São saudáveis, o "bicho" apanhou-os, já se foi embora, mas ficaram alguns sintomas. Diana Oliveira, de 37 anos, o marido e os filhos, duas crianças, tiveram covid-19 antes do Natal. A família inteira foi apanhada por um surto na escola do filho mais velho, de nove anos. Enquanto estiveram em isolamento, sentiram muitas dores de cabeça e no corpo. Também perderam o apetite e tiveram febres altas, mas vários sintomas ainda se mantêm.
“Tivemos alta no dia do Natal e, entretanto, voltámos ao trabalho. Não consegui ainda ir ao médico, mas quero rapidamente fazer análises e exames porque mantemos alguns sintomas, não estamos, de todo, normais”, contou à CNN Portugal. Ela e o companheiro sofrem de muitas insónias, que não existiam antes de estarem infetados com covid-19.
Pai e filho fazem desporto regularmente, no casal não há fumadores e nenhum tem qualquer patologia associada. Diana Oliveira e o marido ainda não foram ao médico após a alta médica, mas lá em casa estão todos preocupados com os sintomas da doença que ainda sentem.
“As dores de cabeça não me largam. Não são fortes, mas são constantes, e sinto-me sempre meio confusa, não mantenho a minha concentração. O meu marido não tem dores, mas sofre com tonturas", descreveu. Apesar de não sofrer dificuldades respiratórias, sente-se também mais cansada quando fala e quando caminha.
Entre todos os sintomas da covid-19 que ficaram, há um que a preocupa ainda mais: a menstruação. O ciclo menstrual começou no dia em que soube estar infetada, mas só durou um dia. "Só tive um dia de menstruação, o resto do ciclo desapareceu", explicou. Não é um caso isolado.
Fernando Cirurgião, diretor do serviço de ginecologia e obstetrícia do Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa, explica à CNN Portugal que, inicialmente, a infeção por covid e a vacinação não estavam a ser associadas a possíveis alterações no padrão menstrual, mas mais tarde foram registadas alterações de relevo.
“Estão a acontecer fluxos mais abundantes, fluxos ausentes, atrasos menstruais. Há também algumas coisas menos comuns - e que podem pregar alguns sustos -, como as hemorragias na pós-menopausa”, explica o médico, para quem todas estas manifestações do corpo são respostas ao processo inflamatório causado pelo vírus Sars-COV-2.
Também Luís Ferreira Vicente, ginecologista e obstetra revelou à CNN Portugal que existem várias pacientes suas com irregularidades nos ciclos menstruais depois de terem tido covid-19, mas são situações que se revertem naturalmente.
Ambos os especialistas reforçaram que estas alterações são, do que se conhece até ao momento, transitórias, pelo que os seus ciclos menstruais não deverão demorar mais do que dois a três meses a ficarem regularizados.
"Não havendo alterações às hormonas relacionadas com a ovulação, a questão da fertilidade, por exemplo, não será uma preocupação, não estará em causa”, acredita Luís Ferreira Vicente, adiantando ainda que, no que diz respeito às grávidas, a anterior estirpe (Delta) “afetava mais” a evolução fetal do que a Ómicron.
Sofia Franco, de 40 anos, saiu esta quinta-feira do isolamento. Grávida de 20 semanas, tem mais quatro crianças, uma logística já por si difícil de gerir quando soube que estava infetada.
"Tive todos os sintomas: tosse, dor de cabeça, dor de garganta, dor de ouvidos. Muito cansaço e isso, enquanto grávida, ainda nos deixa mais preocupadas com o bem-estar do bebé", explica Sofia. Apesar de já ter testado negativo ao vírus, só o simples ato de falar ainda a deixa ofegante. A tosse ainda não desapareceu por completo, mas o cansaço é o que mais a preocupa.
"Ficar ofegante deixa-me mais preocupada, mas tenho um medidor de oxigénio, o que me permitiu sempre estar descansada sobre os níveis de oxigénio e deste estar a chegar ao bebé", conta. Além destes cuidados, durante todo o processo de isolamento, a gestante nunca deixou de ser acompanhada pelo obstetra que já a seguia, tendo chegado a ir às urgências quando soube estar infetada.
Sandra Sousa Marques, internista especialista em sono na clínica Lusíadas de Almada, explicou à CNN Portugal que há muitos relatos de "pós-sintomas" entre os pacientes covid que tiveram a doença, tenha sido mais ou menos sintomática e com menor ou maior gravidade.
“O tempo vai ajudando a perceber os quadros da long covid, em que as pessoas já não têm a doença, mas esta ainda vai perpetuando a sintomatologia em relação à situação infecciosa inicial”, explica a especialista.
Sandra Sousa Marques indica que as dores de cabeça e as perturbações do sono são as queixas que mais recebe em consultório. Também a irritabilidade, a ansiedade e as alterações de humor têm sido alguns dos sintomas relatados pelos doentes covid no processo de recuperação da doença, já após a alta-médica, isto é, com teste negativo ao vírus e findo o período de isolamento.
“Já estou melhor da covid mas mantenho dificuldade no raciocínio ou dificuldade no multitasking. Estas são muitas das informações que nos são dadas”, explica a clínica.
O cansaço é uma das queixas mais frequentes. Júlio André, de 29 anos, esteve infetado em outubro. Fumador, ainda hoje sente que a forma física não recuperou e que se cansa ao subir um vão de escadas. E queixa-se que também no trabalho não voltou a ser o mesmo.
“Tenho dificuldade em trabalhar. Sinto-me limitado no meu processamento mental, no meu raciocínio, desde que tive covid”, revela.
O mesmo se passa com Maria José, de 46 anos, que nunca mais recuperou do cansaço, mas também das dores de cabeça que marcaram o período de isolamento em que esteve infetada. "Sempre fui saudável, nunca tive problemas de maior. Quando estive infetada, senti dores de cabeça e algumas dores no corpo, agora está a ser pior", relata. E sente-se cansada quando mantém uma conversa mais longa, uma queixa comum entre os vários casos de infetados.
Apesar dos vários quadros clínicos com que se tem deparado, a especialista em sono da clínica dos Lusíadas de Almada, Sandra Sousa Marques, revela que são situações reversíveis, dependendo do empenho do paciente e adiantou que estes sintomas costumam manter-se até aos primeiros seis meses após a infeção.
“Os doentes vão melhorando, uns de uma forma muito lenta, outros de forma mais ágil, mas depende muito do empenho no processo da cura”, afirmou, exemplificando que é necessário que os pacientes se “obriguem” a descansar o suficiente, assim como a terem uma alimentação mais equilibrada e a fazerem algum exercício físico.
“Quando damos capacidade ao nosso organismo para o ajudar a regredir este quadro, há efetivamente uma regressão da patologia. Isso faz-se trabalhando os pilares da saúde. Há doentes que ficam totalmente bem”, disse a especialista, que concluiu que há quem combata as dores de cabeça através do recurso constante a medicação, o que não levará à solução desejada: a cura.
Os efeitos pós-covid nas crianças
Num estudo levado a cabo por uma equipa liderada por Caldas Afonso, pediatra e diretor do Centro Materno-infantil do Norte, com uma amostra de 270 crianças com long covid, isto é, crianças que mantiveram os sintomas após 12 semanas da infeção.
As crianças acompanhadas neste estudo não foram sujeitas a internamento, mas estiveram a ser acompanhadas durante cerca de seis meses.
A tosse persistente e as alterações de comportamentos do sono são as queixas que os médicos mais têm recebido neste período e também as que os preocupam mais.
“Houve mudanças que não deixam de ser preocupantes. A tosse persistente, as alterações do sono, a fadiga, a ansiedade, alguma depressão. Situações em crianças previamente saudáveis e que desenvolveram estas comorbidades”, adianta Caldas Afonso à CNN Portugal.
O pediatra aproveitou ainda para reforçar a importância de vacinar as crianças contra o vírus, lembrando que todas as crianças que foram internadas nos últimos 15 dias com covid-19 não estão inoculadas contra o vírus.
“Até aos 10 anos, as crianças recebem, e bem, várias vacinas. O rigor e metodologia desta vacina não é diferente das outras”, explica Caldas Afonso.
De lembrar que as escolas registaram mais de sete mil casos de covid-19 ao longo do primeiro período escolar, menos de metade dos registados no ano anterior, anunciou esta sexta-feira o Ministério da Educação. Em igual período de 2020, tinham sido identificados cerca de 16.000 infetados. Só em dezembro, num universo de mais de 55 mil turmas, havia "menos de 500 turmas em isolamento", quando no período homólogo havia "mais de 700".