"Gordo", "feio" e "doido" desaparecem dos livros de Roald Dahl. Inclusividade ou censura? - TVI

"Gordo", "feio" e "doido" desaparecem dos livros de Roald Dahl. Inclusividade ou censura?

  • CNN Portugal
  • MCP
  • 22 fev 2023, 17:25
Livros de Roald Dhal (foto: AP)

Augustus Gloop não é “gordo” é “enorme”. Os livros do celebrado autor britânico vão ser alterados e até o primeiro-ministro britânico já falou sobre o assunto

Bilhete dourado para a cultura woke nas obras de Roald Dhal. O politicamente correto chegou às suas obras literárias com a editora Puffin a alterar e remover linguagem considerada ofensiva, de forma a promover um discurso moderno e inclusivo, como avançou o jornal The Telegraph.

Roald Dhal, que morreu em 1990, com 76 anos, foi o autor de personagens como Matilda,Willy Wonka, as Bruxas, o Sr. Raposo, entre muitos outros. Nas suas histórias transmitiu aos mais novos o valor de ser resiliente e o poder da generosidade. Faça-se de exemplo as histórias de Charlie, no conto Charlie e a Fábrica de Chocolate ou de Matilda, que se manteve fiel a si mesmo, apesar da família disfuncional que o maltratava.

Os seus livros venderam mais de 300 milhões de cópias em todo o mundo e resultaram em várias adaptações nos pequenos e grandes ecrãs. 

Apesar da contribuição marcante de Dhal na literatura e na imaginação de crianças, nos últimos anos tem-se discutido, com preocupação, a popularidade das suas obras, já que algumas delas poderão refletir pontos de vista prejudiciais. O receio fundamenta-se com a posição antissemita, que o próprio autor chegou a admitir numa entrevista pouco antes da sua morte, misógina e racista. 

Assim sendo, a decisão por parte da Puffin e da Roal Dhal Company é tomada para “assegurar que o autor continue a ser apreciado por todos”. 

Linguagem relativa a peso, saúde mental, violência, género e raça está a ser retirada ou reescrita.

A personagem Augustus Gloop deixa de ser descrito como o “gordo”, passa a ser “enorme”. No livro “O Bga”, frases como “branca como lençóis” ou “casaco preto” foram removidas, a Sra. Peste, do livro “Os Pestes”, deixa de ser “feia” e mantém-se apenas “bestial” e os oompa loompas deixam de ser “pequenos homens” para serem “pequenas pessoas”, adotando a neutralidade de género.

Estas revisões têm vindo a ser trabalhadas por “leitores sensíveis” de uma organização chamada Inclusive Minds (Mentes Inclusivas, em português), que se diz apaixonada pela diversidade, igualdade e acessibilidade e comprometida em “mudar a face dos livros infantis”.

Apesar das boas intenções, a notícia tem gerado discussão e levado a acusações de censura.

O escritor indiano Salman Rushdie, que já há muito debate assuntos à volta da censura, escreveu no Twitter que  “Roald Dahl não era nenhum santo, mas isto é censura absurda. A Puffin Books e os representantes de Dhal deviam ter vegonha” , disse o autor de "Versículos Satânicos". 

Também Rishi Sunak, primeiro-ministro do Reino Unido, fez questão de se pronunciar e mostrou-se contra a mudança de expressões. "Acho importante que obras de literatura e obras de ficção sejam preservadas e não retocadas. Sempre defendemos o direito de liberdade de expressão”, disse em comunicado.

Em detrimento destas opiniões juntou-se a CEO do Pen Club americano, instituição que advoga a liberdade de expressão, considerando que “a edição seletiva de obras literárias para corresponder a determinadas sensibilidades é uma arma nova e poderosa”. 

No twitter, Suzanne Nossel escreveu que “o problema de mudar clássicos da literatura está no caminho sem fim que essa atitude pode representar e na possibilidade de alterar completamente uma obra”.

Ainda que já fossem de conhecimento público as opiniões de Dhal, a controvérsia em volta do nome do escritor gerou-se sobretudo em 2018, quando o The Guardian noticiou que The Royal Mint, o equivalente à Casa da Moeda em Portugal, rejeitou uma proposta de celebrar os 100 anos do nascimento de Dhal, “associado ao antissemitismo e não pela sua alta reputação”. A decisão foi celebrada pela vice-presidente do quadro de deputados dos Judeus Britânicos, Amanda Bowman. “The Royal Mint esteve absolutamente correto ao rejeitar a ideia de uma moeda comemorativa de Roald Dhal. Ele pode ter sido um grande escritor de livros infantis, mas ele também era racista, isso deve ser lembrado”.

Em Portugal, a Oficina do Livro/ LeYa, que está em permanente contacto com a equipa que gere a obra do autor, "não tem qualquer informação oficial sobre esta mudança" tendo até, recentemente, reeditado algumas das obras "sem directrizes para qualquer alteração dessa natureza". 

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