O setor da advocacia é um dos mais vulneráveis a problemas relacionados com a saúde mental. Diariamente os advogados lidam com pressões, quer por parte dos clientes ou dos escritórios, quer devido a prazos e exigências do trabalho. E os números são prova disso. Um estudo da Associação de Direito Mental concluiu que mais de um terço dos advogados em Portugal não voltaria a escolher a profissão.
Ou seja, 35% dos participantes no estudo mostraram-se mais insatisfeitos com a sua vida profissional, evidenciando níveis mais elevados de sintomas de depressão, ansiedade e burnout. Por outro lado, os que revelaram estar mais satisfeitos com a sua carreira apresentaram níveis mais baixos de sintomas.
Ainda assim, mais de metade dos inquiridos, cerca de 55%, reconheceu que as exigências e obrigações da sua profissão os privam de participar em atividades familiares. Ou seja, acabam por ter um menor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.
“Nesta linha, cerca de um terço (34%) referiu já ter recebido um diagnóstico de uma perturbação psicológica, com a depressão, a ansiedade e a síndrome de burnout a figurar como as mais mencionadas. Adicionalmente, 36% dos profissionais da área do Direito relataram ter vivido pelo menos um evento negativo com impacto significativo na sua vida nos últimos dois anos, incluindo situações como doenças familiares, desemprego e o impacto da pandemia Covid-19″, lê-se.
Para a psicóloga e investigadora no Laboratório ProChild Marlene Sousa, estes resultados são um “alerta claro” para a necessidade de sensibilização e apoio à saúde mental na advocacia.
“O estudo revela um quadro preocupante e evidencia a importância crucial de implementar estratégias de apoio eficazes, baseadas na evidência empírica, para promover a saúde mental e o bem-estar dos profissionais do Direito”, sublinhou a psicóloga.
Por outro lado, 18% dos participantes revelaram já ter um diagnóstico prévio de alguma doença crónica ou condição médica de longa duração, reportando problemas como hipertensão, hipertiroidismo e doenças autoimunes.
“Os resultados revelam os desafios enfrentados por esta comunidade, incluindo as suas condições psicológicas e de saúde crónicas e eventos negativos recentes, colocando o holofote sobre a urgência de apoio à sua saúde mental”, sublinha a Associação Direito Mental.
Para a diretora executiva da Direito Mental, Raquel Sampaio, este estudo expõe “claramente” o panorama organizacional jurídico e é um “marco importante” no caminho para a promoção da saúde mental dos profissionais de Direito.
“Ao reconhecermos estes desafios, podemos criar um ambiente mais saudável para todos. Queremos sinalizar aos nossos colegas que os ouvimos e demonstrar o nosso compromisso em tomar medidas eficazes para auxiliar quem precisa”, acrescentou.
Recorde-se que em outubro de 2022, João Vieira de Almeida, senior partner da Vieira de Almeida, confessou na série “Labirinto — Conversas sobre Saúde Mental”, uma iniciativa do Observador e da FLAD, que atravessou uma depressão.
O advogado revelou que passou por esta doença há mais de 10 anos e que um dos fatores que a “provocou” foi a sobreposição da vida profissional em relação à pessoal. Foram precisos vários meses para que “sarasse” esta mazela que a profissão lhe provocou e saísse do “buraco negro”, como descreve.