Era esperada mais uma noite de grande violência, talvez como não houve até aqui, mas não foi nada disso que aconteceu. Pelo contrário. À previsível mobilização dos grupos de extrema-direita que têm espalhado o caos por várias cidades do Reino Unido a comunidade respondeu, mostrando-se mais forte do que a dissuasão que a polícia tentou colocar em prática ao longo de dias.
Centenas de manifestantes antirracismo juntaram-se em várias cidades e formaram autênticos escudos humanos para proteger instituições onde moram requerentes de asilo. Isto em reação ao que a polícia previu que fossem mais de 100 protestos de extrema-direita em Inglaterra, Escócia, País de Gales ou Irlanda do Norte, mas não foi nada disso que aconteceu.
O resultado da mobilização humana foi a ausência quase total dos grupos que há vários queimam carros e pilham cidades, numa demonstração de que a força popular pode, por vezes, sobrepor a ação da polícia, que até tem forças especiais nas ruas, mas que até aqui tinha sido impotente nos seus intentos.
Com cartazes em que dava as “boas-vindas” aos refugiados ou pediam “rejeitem o racismo, tentem a terapia”, o povo saiu à rua ao fim de nove dias de caos para tentar, e conseguir, pôr ordem no país, que vive os seus momentos mais violentos desde 2011. A origem de tudo está já bem longe de ser o esfaqueamento mortal de três crianças - uma delas portuguesa - em Merseyside, tendo passado rapidamente para a base de uma mentira causada pela desinformação espalhada sobre a identidade do atacante de Southport, que já se sabe que era cidadão britânico e nascido em Cardiff, no Reino Unido, em vez das confusões de nacionalidade, religião ou estatuto de refugiado que surgiram, nomeadamente nas redes sociais.
Alheias à argumentação perante o escalar dos protestos, as autoridades aconselharam as clínicas e os escritórios de advogados a fecharem mais cedo, pedindo até aos deputados que servem no parlamento que considerassem o trabalho remoto. Estavam mobilizadas as forças de segurança de 41 das 43 áreas de Inglaterra e País de Gales, por exemplo, sendo que para as ruas eram mais de seis mil os polícias colocados para responder prontamente.
Isso não foi preciso e, em grande parte, graças a cerca de 30 grupos que se juntaram para combater a desinformação e a violência. Uma decisão tomada após as ameaças mais sérias de que escritórios de advogados especializados em imigração e centros de refugiados podiam ser alguns dos alvos dos manifestantes de extrema-direita – eles que já chegaram mesmo a pegar fogo a uma esquadra.
Esses 30 grupos saíram às ruas de Liverpool, Birmingham, Bristol, Brighton ou Londres para protegerem as suas comunidades. Em Liverpool, mais a norte, houve mesmo um escudo humano formado à frente de uma igreja onde funciona um centro de aconselhamento de imigração. Também ali se viu mulheres a segurarem cartazes onde era possível ler palavras “contra os Nazis”.
Apenas em Aldershot a situação ficou mais tensa. Aos cânticos de extrema-direita de “parem os barcos” os manifestantes antirracismo responderam com mais cartazes a garantirem que “os refugiados são bem-vindos aqui”. Dezenas de polícias apressaram-se ao local e a tensão não degenerou em violência.