Vão ao psicólogo sem sair “do conforto da própria casa”. Inês, Lara e Luís mostram que é possível cuidar da saúde mental à distância - TVI

Vão ao psicólogo sem sair “do conforto da própria casa”. Inês, Lara e Luís mostram que é possível cuidar da saúde mental à distância

Saúde mental (Freepik)

As consultas online de Psicologia não são uma novidade, mas ganharam destaque durante a pandemia. E se antes eram residuais, agora mais de 90% dos pacientes recorrem ao online

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Há quem nem tire o pijama. Estão em casa, alguns até com os animais domésticos ao colo. Basta um clique e eis que do outro lado do ecrã surge um profissional de Psicologia. Nas consultas online não há o frenesim das viagens de transportes ou de carro ou do estacionamento, nem tão pouco a problemática da distância a que o consultório está, que tanto pode ficar na rua ao lado de casa como a uns largos quilómetros de distância.

“Nunca imaginei ajudar pessoas à distância.” Cláudia Lopes é psicóloga e diretora técnica do PsiOnline, um projeto que fez nascer semanas antes da chegada da pandemia, uma “ideia cá de casa” na qual há algum tempo ia magicando e que “hoje faz todo o sentido”. Recebe pessoas de todo o mundo, sobretudo portugueses que escolheram viver fora do país e que, ainda assim, procuram apoio psicológico na sua língua materna.

“A pandemia trouxe-nos muitas pessoas de fora de Portugal, muito preocupadas com tudo o que estava a acontecer e por estarem completamente isoladas noutros países. Estamos agora a dar resposta aos nossos emigrantes. Termos uma consulta no nosso idioma é diferente de ter noutro, o nosso lado emocional é construído no nosso idioma”, explica Cláudia Lopes, psicóloga há 15 anos.

A barreira física é a primeira a ser quebrada na teleconsulta, uma tendência que a pandemia “veio cimentar muito”, mas que já se notava em crescimento ainda antes da chegada de um vírus que iria confinar o mundo. “O que havia [antes da pandemia] era de alguma forma muito residual, agora não, há muito mais esta realidade”, diz-nos Miguel Ricou, presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos.

Antes da pandemia, 50% das pessoas nunca tinham feito intervenção [psicológica] à distância, 30% faziam-no pontualmente. Agora mais de 90% fazem”, continua o especialista.

Luís Santos tem 32 anos e teve a sua “primeira experiência” com consultas de Psicologia no regime online. A morar em Londres desde 2016, foi na sua tentativa de regresso a Portugal, em plena pandemia, que viu a sua vida virada do avesso e procurou ajuda: na altura tinha trocado a capital inglesa pela Serra da Estrela, uma mudança que, por si só, o inquietou, mas foi a distância entre a sua casa e o gabinete de psicologia mais próximo - “a uns bons 50 quilómetros de distância” - que o fez optar pelo acompanhamento digital.

“Marquei consulta online porque era acessível e por conveniência, podia ser a qualquer hora conforme a disponibilidade do psicólogo, num sítio que me é familiar, que é o conforto da minha casa”, conta.

Para Luís, o “não ter uma pessoa a olhar diretamente” é um dos aspetos que destaca da teleconsulta, mas também a “questão da privacidade”, que conseguiu “jogar com o horário” da sua namorada, para assegurar que estaria em casa sozinho na hora da teleconsulta. “Não dizia nada que ela não soubesse, mas é sempre mais fácil falar quando não estão a ouvir”, admite.

Hoje, Luís já não faz psicoterapia, a última consulta foi em 2021, antes de ter alta, e aconteceu de forma digital e já em Londres, mas ainda com acompanhamento por um profissional aqui em Portugal. “Se tiver de escolher entre as duas, escolherei o online, pela comodidade”, adianta.

Luis Santos viu no online uma forma de fazer frente à distância de mais de 50 quilómetros de sua casa para o consultório. E ainda conseguiu manter o acompanhamento em Londres, onde mora. (DR)

Flexibilidade, comodidade e preço (quase sempre) mais em conta

“A grande vantagem é a logística, a mobilidade, as pessoas estão em grande mobilidade e é fácil aceder a uma consulta online, as pessoas podem ter a consulta onde quer que estejam” e com uma maior facilidade de encaixe na agenda diária, afirma o psicólogo e psicoterapeuta Paulo Melo Lopes, que também dá consultas online.

A psicóloga Cláudia Lopes defende que estar em casa, no quarto ou noutro espaço onde se sente confortável, é uma vantagem que o digital traz como alternativa às quatro paredes de um consultório, para muitos ainda intimidante. Nas suas consultas online, a especialista deixa todos os seus pacientes à vontade e alguns até se ligam à sessão de pijama, “trazem o seu próprio café ou chá, os gatos e cães aparecem”. 

Inês Gil é um desses casos. Depois de ter feito terapia presencial em dois momentos da sua vida, viu agora no online a possibilidade de encaixar mais facilmente as sessões na sua rotina diária. “Como faço de manhã, não vou de pijama completo, mas as calças de pijama estão lá”, conta, divertida. “Como estou em casa, numa secretária, e apenas se vê a cara posso estar mais confortável”, justifica.

É, de certa forma, mais confortável. A outra pessoa não está a olhar diretamente para mim”, diz, embora reconheça que não nota diferença na sua relação com os profissionais, mesmo comparando com as duas vezes em que fez terapia presencial.

Para a psicóloga Cláudia Lopes, que durante muitos anos deu consultas em espaços físicos, “os pacientes dão-nos a conhecer muito mais em primeiras consultas online do que nos gabinetes, em que estão contraídas, encolhidas e escondidas na poltrona”.

A trabalhar em Estudos de Mercado e Meios num modelo híbrido, Inês, de 44 anos, consegue fazer as sessões nos dias em que trabalha a partir de casa, evitando deslocações e restrições de horários. E diz que essa, a par de estar “mais à vontade” por estar em casa, é a grande vantagem do online. “Escolhi [consulta digital] por uma questão de comodidade, é mais ou menos à hora que quero, e como estou a trabalhar em regime híbrido posso fazer nos dias em que estou em casa.”

Se a flexibilidade, a comodidade e o conforto são três dos fatores que tanto profissionais como pacientes apontam como vantagens para as consultas online de Psicologia, o preço não pode ser ignorado - no caso de Inês, por exemplo, diz-nos que paga praticamente o mesmo por uma consulta online, mas apressa-se a dizer que “sai mais barato” pelo simples facto de não ter de se deslocar, seja de transportes ou carro. 

Um dos maiores entraves do acesso a consultas de Psicologia é o preço. A oferta no Serviço Nacional de Saúde é escassa - em três anos foram apenas contratados 90 psicólogos para o SNS, mas são precisos mais, como o próprio ministro da Saúde admite - e o setor privado acaba por ser a única opção, mas com custos por sessão que podem ir dos 30 aos 90 euros. No caso das consultas online, por norma, o custo é inferior e mais variável.

Outra vantagem nos pacientes que nos procuram é o custo, uma consulta online tem um valor diferente. A nossa consulta online é de 38 euros, sendo que a primeira custa 30 euros, para ser uma porta de entrada”, diz Cláudia Lopes.

E até mesmo os grandes hospitais privados já aderiram a esta tendência. Tanto a CUF, como o Hospital da Luz e os Lusíadas têm disponíveis teleconsultas de Psicologia, tal como já acontece com várias especialidades médicas. Na CUF, por exemplo, desde a implementação desta modalidade, em 2020, já foram realizadas perto de 20 mil teleconsultas de Psicologia. As outras duas unidades não partilharam dados com a CNN Portugal.

O conforto da casa e a capacidade de estar mais à vontade são duas das vantagens apresentadas por quem faz terapia online. (Freepik)

É possível compreender o outro pelo ecrã, mas a terapia online não é para todos

Google Meet, Skype, WhatsApp, Zoom, são várias as ferramentas usadas nas teleconsultas de Psicologia, quase sempre a privilegiar a possibilidade de ver o outro, não fosse a linguagem corporal um dos aspetos mais importantes em consulta. Mas o que o rosto expressa é também importante.

“Durante a pandemia e enquanto foi necessário o uso de máscara, [o online] era uma modalidade preferencial, na medida em que em teleconsulta, ou seja, sem uso de máscara, permitia ao clínico ver/conhecer as expressões faciais em maior detalhe e observar melhor as suas reações emocionais e a ativação psicofisiológica. Nessa mesma fase, em consulta presencial (isto é, com o uso obrigatório de máscara), os ganhos que se poderiam pensar obter no contacto direto com a pessoa, não eram, a meu ver, suficientes, comparativamente”, explica Andreia Paiva de Moura, Psicóloga Clínica no Hospital CUF Porto.

Para Paulo Melo Lopes, que se dedica ao acompanhamento online, a questão é simples: “Consegue-se sempre perceber, embora a linguagem corporal não seja tão boa como quando é presencial.” E este é um dos motivos pelos quais o acompanhamento online não é para todos. 

Segundo Miguel Ricou, algumas perturbações “podem de alguma maneira beneficiar” desta modalidade, sobretudo em casos de “ansiedades sociais ou noutras relações de ansiedade, como a agorafobia”. Mas em algumas patologias ou condições emocionais em que é necessário avaliar o corpo como um todo, como pode acontecer com a depressão, o online pode não ser o mais aconselhado - embora haja sempre estratégias a ter em conta: “Podemos pedir à pessoa para se pôr de pé, mostrar, afastar a câmara. há coisas mais evidentes de expressões faciais e gesticulação das mãos, mas se a pessoa tem algo relacionado com uma parte do corpo, porque não pedir para mostrar?”, questiona Cláudia Lopes.

Ainda assim, cada caso deve ser avaliado individualmente, mas a psicóloga Andreia Paiva de Moura refere que há perfis de personalidade em que o modelo online pode não ser o mais indicado, dando o exemplo de “pessoas com perturbações de personalidade mais complexas, de foro esquizotípico”, ou “perfis com traços de personalidade Borderline, antissocial ou narcísica. “E, também, no que toca à intensidade e gravidade da sintomatologia: por exemplo, pessoas com sintomatologia depressiva “major”, por exemplo, em situações de maior risco”, adianta.

Tanto Paulo Melo Lopes como Cláudia Lopes defendem que as patologias mais graves beneficiam de um acompanhamento presencial. “Pessoas com idealização suicida e com um certo tipo de sofrimento que precisam de um corpo, precisam de alguma presença física, que é já de alguma maneira um aspecto terapêutico, mas há situações e situações”, diz o psicólogo.

Também os mais novos beneficiam mais do acompanhamento presencial. “Com as crianças é muito mais difícil fazer online, fazemos, tentamos, é uma porta de entrada [para o acompanhamento psicológico], mas mais tarde percebemos que a criança precisa do toque, muito do acompanhamento é a brincar.Sempre que os podemos trazer para o gabinete, trazemos”, aponta Cláudia Lopes.

Mas, ainda assim, a psicóloga defende que “para alguém que está completamente isolado e não tem acesso geográfico a um psicólogo é sempre melhor o [acompanhamento] online” do que não ter acompanhamento algum. Miguel Ricou partilha da opinião, mas defende que a confiança é determinante para o sucesso de um acompanhamento digital e essa confiança, pela natureza do ser humano, ainda se faz muito com a presença do outro, defendo que o acompanhamento presencial deve ser, por isso, privilegiado. 

A confiança é uma coisa que se sente e quando se sente é muito mais fácil [em consulta] e é fundamental para um processo de intervenção psicológica, é mais fácil construir confiança quando estamos face a face do que quando estamos à distância, temos muitas percepções. Sempre dissemos que há conversas que devemos ter face a face, temos mais confiança, maior controlo das nossas sensações”, explica o presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos.

O organismo, em 2017, lançou o documento Sobre as Consultas de Psicologia através de Videochamada, no qual explica vantagens e desvantagens e dá conselhos a profissionais e pacientes.

Para a psicóloga Andreia Paiva de Moura, que deu a sua primeira consulta online em 2018, o modelo híbrido é o ideal, sendo que as primeiras sessões podem beneficiar da presença física do paciente e do profissional. “Salvaguardando esse início presencial, a intervenção subsequente pode ser online”, salvo algumas exceções.

Manter a proximidade com as raízes

Se há portugueses a morar no estrangeiro que procuram psicoterapia online com profissionais portugueses, Lara Fagundes, de 31 anos, viu no digital a possibilidade de ser acompanhada por uma psicóloga em Rio Grande do Sul, Estado brasileiro de onde é natural. Em Lisboa há vários anos, Lara já fez acompanhamento psicológico por cá e num regime presencial, tendo até sido seguida no centro de saúde, mas a rigidez dos horários no serviço público e o preço das consultas no setor privado fizeram-na optar por uma profissional do outro lado do Atlântico.

A técnica de apoio psicossocial aponta o custo como um dos principais motivos para aderir às consultas digitais, embora admita que, se o seu psicólogo assim entender, que volta ao acompanhamento presencial. “Tive acompanhamento presencial na maior parte do tempo, mas escolhi o online pelo valor, estou a fazer com uma profissional do Brasil e pago em reais”, explica. Mas antes de optar por uma compatriota, sondou os preços praticados por cá e diz que as consultas online são mais baratas, ainda assim “era um valor alto e o plano de saúde não cobre”.

Para Lara Fagundes, o online traz outras vantagens e aponta a flexibilidade como uma delas, seja de horário e agendamento de sessões, mas também de se encontrar com a sua psicóloga quando visita o Rio Grande do Sul. “Posso não estar aqui e estar a viajar e consigo manter a regularidade das sessões”, sublinha.

Além disso, e embora reconheça que a experiência varia sempre de pessoa para pessoa e até de psicólogo para psicólogo, Lara olha para as sessões online como “mais informais”, o que a deixa mais descontraída. “No online acaba sendo menos formal, o que às vezes é positivo”, admite. E quando compara o acompanhamento presencial com o digital, não hesita em dizer que, no seu caso, o online “tem o mesmo impacto".

Lara Fagundes está em Portugal há mais de dez anos, já fez terapia presencial em Portugal, mas viu no online a possibilidade de ser acompanhada por uma profissional do seu país e que a recebe no consultório sempre que visita a família a Rio Grande do Sul, no Brasil. (DR)

Online está a ajudar a quebrar o estigma

Ir a uma consulta de Psicologia é ainda um não assunto para muitas pessoas, até mesmo para quem tem acompanhamento. Fala-se mais e melhor de saúde mental hoje em dia, mas o tema é ainda sussurrado por muitos, escondido por outros. E isso, durante muitos anos (e ainda hoje), serviu de entrave para a procura de ajuda e aconselhamento. “As pessoas têm de imaginar que vão entrar num prédio, caminhar em direção a um sítio com uma placa que os vai denunciar, estar na sala de espera”, diz Cláudia Lopes, que reconhece que o online vem quebrar esse entrave. “Aqui [no online], ninguém precisa de saber com quem vão fazer.”

Para aumentar a facilidade de acesso e, sobretudo, quebrar o estigma existente, o próprio SNS tem aconselhamento psicológico por telefone, sistema criado em plena pandemia. A Linha de Aconselhamento Psicológico do SNS 24, criada em abril de 2020, atendeu até aos dias de hoje “cerca de 229 mil” chamadas, das quais “perto de 16 mil foram feitas por profissionais de saúde”, segundo os dados facultados pelo SPMS – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. 

Mas, ao contrário das consultas de psicologia e psicoterapia online, este serviço serve, sobretudo, para momentos de urgência. Ainda assim, dizem os especialistas, é uma ferramenta útil, sobretudo para quem iria retrair-se em ir a um consultório a mostrar o rosto numa consulta online.

O psicólogo Paulo Melo Lopes, que exerce Psicologia há quase 30 anos, não tem dúvidas de que “a barreira está a quebrar-se” e que hoje “as pessoas como estão mais informadas com a questão da saúde mental, já não é um assunto obscuro e sobre o qual falam em silêncio”. 

Para o especialista, o online veio ajudar as pessoas a procurarem “de forma bastante desempoeirada serviços ligados à saúde mental”, pois não há a exposição que outrora foi necessária.

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