O advogado português que foi viver para as Caraíbas e acabou a jogar na seleção - TVI

O advogado português que foi viver para as Caraíbas e acabou a jogar na seleção

Hugo Liziário

Hugo Costa Liziário licenciou-se em direito e viveu onze anos em Londres, até que se deixou apaixonar pelo estilo de vida caribenho. Nas Ilhas Virgens Britânicas voltou a jogar futebol e foi chamado a ajudar a seleção em dois jogos oficiais FIFA de apuramento para o Mundial 2026. Na estreia, marcou um golo histórico para o país e... festejou à Gyokeres.

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Esta história começa em outubro de 2022.

Foi nessa altura que Hugo Costa Liziário chegou às Ilhas Virgens Britânicas para viver uma aventura: mais uma aventura, aliás. Surgiu uma oportunidade de trabalho e ele fez as malas.

«Depois de estar onze anos em Inglaterra, eu queria uma mudança acima de tudo no meu estilo de vida. Londres é uma cidade única, vivi lá experiências profissionais e pessoais incríveis, mas após onze anos com um tempo cinzento, em que a comida não é a nossa comida, eu quis também fazer esta mudança no aspeto mais pessoal da minha vida», conta.

«Nas Ilhas Virgens há um sistema legal muito desenvolvido, baseado na lei inglesa, a nível de salário aqui a tributação é muito baixa, é só 8 por cento, enquanto no Reino Unido pagava entre 30 e 40 por cento no total. Portanto, houve o estímulo financeiro, o estímulo do bom tempo e o estímulo de uma experiência nova vivendo neste país das Caraíbas, que não é nada desagradável. Tudo junto, decidi agarrar-me a este projeto.»

Ainda não passaram sequer dois anos e sente que a decisão não podia ter sido mais acertada.

«Está cada vez melhor. Não só na parte profissional, como também na parte pessoal. Estou muito feliz aqui.»

As Ilhas Virgens Britânicas, com os seus 30 mil habitantes, praias fantásticas, mar caribenho de água transparente e muitos turistas, não o têm desiludido, portanto. Até porque no último fim de semana proporcionaram-lhe a experiência de uma vida: jogar o apuramento para um Mundial. Aliás, marcar um golo num jogo oficial de apuramento para o Mundial.

Mas já lá vamos.

Antes disso, é preciso dizer que quando aos 15 anos decidiu parar de jogar, Hugo Costa Liziário estava longe de imaginar que quase duas décadas depois isto podia acontecer. Naquela altura escolheu dar mais tempo aos pais, e passar menos horas entre treinos e jogos.

A vida, porém, dá muitas voltas.

«Nasci em Lisboa e a minha escola de futebol foi do Estoril. Entrei no clube com dez anos e joguei até aos 15 a nível competitivo. Depois, em conjunto com os meus pais, decidi parar, para ter tempo para outras coisas que queríamos fazer em família. Ainda passei pelo Torre e treinei nos Cascais, mas só voltei a jogar a um nível bom nos Estados Unidos», conta.

«Aos 17 anos fui sozinho para os Estados Unidos. Há pelo menos duas empresas em Portugal que proporcionam este programa, em que vamos para uma família de acolhimento e fazemos tudo pelos nossos meios, e decidi ter essa experiência de ir sozinho. Também muito por causa do inglês: queria ter um domínio muito grande da língua inglesa.»

Nos Estados Unidos, um país que faz um investimento enorme no desporto escolar através do sistema liceal e universitário, voltou a sentir-se a jogar num bom nível.

«Fui para o estado do Ohio, joguei a nível liceal e participei em vários torneios pelo Ohio fora. No entanto, como sempre quis ser advogado e o direito americano é muito diferente do direito europeu, decidi voltar a mudar de país após concluir o Liceu e ir para Londres», adianta.

«Em Inglaterra o futebol não parou, mas os estudos para entrar na Ordem são muito intensos, muitas horas a estudar, também trabalhava em part-time para me poder financiar - fui empregado de mesa em alguns restaurantes ao fim de semana -, portanto não tinha disponibilidade para jogar a um nível competitivo. Então joguei naquelas Sunday Leagues, para manter a paixão viva. A Sunday League é muito divertida: joga-se de manhã no campo e depois no pub. São dois jogos e eu não sei eu não sei qual deles é mais difícil a nível de resistência. Foram tempos bons, sem dúvida.»

Ora estes onze anos em Londres permitiram-lhe concluir a licenciatura, entrar para a Ordem e começar a exercer advocacia, mas permitiram-lhe também alcançar algo que é fundamental para esta história: a cidadania inglesa.

«Há dois requisitos fundamentais para poder ser elegível para representar a seleção das Ilhas Virgens Britânicas: o primeiro é ter passaporte inglês, o segundo é ter seis meses de residência na ilha. Tendo isso, e depois de o treinador me ver em ação, ficou mais fácil e a oportunidade surgiu», sublinha.

«Tudo aconteceu muito rápido e honestamente não estava à espera. Ainda não estou aqui sequer há dois anos. Mas, por outro lado, tenho feito muitos jogos pela minha equipa e sou o melhor marcador da Liga.»

Jogar futebol, de resto, foi uma preocupação para Hugo Costa Liziário logo que chegou ao país. Começou a procurar e encontrar um clube não foi difícil. A maior dificuldade foi mesmo conseguir inscrever-se. Quando pensou que não ia haver problemas, descobriu que ainda estava ligado ao Estoril. Precisou nessa altura de arranjar um documento que provasse a desvinculação.

«Esse processo burocrático ainda demorou alguns meses. Portanto, podia treinar, mas não podia jogar, o que foi um bocado frustrante.»

O tempo, como sempre, resolveu todos os problemas e trouxe a melhor das notícias. A chamada à seleção das Ilhas Virgens Britânicas.

Aconteceu na semana passada, para uma eliminatória da fase de qualificação para o Mundial 2026, frente às vizinhas e rivais Ilhas Virgens Americanas.

«Soube ia ser chamado para o estágio talvez uma semana antes dos jogos. Acho que o treinador estava a tentar completar a lista, tinha ali alguns algumas vagas em aberto, olhou para mim e pensou que eu podia ajudar. Depois foi uma questão de alinhar tudo com o trabalho. Acho que só dois ou três dias antes do estágio começar é que recebi autorização do meu chefe para ir.»

Esse, sim, é talvez o maior adversário do advogado nesta altura.

«Não é fácil. O meu trabalho não é das nove às cinco, implica estar quase sempre disponível, quando é necessário. É necessária muita flexibilidade da minha parte. Muitas vezes tenho de estar a trabalhar até às duas ou três da manhã, para depois no dia a seguir poder ir treinar. Ainda no outro dia, estávamos em estágio e eu a responder a emails às onze e meia da noite, para depois acordar às 7:00 para o pequeno-almoço e a seguir ir treinar. Tudo isto é uma montanha-russa, mas quem corre por gosto não cansa e não me posso queixar.»

Hugo Costa Liziário não se queixa, de facto. Até porque no último sábado, lá está, viveu a mais gratificante de todas as experiências: vestir uma camisola da seleção e participar num jogo oficial FIFA, de apuramento para um Mundial.

O advogado começou no banco, mas entrou aos 70 minutos, quando o resultado ainda estava num nulo. Pouco depois as Ilhas Virgens Americanas marcaram e deixaram a coisa com mau aspeto. Até que nos descontos, o português celebrou a estreia com um golo histórico para o pequeno país. Poucos dias depois, em casa, as Ilhas Virgens Britânicas voltaram a empatar, garantiram o apuramento nos penáltis e tornaram tudo isto ainda mais especial.

«Parte de mim queria chorar. Ter tido esta oportunidade aos 31 anos, quando já pensava que nunca iria aparecer, e certamente não ao nível de uma seleção, foi único. Estava muito emocionado. Nem sabia bem o que fazer, tinha pensado numa celebração antes do jogo e acho que a fiz duas vezes, uma a seguir à outra, enfim, foi tudo uma emoção muito grande.»

O advogado festejou à Gyökeres, com as mãos a simular uma máscara, numa celebração que foi uma homenagem ao jogador que mais o inspira, «um viking, um verdadeiro guerreiro».

«Mas acima de tudo o que fica é ver a cara que felicidade nos meus colegas, e sobretudo no capitão da equipa, que estava na sua 25ª internacionalização. As Ilhas Virgens Britânicas estão inseridas nestas competições há 28 anos e nunca se tinham qualificado para a segunda fase.»

Nesta altura convém explicar que o país tem um campeonato formado por dez equipas amadoras, que treinam uma vez por semana e jogam ao fim de semana. Mas convém também dizer que a Federação, que um dia já teve um adolescente André Villas-Boas como selecionador, está a fazer um esforço grande para ser mais competitiva.

Sobretudo através de um grande processo de pesquisa, tenta encontrar jogadores em outros países que tenham raízes na ilha e que estejam disponíveis para representar a seleção, o que lhe tem permitido trazer alguns jovens de países mais fortes, entre eles de Inglaterra.

«Nesta seleção acho que está tudo na base do compromisso e foi isso sempre que o treinador me disse. Não interessa se és estudante e tens 18 ou19 anos, se trabalhas a full time e tens 38 ou 39. O nosso segundo guarda-redes tem 39 anos, por exemplo. Portanto, o compromisso é tentarmos estar disponíveis o máximo, ter nível físico, fazer uma boa alimentação.»

Agora vem aí uma segunda fase muito mais difícil, frente a seleções mais bem preparadas da América Central como são a Jamaica, Guatemala, República Dominicana e Dominica. Mas Hugo Costa Liziário ainda não está a pensar nisso.

Para já quer continuar a saborear este momento.

«Somos uma ilha pequena, de 30.000 habitantes e muitos turistas. Mas é engraçado, porque as crianças olham para nós como jogadores da seleção e pedem-nos autógrafos. Um dia aspiram também eles dar o seu contributo ao país», sorri.

«É uma escala muito pequena, mas é a oportunidade que eu tenho e é a oportunidade que eu vou agarrar. Não me tiro o mérito, já são dois jogos internacionais, pelo país onde vivo e onde estou a criar as minhas raízes. Portanto, para mim tem uma importância muito grande.»

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