“Os portugueses estão a escolher sair daqui porque não têm oportunidades. Sobretudo os qualificados e mais novos” - TVI

“Os portugueses estão a escolher sair daqui porque não têm oportunidades. Sobretudo os qualificados e mais novos”

  • CNN Portugal
  • 19 fev 2023, 17:26

O economista Ricardo Reis lamenta que a economia portuguesa esteja estagnada há 22 anos. “Já temos vários diagnósticos do que aconteceu. Continua a faltar, com alguma amargura minha, uma vontade reformista que leve a tentar contrariar essa tendência” Entrevista de Maria João Avillez a Ricardo Reis, transcrita e editada pela CNN Portugal

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Que diferença há entre esta crise e a de 2008?

Em 2008, 2010, o que tivemos foi uma crise financeira, o que implica que no final temos um lastro de dívida que, de certa forma, sufoca a economia e torna difícil recuperar. Depois das crises financeiras as economias recuperam muito lentamente. 

Em 2020, com a Covid, tivemos umas ‘férias’ forçadas. Da mesma forma que vamos de férias em agosto e voltamos em setembro e estamos a produzir e a consumir da mesma forma, tivemos umas ‘férias’ e quando voltámos, voltámos a produzir e a consumir, com mudanças, com certeza, mas que não prejudicaram ou incapacitaram a nossa forma de produzir. E daí recuperámos muito rapidamente.

O choque de 2022, por sua vez, a subida dos preços da energia, é um choque a que as economias, as indústrias, o sector industrial, estão habituadíssimos. Os preços da energia subirem muito é algo que acontece com regularidade, há toda uma capacidade industrial de se ajustar a esses choques, há toda uma capacidade do próprio sector que produz energia de se ajustar. A grande mudança nos mercados de energia nos últimos 20 anos foi que, com a substituição entre petróleo, gás e muitos outros, há um mercado muito ativo, concorrencial, em que sempre que uma das fontes de energia aumenta, as outras disparam e compensam. E foi isso que acabámos por ver acontecer nos últimos nove meses e daí a economia estar, depois daquele baque, que foi obviamente inicial, a recuperar de uma forma bastante rápida, afastando a possibilidade de recessão.

É otimista por natureza?  

Sim. As lições que tenho dos meus estudos da economia, de história e de outros, é da enorme capacidade de adaptação e de superação das dificuldades.

Temos um enorme decréscimo na desigualdade mundial nos últimos 20 anos.

A emissão de dióxido de carbono nos últimos 15 anos caiu em todos os países da União Europeia. Já estamos a emitir 20% menos dióxido de carbono do que emitíamos porque nos convencemos de que era muito importante para o planeta. E por fim, e talvez o maior milagre da nossa economia de mercado, repare como nos deparámos com um vírus terrível que nunca tínhamos visto e num espaço de semanas já havia uma vacina. Isto sem totalitarismo.  Mais, os últimos dois anos mostram que os países que se deram pior, agora que temos alguma distância, foram os países totalitários.  As democracias liberais de economia de mercado saíram vencedoras. E tudo isto são razões de otimismo.

Quando olhamos para os últimos 20 anos do nosso país, têm sido 20 anos muito maus.  Mas aí, novamente, olhamos para os 20 anos anteriores e vemos como Portugal era diferente em 2000 do que era em 1980, o quão diferente era Portugal em 1980 em relação a 1950. Temos uma história de um enorme progresso.  


Mas passado esse otimismo, ou ainda agarrando nele, podemos ou não entrar em recessão em Portugal?  

Olhando para os próximos 12 meses podemos ter, como quase sempre, uma perspetiva conjuntural ou uma perspetiva de tendência. Em termos de tendência, Portugal está estagnado há 20 anos, há praticamente 22 anos. E há 22 anos que falamos disto, há 22 anos que já temos vários diagnósticos do que aconteceu. Continua a faltar, com alguma amargura minha, uma vontade reformista que leve a tentar contrariar essa tendência. Entristece-me que discutimos se estamos a crescer mais uma décima do que a Alemanha em vez de pensarmos que nos últimos 20 anos Portugal tem estagnado. E podemos medir esta estagnação pelo crescimento da produção de riqueza, que nos últimos 20 anos é a mais desapontante de há praticamente um século, ou podemos medir olhando para uma escolha económica mais simples, que é a de saber quem é que quer cá morar? E tivemos na última década a maior saída em proporção da população que tínhamos desde os anos 60 e 70 com a Guerra Colonial.

Ou seja, os portugueses estão a escolher, sobretudo os qualificados e mais novos, saírem daqui porque não têm oportunidades. E isso é muito triste.  

Em termos dessa tendência devemos todos exigir que o Governo tente, ao menos, que isso se reverta, sem mais desculpas. 

Em termos de conjuntura, nos próximos seis meses, há algumas razões para otimismo porque vamos ter a abertura da China. A China fechou há três anos as suas fronteiras, mas fechou de uma forma muito peculiar. Os trabalhadores chineses, de há dois anos para cá, vão todos trabalhar para a fábrica e exportar, mas depois trancam-se em casa e não compram ou importam. O saldo comercial da China está a um nível recorde como nunca esteve nos últimos dois anos. Espero que nos próximos seis meses, com a abertura da China, eles voltem a comprar os produtos que fazemos aqui em Portugal e que isso seja um grande estímulo à nossa economia.  

A que é que atribui a de falta de vontade política, de capacidade reformista?  

Quando olhamos para a história dos últimos 20 anos e das tentativas que houve de reformar o país, de ultrapassar essa estagnação, o que vemos por vezes é um desejo de proteger o pouco que há. Uma excessiva concentração em proteger a fatia do bolo que temos e não uma suficiente preocupação em aumentar o tamanho do bolo. Depois há uma questão, se quiser, política, no sentido de que o que vemos é que nas eleições também é recompensada sempre uma perspetiva de olhar para trás, de recuperar rendimentos, de proteger e... 

E depois, por termos uma tradição de sermos um país de emigrantes que saem em busca de outras oportunidades, de uma certa forma, isso reduz a pressão sobre o Estado, sobre o Governo, para se reformar. E este imobilismo acaba por ser recompensado eleitoralmente.  

Como é que os portugueses podem entender que o Governo esteja permanentemente a louvar, a cantar o seu crescimento económico e ao mesmo tempo as famílias estão a perder rendimentos. Como é que as pessoas lidam com esta contradição?  É por causa disso que neste momento vivemos um momento de conflitualidade social muito acentuado?  

Há duas razões para esta conflitualidade. A primeira resulta desta estagnação de que falávamos. Podemos crescer um por cento menos ou um por cento mais e por ser só um por cento não se reparar muito. Mas ao fim de 20 anos não é um por cento, são mais de 20% de diferença. E sobretudo depois da Covid, todos os portugueses percebem que o quão piores estão em relação ao que estavam há cinco ou seis anos ou em relação há 10 anos. E é isso que leva a que finalmente haja uma revolta.  Isso vê-se claramente na Educação.  Quando ouvimos os protestos dos professores, não estamos a falar só do que aconteceu nos últimos seis meses, é uma frustração por seis, sete anos em que tivemos um Mistério da Educação que nada fez para melhorar o estado da Educação em Portugal. 

Agora, para além desta razão, o que temos também é um fenómeno inflacionista. E quando a inflação sobe muito, o que se verifica, é que o rendimento de algumas famílias cresce tanto ou mais que a inflação, e o rendimento de outras cresce muito abaixo da inflação. Ou seja, os processos inflacionistas são sempre processos de enorme desigualdade. 

É a combinação de uma estagnação de 20 anos com uma inflação de 18 meses que leva a que as pessoas acordem e percebam que não só outros se estão a dar muito melhor dentro dos mesmos países, de forma arbitrária e injusta, como quando se se comparam com há seis anos ou há 10 anos vejam que não estão de forma alguma melhor do que estavam antes.  

O Ministro das Finanças deveria ter mais poder, mais instrumentos e estar presente nas negociações com os sindicatos, com os setores que estão em conflito aberto com o Governo? 

Quando olhamos para os países que entraram em apuros e tiveram de chamar o Fundo Monetário Internacional (FMI), incluindo na história portuguesa, o que vemos muito frequentemente é que essas dificuldades surgiram quando o Estado precisou de compensar diferentes grupos ou redistribuir recursos. E essa distribuição foi feita de uma forma descentralizada em que diferentes ministros davam sem incorporar o impacto que tinham no orçamento total.  Como tal, normalmente é importante nessas alturas centralizar o poder no Ministro das Finanças. No caso de Portugal, tendo em conta que estamos num trajeto de descida da dívida pública, depois da enorme crise que tivemos, é obviamente extremamente importante manter esse controle das finanças públicas e como tal justifica-se o que sugere. 

Discute-se muito se durante a presença da troika em Portugal, no Governo liderado por Pedro Passos Coelho, o país poderia ter sido conduzido de outra forma, se as coisas correram bem, se correram mal. Qual é a sua opinião?

Tendo em conta as condições que foram herdadas por esse Governo e o facto de termos conseguido sair daquela situação de crise iminente, de verdadeira banca rota do Estado ao fim de poucos anos, tem sempre de se ver isso como um sucesso. Para além disso, olhando para os últimos 20 anos, quando olhamos para algumas das reformas mais significativas da economia portuguesa, começando com a reabilitação de Lisboa e do Porto, com a alteração do arrendamento, ou quando olhamos para o que foram as promoções das exportações, ou mesmo o início deste ‘boom’ do Turismo, esse Governo merece muito crédito.

Ao mesmo tempo, podemos olhar para essa altura e achar que a forma como se redistribuiu entre diferentes grupos o fardo do processo de ajustamento, se podia ter feito de outra forma e de uma forma que fosse não só menos dolorosa para muitos, mas também que permitisse que essas reformas fossem mais perenes e sobretudo que se tivesse mantido um espírito reformista em Portugal. Ou seja, a medida de como correu o mal é o facto de termos depois rapidamente eleito um Governo cuja principal bandeira era não reformar nada, retomar, não reformar, não reformar.

O Banco Central Europeu (BCE) falhou aos europeus por não ter começado a controlar a inflação mais cedo, como fizeram nos Estados Unidos? 

A resposta inequívoca é que falhou. Quando uma instituição tem imenso poder para controlar a inflação através da publica monetária, tem um alvo claríssimo que é a inflação ser de 2%, e a inflação ultrapassa os 10%, há sempre um falhanço. É inequívoco. Agora, podemos olhar e dizer onde falhou e se esses falhanços são compreensíveis tendo em conta a informação da altura, se são compreensíveis tendo em conta o tamanho do desafio.

Houve um erro da política monetária que aconteceu em meados, final de 2021, que foi subestimar a inflação. O BCE só a partir de junho de 2022 é que percebe que tem de mudar de direção. Agora, é um falhanço compreensível que tem a ver com a saída da Covid, tem a ver com o impacto dos preços da energia e tem a ver com uma recuperação muito rápida do consumo das famílias na Europa, quando a capacidade produtiva estava muito limitada pelos problemas na China e outros. Todos eles compreensíveis, mas todos a caminharem, todos a apontarem, a puxarem para o mesmo caminho e um BCE que foi um pouco lento a reagir. 

Vendo de uma forma otimista, a verdade é que estamos a falar de um atraso de alguns meses. Nos últimos seis meses a política tem sido perfeitamente a correta, e espero que nos próximos seis meses seja também a correta. 

As instituições ditas independentes, como o BCE, são de facto independentes, não estão pressionadas politicamente pela França, pela Alemanha, pela Itália que não querem problemas por causa da dívida?  

Não penso que haja uma pressão política direta. A senhora Lagarde leva muito a sério o seu mandato e tenta alcançar os 2% na melhor das suas capacidades. Mas qualquer decisão para controlar a inflação também tem efeitos noutras variáveis. Sendo que o principal, ou pelo menos o mais premente na mente de muitos europeus, é o que é que vai acontecer às taxas de dívida pública, sobretudo em Itália. Acho que é simplesmente um pouco do equilíbrio, digamos, das limitações que enfrenta. 

No entanto há aqui um desafio nos próximos dois anos. Trazer a inflação de 10% para 3 a 4%, que penso que vai acontecer no espaço dos próximos 12 a 18 meses, é algo que tenho toda a confiança que o BCE vai fazer. Depois, trazer a inflação para 2% é mais difícil pelas dificuldades que pode trazer e para a qual não sei se a população europeia, representada pelos seus políticos, está disposta a fazê-lo. Há aqui uma escolha política muito importante. Para quem se interessa pelos equilíbrios políticos da política monetária com as populações e com as outras políticas, para mim o grande desafio será dentro de 12 meses ver até que ponto é que o alvo da inflação de 2% sobrevive.  

Não está completamente excluído para si que haja um regresso à austeridade?

A partir do momento em que se tem um fardo da dívida pública tão grande como há em muitos países e a partir do momento em que acho que as taxas de juros reais vão subir de uma forma lenta, mas persistente, nos próximos cinco ou sete anos, isso vai pôr sempre enorme pressão sobre os orçamentos e sobre os ajustamentos fiscais e orçamentais. Não estou aqui a falar de se é este ano ou aquele, mas acho que a austeridade vai voltar, não necessariamente uma contração, mas uma austeridade no sentido de ter de reajustar orçamentos públicos. 

Estaria disposto, um dia, a dar um contributo no campo político ou económico ativo a Portugal?  

Tento dar um contributo através da minha participação na imprensa e através da minha participação na sociedade portuguesa.  

Sou português, saí de Portugal há muitos anos, já podia ser cidadão americano, não sou, podia ser cidadão inglês, não sou, e sou um leal e muito orgulhoso português onde vou. Essa lealdade e esse orgulho implica sempre estar à disposição de servir o nosso país. É isso que é serviço público e uma pessoa tem de estar sempre disposta nesse sentido.

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