Numa altura em que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) enfrenta um dos momentos mais críticos desde a sua fundação, a crise política agora instalada pode tornar o cenário ainda mais catastrófico. A CNN Portugal contactou vários profissionais de saúde e a maioria entende que este pode ser um momento de viragem política.
“Ir a eleições permitiria duas coisas: ter tempo para pensar e ter tempo para ouvir os intervenientes, envolver os médicos e outros profissionais de saúde. Sem envolvimento das pessoas no terreno não temos SNS”, começa por dizer Filipe Froes, pneumologista e diretor do Serviço de Cuidados Intensivos do Hospital Pulido Valente, que defende que esta pode ser uma oportunidade para “dar legitimidade a uma nova solução, uma solução para o SNS”.
Embora reconheça que uma ida às urnas poderá colocar o setor público da saúde em stand-by por algumas semanas, o médico considera que “pior do que [o SNS] está não acredito que fique, até porque a partir de janeiro a recusa a horas extraordinárias acaba”, além de que, com uma ida às urnas, considera que “esta questão terá de ser equacionada”, podendo fazer sentido os médicos colocarem em pausa a sua reinvindicação, algo que o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) já disse que fará: caso haja eleições legislativas, a greve nos cuidados de saúde primários será desconvocada.
“O secretário-geral do SIM tem pouca veia de comentador político, sabemos que um governo que teve no poder oito anos e arrastou as negociações com os médicos por 18 meses perdeu uma oportunidade de ouro para ultrapassar os constrangimentos no SNS”, atira Jorge Roque da Cunha, que não quis dar uma resposta taxativa sobre qual dos dois cenários considera mais vantajoso para o setor público da saúde em plena crise política, mesmo depois de o Ministério da Saúde ter cancelado a reunião com os sindicatos médicos.
A porta-voz do movimento Médicos em Luta - que conta já com mais de 2.500 pedidos de recusa à realização de mais horas extraordinárias, o que tem causado vários constrangimentos nos hospitais portugueses - assegura que a luta dos clínicos se vai manter, independentemente da decisão do Presidente da República, mas Susana Costa considera que “é provável” que “ir a eleições permitisse a discussão sobre o que são as propostas dos partidos para o SNS e isso é positivo”, porém, considera que esse cenário “atrasaria ainda mais o impasse que vivemos e urge um entendimento”.
Já a bastonária da Ordem dos Enfermeiros é taxativa na sua resposta: “Ir a eleições”. Em declarações à CNN Portugal, Ana Rita Cavaco acusa este “governo de maioria absoluta” de ter tido “todas as condições para as reformas necessárias, mas não o fez”.
“É positivo que possam vir outras pessoas com olhar diferente e outras soluções para que possamos resolver outros problemas no SNS e que tem a ver, sobretudo, com questões organizacionais”, afirma a enfermeira.
Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos, diz que o organismo não tem uma posição formal sobre o assunto, mas considera que haver uma “clarificação com eleições é o mais interessante, para haver estabilidade e menos suspeição”. “O SNS precisa de estabilidade”, vinca.
O bastonário da Ordem dos Médicos não hesita em dizer que “qualquer um dos cenários é um mau cenário, mas o que tínhamos antes também não era bom, os problemas não estavam a ser resolvidos”. Da mesma opinião é Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, que diz que “nenhuma hipótese é favorável, nenhuma resolve o problema”, pois “há vantagens e desvantagens” na nomeação de um(a) novo(a) primeiro(a)-ministro(a) ou na ida às urnas, mas apressa-se a dizer que ambos cenários colocam o Serviço Nacional de Saúde e as condições dos seus profissionais em stand-by.
“Se houver eleições poderá haver um novo elenco governativo na área da saúde que pode trazer um novo alento a essas conversações [com médicos], mas isto tem o seu tempo, só no primeiro trimestre teríamos um retomar das negociações, o que deixaria a saúde num impasse por mais um tempo. Manter um governo do PS poderia fazer com que o governo não mudasse assim tanto e as conversas pudessem retomar, mas estamos já numa fase de confrontação significativa e manter o elenco governativo poderá deixar algumas dificuldades. Nenhuma das soluções é vantajosa”, vinca o especialista em saúde pública.
O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Hélder Mota Filipe, diz que “uma opção ou outra é igualmente difícil nesta fase”, embora reconheça que “haveria vantagens se esta equipa ministerial se mantivesse”.
A favor da manutenção de um governo socialista está António Sarmento, diretor do Serviço de Infecciologia do Hospital São João. “Acho que seria um desastre dissolver a Assembleia, não apenas para a saúde, mas para o país. Vamos estar parados durante meses. No fundo este PS foi eleito por maioria e não acabou o mandato, deve-se rapidamente propor um primeiro-ministro e que exerça funções imediatamente”, diz-nos por telefone, deixando claro que não é “filiado em nenhum partido nem próximo de nenhum partido”.
Para Francisco Miranda Rodrigues, bastonário da Ordem dos Psicólogos, mais do que ir a eleições ou eleger um novo representante do governo, a aprovação de um Orçamento do Estado para o próximo ano é o mais importante. “Era desejável ter os instrumentos necessários para que os processos em curso não fossem interrompidos, fossem concluídos, como o Orçamento do Estado, sem prejuízo o que um novo governo possa decidir por um novo Orçamento do Estado. Era muito importante que mais uma vez não se interrompesse tudo”.
Da parte dos sindicatos médicos, tanto a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) como o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) não disseram à CNN Portugal o que consideram ser mais vantajoso para o SNS, apenas vincaram que a luta pela melhoria das condições dos profissionais irá continuar.
“Mantemos a nossa agenda, vamos continuar a lutar pelos médicos e pelo SNS, que está como está devido às más políticas deste e de outros governos. Mantemos a nossa ida a Bruxelas para a semana, vamos levar as soluções que a FNAM tem para os médicos e que são um pilar para o SNS”, diz Joana Bordalo e Sá, presidente da FNAM.