"As lideranças femininas são muito mais escrutinadas do que as lideranças masculinas”: depois do Brexit, o Finexit? (a Finlândia pós-derrota da "pop star Sanna Marin") - TVI

"As lideranças femininas são muito mais escrutinadas do que as lideranças masculinas”: depois do Brexit, o Finexit? (a Finlândia pós-derrota da "pop star Sanna Marin")

Sanna Marin pede desculpa aos finlandeses depois de sair à noite no mesmo dia em que um ministro testou positivo à covid-19

Sanna Marin perdeu as eleições - e as implicações vão além das fronteiras internas da Finlândia. Atenção União Europeia

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Sanna Marin, a mulher que aos 34 anos ficou conhecida como a chefe de governo mais jovem do mundo, perdeu as eleições legislativas deste domingo na Finlândia para os conservadores. A derrota não surpreendeu alguns analistas, como a investigadora de relações internacionais Helena Ferro Gouveia, que considera que o “estatuto de estrela pop” de que Sanna Marin gozava internacionalmente pode ter contribuído para “a castigar internamente”.

“Era uma derrota esperada. Sanna Marin gozava de um estatuto de ‘estrela pop’ pelas posições muito assertivas que assumiu, sobretudo na guerra da Ucrânia. Mas internamente - e as pessoas votam internamente, não por questões externas - a Finlândia enfrenta questões como o aumento da dívida pública, em virtude do que foi necessário gastar com o combate à covid-19 e à crise energética”, argumenta a investigadora em declarações à CNN Portugal.

O facto de ser uma jovem líder pode ter contribuído “para a sua popularidade internacional” mas também pode ter sido motivo “para a castigar internamente”. “As lideranças femininas acabam por ter esta dupla dimensão, são muito mais escrutinadas do que as lideranças masculinas”, considera Helena Ferro Gouveia. Exemplo desse escrutínio foram as várias polémicas em que a agora ex-primeira-ministra finlandesa esteve envolvida nos últimos meses, como quando surgiram vários vídeos na internet onde aparecia a dançar e a cantar numa festa privada e acabou por ter de fazer um teste de despiste às drogas para comprovar que não estava sob o efeito de estupefacientes.

Os especialistas contactados pela CNN Portugal argumentam que as preocupações dos finlandeses em torno da dívida pública e do aumento do custo de vida, bem como os movimentos migratórios, são terreno fértil para o discurso conservador e nacionalista dos partidos de direita e extrema-direita que saíram vencedores destas eleições, nomeadamente o partido da Coligação Nacional (conservadores), liderado por Petteri Orpo, e o partido dos Finlandeses (extrema-direita, liderado por Riikka Purra).

Nesse sentido, a vitória dos conservadores não surpreende os analistas, como a investigadora em relações internacionais Sónia Sénica, que nota que os partidos da direita e extrema-direita “estão a ganhar capital político em vários governos da Europa”. “Isto reflete uma preocupação dos finlandeses com uma ameaça externa, sobretudo uma ameaça russa”, observa Sónia Sénica, acrescentando que esta preocupação com a segurança interna do país acaba por ser favorável para os conservadores, com um discurso assente no nacionalismo e nas questões domésticas.

Apoio à Ucrânia inalterado mas à UE nem por isso

Ainda assim, as investigadoras acreditam que a vitória dos conservadores não vai ter impacto no apoio à Ucrânia, até porque os próprios finlandeses vivem com receio constante de uma ameaça russa. “Em termos estruturais, não me parece que o apoio à Ucrânia - e até a dinâmica da NATO - vá ser alterado. A Finlândia partilha a maior fronteira com a Federação Russa e o receio de uma ameaça russa está muito presente nos finlandeses”, argumenta Sónica Sénica. Helena Ferro Gouveia diz mesmo que o apoio à Ucrânia é "absolutamente consensual" entre os partidos finlandeses, unidos nesse aspeto pelo receio de que uma eventual ameaça russa cruze a fronteira de 1300 quilómetros que separa os dois países.

Tiago André Lopes, especialista em relações internacionais, lembra que o apoio à Ucrânia não foi sequer "um assunto contencioso" durante estas eleições, prevendo por isso que "não vai haver quaisquer alterações de maior nesse sentido” - nem no apoio à Ucrânia nem na adesão à NATO, assume o especialista, apontando que a entrada da Finlândia na Aliança Atlântica “foi aprovada por todos os partidos que foram a votos”. Logo, “todos estão alinhados no tema da NATO”, sublinha.

Mas há um tema que será “mais divisivo”, antecipa Tiago André Lopes - a permanência da Finlândia na União Europeia (UE). “Isto porque o partido dos Verdadeiros Finlandeses [extrema-direita], que está agora em segundo lugar e que foi o segundo partido que ganhou mais deputados, defende a longo prazo a saída da Finlândia da UE”, argumenta.

No entender daquele partido, “a Finlândia deveria tornar-se autónoma e sair da UE porque Bruxelas tem uma série de regras que, na perspetiva dos Verdadeiros Finlandeses, reduz a competitividade da Finlândia”. Significa isto que podemos estar perante o chamado ‘Finexit’ da UE, admite o professor de relações internacionais e diplomacia.

Os analistas já veem como certo "um endurecimento das políticas de imigração" na Finlândia, sobretudo ao nível do acolhimento de imigrantes e refugiados, sobretudo se o Verdadeiros Finlandeses fizer parte do acordo governamental.  "O Verdadeiros Finlandeses é muito doméstico. Como a maior parte dos partidos da extrema-direita, este é um partido muito centrado nas questões internas, com uma linha dura no que toca à imigração, e aí vai haver um embate com Bruxelas", prevê Tiago André Lopes.

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