Setúbal. Russos investigados no acolhimento de ucranianos foram intermediários do Patriarcado de Moscovo - TVI

Setúbal. Russos investigados no acolhimento de ucranianos foram intermediários do Patriarcado de Moscovo

  • Henrique Magalhães Claudino
  • Notícia corrigida às 14:09 para indicar que a Comissão Eventual de Fiscalização da Conduta da Câmara de Setúbal é presidida pelo deputado Flávio Lança, da Iniciativa Liberal.
  • 19 jan 2023, 07:00
Igor Khashin em representação do Conselho Coordenador de Compatriotas Russos em Portugal

Oito meses depois, há mais uma pista no caso polémico do acolhimento de refugiados ucranianos em Setúbal. Comissão interna da autarquia descobriu novos factos que mostram uma relação próxima de Igor e Yulia Khashin a Moscovo

A associação pró-russa que está no centro da investigação do Ministério Público por ter tido acesso a dados de refugiados ucranianos em Setúbal terá sido o elo de ligação no plano da Igreja Ortodoxa da Rússia para criar um local de culto no município. 

Esta é uma das pistas que a comissão interna da autarquia que foi encarregue de investigar o caso conseguiu apurar durante oito meses de audições. Audições estas que, segundo fontes internas, têm também fortalecido a tese de que a liderança comunista possa ter facilitado a introdução desta associação russa no município. 

Agora, o novo passo na investigação passa por chamar a antiga presidente da Câmara Municipal de Setúbal que, durante as audições, foi identificada como a personagem-chave para entender como é que a associação Edinstvo ganhou tanta relevância dentro da autarquia e não a perdeu quando a Rússia invadiu a Ucrânia. "Durante o trabalho que foi realizado, já foi possível perceber que a origem da colaboração entre a Edinstvo e a Câmara ocorreu durante o mandato de Maria das Dores Meira”, adiantou à CNN Portugal Nuno Carvalho, deputado do PSD que integra a Comissão Eventual de Fiscalização da Conduta da Câmara de Setúbal, criada em maio de 2022, para apurar o que permitiu que fosse uma organização russa a acolher ucranianos que estavam a fugir da guerra. 

É esta ligação entre a autarquia e a associação russa que os elementos da comissão querem descodificar .“Temos de perceber como é que a instituição tinha tanta credibilidade e qual foi o critério do protocolo que os levou a acolher refugiados ucranianos”, afirma Nuno Carvalho.

“Estamos a falar de uma associação que, com as notícias que surgiram e as buscas da Polícia Judiciária, leva-nos a questionar como é que as instituições depositaram tanta confiança nela”, afirma à CNN Portugal, sublinhando que essas questões só podem ser respondidas quando se perceber “quem é que ajudou a organização a ter um perfil quase institucional” na Câmara de Setúbal.

A Edinstvo, uma organização liderada por russos, começou a colaborar com a Câmara Municipal de Setúbal em 2005 e quando se iniciou a guerra da Ucrânia foi essa mesma entidade que a autarquia permitiu que recebesse 160 refugiados ucranianos e tentasse recolher informações pessoais, incluindo o paradeiro de familiares que tinham ficado no pais a combater.    

Igor e Yulia Khashin, o casal de russos que dirige Associação Edinstvo, foram já ouvidos, tendo garantido que só tiveram a função de traduzir o que diziam os refugiados à chegada. Quanto aos dados pessoais sobres os ucranianos que terão sido recolhidos, alegaram que tal apenas foi feito apenas pelos serviços da autarquia.

As investigações já permitiram, no entanto, concluir que Igor Khashin teve um papel relevante para a Rússia aquando da tentativa de construção de uma igreja ortodoxa em Setúbal há seis anos, explicou Nuno Carvalho, acrescentando que eles foram os intermediários do Patriarcado Russo para este plano. Uma informação que foi considerada relevante para a investigação por mostrar que a associação tinha um papel de elevada proximidade com a Rússia ao mesmo tempo que colaborava de diferentes formas com a autarquia.

Esta comissão, criada a 20 de maio de 2022, tinha um prazo máximo de 60 dias para apresentar resultados, mas pediu um prolongamento do tempo para ouvir todos os intervenientes no acolhimento de refugiados ucranianos, o que foi autorizado. É presidida atualmente pelo deputado Flávio Lança, da Iniciativa Liberal.

Guerra entre associações continua

Passados oito meses, Igor e Yulia Khashin continuam à frente da associação Edinstvo que fundaram em 2002, mas a atividade de vários anos que têm desenvolvido com a Câmara de Setúbal estará suspensa desde o início da polémica. A associação continua ativa, mas o próprio telefone que consta na sua página oficial está desativado.

Apesar disso e das suspeitas de ligação ao regime de Putin, a associação ainda consta de um colégio eleitoral composto por várias associações responsável por eleger um representante da comunidade ucraniana num órgão do Governo chamado Conselho para as Migrações. Esta situação e o facto de este ano decorrerem eleições para esse órgão, levou, aliás, duas associações que o integram a enviar uma carta ao Alto Comissariado para as Migrações a queixarem-se da presença da Edinstvo.

Na carta, a que a CNN Portugal teve acesso, alegam que a associação "representa a cultura e a ideologia política russa" e dizem que, por isso, não devia participar nesta eleição.

No documento, a Associação dos Ucranianos em Portugal e a MCUP - Movimento Cristãos Ucranianos em Portugal afirmam ainda que a presença da associação de Igor e Yulia "contraria uma das principais missões" do Alto Comissariado para as Migrações, "que é a de combater todas as formas de discriminação em função da cor, nacionalidade, origem étnica ou religião".

“Este ano, depois de todos este escândalos, estamos a marcar um encontro com Alto Comissariado para as Migrações para questionar se a Edinstvo fará parte das eleições este ano”, acrescenta Pavlo Sadhoka, da Associação dos Ucranianos em Portugal.

Entretanto, a CNN Portugal sabe que vários dos refugiados ucranianos que chegaram a Setúbal tendo sido recebidos pela associação Edinstvo foram acolhidos não só no município, mas também por famílias no Algarve e na região Centro. Contactada pela CNN Portugal, a autarquia recusou-se a dar mais detalhes sobre esta informação, alegando que não se deve pronunciar por o processo estar sob investigação do Ministério Público.

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