada pelos membros do seu próprio partido e anunciou a demissão da liderança do Partido Conservador, abrindo portas para um novo ciclo político no Reino Unido.
Navegou o país por algumas das maiores crises políticas dos últimos anos, como o acordo do Brexit, e fez do Reino Unido um dos principais pilares da Europa na defesa da soberania ucraniana, após a invasão russa. Mas a sua incapacidade de fazer crescer a economia e de gerir os constantes escândalos da sua administração deitou por terra o líder que “não tem medo de assumir posições duras em relação a temas difíceis”.
“Boris Johnson poderia ter sido um grande primeiro-ministro, particularmente se tivesse continuado a ter a intervenção internacional que tem tido. Sai em desgraça. Não é nada positivo para o país ver o seu presidente sair por incapacidade moral de gerir o país”, sublinha a comentadora da CNN Portugal Diana Soller.
Os sucessos de Boris
Chegou ao poder depois de ter liderado a revolta contra o governo chefiado por Theresa May, do qual fazia parte como ministro dos Negócios Estrangeiros, por não concordar com o acordo conseguido pela então primeira-ministra para a saída do país da União Europeia. Sempre controverso, regressou ao seu trabalho de colunista do Daily Telegraph, onde voltou a criar polémica ao comparar as mulheres que utilizam burka com “caixas do correio”.
Com a queda do governo que se seguiu à incapacidade de May em chegar a um acordo para a saída do Reino Unido da UE, Johnson “fez a leitura certa do que as pessoas queriam no Reino Unido” e, com o famoso slogan “Get Brexit Done” (Vamos fazer o Brexit), consegue a maioria de que necessita e chega a primeiro-ministro.
“Venceu porque percebeu qual era a disposição do povo britânico, não só relativamente ao Brexit, mas também de uma sociedade que estava em crise política na altura. Independentemente de gostarmos ou não de o Brexit ter acontecido, ele foi bastante eficaz num momento de grande hesitação e de grandes problemas na questão internacional”, considera a especialista em Assuntos Internacionais.
Prometeu e cumpriu. O processo foi atribulado, mas Boris Johnson entregou aos eleitores aquilo que eles queriam: um acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia. A 31 de janeiro de 2020 era oficial: os 28 passaram a 27. Mas o alívio foi curto. Poucos dias depois, chegam a Inglaterra os primeiros casos de covid-19 e o país mergulha numa profunda crise.
Foi preciso esperar dois anos, até ao dia 24 de fevereiro de 2022, para Boris Johnson voltar a ganhar protagonismo naquele que é considerado pelos especialistas um dos seus maiores sucessos: a resposta e o apoio à Ucrânia durante a invasão russa.
“Penso que é isso que vai fazer mais falta. A guerra da Ucrânia exigia que, de alguma maneira, houvesse um líder europeu que não fosse da Europa de leste que tivesse uma posição dura em relação à guerra. E ele teve-a. Foi muito importante para obrigar a Europa a posicionar-se em relação à guerra da Ucrânia. Foi um grande amigo da Ucrânia”, destaca Diana Soller.
Além de milhares de milhões de libras em apoio militar, o primeiro-ministro abriu as portas do seu país para o treino de militares ucranianos e foi o líder europeu que mais visitou o país, mesmo durante a invasão, acabando mesmo por passear nas ruas de Kiev acompanhado por Volodymyr Zelensky.
Em declarações à CNN Portugal, o eurodeputado português Paulo Rangel aponta a preocupação de Johnson com o futuro da Ucrânia como um dos principais motivos que levaram o líder inglês a querer manter-se no comando até ao final do outono. “Tem sido o líder ocidental que mais tem apoiado a Ucrânia. E acho que não é por acaso que ele quer prolongar [o cargo] por mais três meses. Ele tem receio que isso [a sua saída] dê um sinal errado à Rússia, de instabilidade no Reino Unido que tem sido mais que a União Europeia e mais que os Estados Unidos o principal parceiro da Ucrânia e do presidente Zelensky", defende.
Os fracassos de Johnson
Mas se por um lado os especialistas avaliam de forma positiva as conquistas de Johnson no plano internacional, o mesmo não pode ser dito no plano interno. Boris Johnson deixa ao seu sucessor um pesado legado no campo económico, com o país à beira de uma recessão e com a maior taxa de inflação dos últimos 40 anos, a atingir uns históricos 9,1%. Além disso, o aumento do preço dos combustíveis e da alimentação está a levar a uma das maiores crises de custo de vida das últimas décadas.
“Os fracassos ocorreram quase todos na política interna. A economia não cresceu o suficiente para deixar os britânicos satisfeitos e isso gerou uma grande instabilidade política”, repara Soller.
A incapacidade em ter uma resposta para este problema e outros no plano interno é uma das principais críticas que recebeu dos seus adversários, particularmente do seu partido, que acusam Johnson de ter falta de visão para o país, além de guiar os britânicos para fora da União Europeia. Domic Cumming, antigo conselheiro de Boris, acusou repetidamente o primeiro-ministro de ser “um carrinho de compras fora de controlo”.
Para a especialista este facto deve-se, em parte, ao facto de o primeiro-ministro britânico ser um líder populista, embora sublinhe que existe uma diferença entre Johnson e outros.
“Parte do problema de Boris Johnson é que ele é um populista, embora bastante mais sofisticado do que os populistas que nós costumamos ver. Como tal, Johnson tem carisma, sabe falar com as pessoas e não tem medo de assumir posições duras em relação a temas difíceis.”
Mas a queda de Boris Johnson dá-se devido aos constantes escândalos protagonizados pela sua administração. O primeiro ficou para sempre conhecido como “Partygate”, após surgirem imagens que mostravam o líder britânico a festejar o seu aniversário em Downing Street durante o auge da pandemia, em completo desrespeito pelas regras que obrigavam a restante população a cumprir. Ao todo, a Metropolitan Police emitiu 126 multas a 83 pessoas por terem quebrado as regras de confinamento em Downing Street e Whitehall.
Johnson conseguiu sobreviver e muito graças à guerra na Ucrânia e ao seu papel decisivo no apoio ao governo de Zelensky. Mas a gota de água chegaria no final do mês de junho, quando surgiram alegações contra o vice-presidente da bancada dos conservadores no parlamento britânico, Chris Pincher, por ter apalpado dois homens durante uma festa privada no Carlton Club, o clube de membros do Partido Conservador em Londres.
O político acabaria por se demitir, mas tarde demais. O destino de Johnson já estava traçado e o Partido Conservador já não olhava para ele como alguém capaz de ganhar eleições. Seguiu-se uma avalanche de demissões que acabou por soterrar politicamente o homem do Brexit.
“O legado mais negativo de todos é a razão que o obrigou a afastar-se. Tem de haver alguma moralidade política e institucional que acompanhe a política e os seus líderes. A demissão de um líder por falência moral é uma coisa que marca um país profundamente”, frisa Diana Soller.