"O SIS não é um órgão de polícia". Afinal, o que fazem os serviços secretos portugueses? - TVI

"O SIS não é um órgão de polícia". Afinal, o que fazem os serviços secretos portugueses?

Foram utilizados para recuperar um computador que pertencia a um adjunto que foi despedido e causou uma nova crise no Governo. Mas quais são os poderes dos espiões portugueses?

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O caso da TAP voltou a causar problemas ao Governo, com a polémica demissão do ex-adjunto do ministro das Infraestruturas, João Galamba, que envolveu as secretas e a Polícia Judiciária para recuperar um computador que teria informação classificada. Especialistas acreditam que o envolvimento do Sistema de Informações e Segurança (SIS) na recuperação de um portátil do Estado foi muito além das suas competências, já o Conselho que fiscaliza os espiões portugueses diz que o SIS agiu "de imediato e por sua própria iniciativa", no sentido da "obtenção da informação necessária ao cumprimento da sua missão de fiscalização".

Afinal, o que é que o SIS pode fazer?

O SIS, criado em 1986, é responsável pela recolha e análise de informações de forma a garantir a segurança nacional e prevenir atos de sabotagem, terrorismo ou espionagem que coloquem em causa o Estado de Direito. Devido ao passado das secretas ligado à ditadura, o SIS tem as suas capacidades bastante limitadas quando comparado com as restantes agências europeias.

A recolha de informações pode ter origem de várias fontes. O SIS pode obter informações de fontes humanas, de meios técnicos, como a vigilância eletrónica, a monitorização de comunicações, bem como através da partilha de informações com serviços de informações estrangeiros com os quais Portugal tem acordos de cooperação.

Com base na análise das informações obtidas, as secretas portuguesas analisam e avaliam o risco que determinadas ameaças possam representar para o país. Caso seja necessário, é possível que esta agência tome medidas para atuar preventivamente em colaboração com outras instituições de segurança, como a Polícia Judiciária ou a Guarda Nacional Republicana, de forma a proteger a segurança do país.

O que é que o SIS não pode fazer?

O SIS não tem poder para fazer detenções ou conduzir investigações criminais. Esta função é da responsabilidade da Polícia Judiciária e de outras polícias. Segundo a lei-quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, os agentes do SIS “não podem exercer poderes, praticar atos ou desenvolver atividades do âmbito ou competência específica dos tribunais ou das entidades com funções policiais”.

Além disso, as secretas não podem conduzir ações de vigilância indiscriminada sem a devida autorização judicial e, para os especialistas, é isso que está em causa no caso que envolveu a participação do SIS na recuperação do computador de um adjunto do ministro das Infraestruturas.

“Pelo que eu conheço da lei-quadro que regula os serviços de informações, nunca pensei que se fosse fazer apelo à intervenção do SIS para recuperar um computador, mesmo que tivesse documentos classificados. O SIS não é um órgão de polícia”, afirmou à CNN Portugal António Rodrigues, antigo membro do Conselho de Fiscalização do SIRP.

O SIS é, exclusivamente, uma agência focada nas informações internas e não tem autorização para conduzir operações de recolha e análise de informações no estrangeiro sem autorização. Essas funções pertencem aos Serviços de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e aos Serviço de Informações e Segurança Militar (SISM).

Quem manda no SIS?

O SIS é um serviço público que se integra no Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) e depende diretamente do primeiro-ministro. O diretor da agência é nomeado pelo primeiro-ministro, depois de ouvida a opinião do secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP). Atualmente, o SIS é liderado por Adélio Neiva da Cruz, nomeado pelo então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, em 2014.

Tanto o SIS como o SIED são coordenados pelo Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), uma estrutura que responde diretamente ao primeiro-ministro. Em 2017, António Costa indigitou a embaixadora Maria da Graça Mira Gomes para liderar esta estrutura que conduz “atividade de inspeção, superintendência e coordenação” das secretas. Cabe também à chefia do SIRP a gestão de recursos humanos, orçamentos do SIS e SIED, segurança das operações e toda a estratégia definida para os espiões.

No entanto, o SIS também está sujeito à supervisão de órgãos independentes que são responsáveis por garantir que a agência está a agir segundo a lei. Esses órgãos incluem o Conselho de Fiscalização do SIRP, cujos membros são eleitos pela Assembleia da República, que é responsável por fiscalizar a atividade do SIS, e o Tribunal Constitucional, que pode analisar a constitucionalidade das atividades do SIS, se solicitado.

O Governo pode dar ordens diretas ao SIS?

Não, o Governo português não pode dar ordens diretas a atividades específicas do SIS. O papel do executivo em relação ao SIS é definir as políticas de segurança nacional e estratégias para a proteção do país e o SIS é responsável por recolher e analisar informações relevantes para apoiar essas políticas, apresentando relatórios detalhados com as informações obtidas.

No entanto, o Governo tem a capacidade de nomear o diretor-geral do SIS, que é responsável pela gestão da agência. Embora este deva informar o primeiro-ministro das atividades do SIS, não está sujeito a ordem diretas do mesmo.

Quais as diferenças entre o SIS e os outros serviços de informações?

As principais diferenças entre o SIS e os outros serviços de informações estão na sua missão e no seu foco. Enquanto o SIS se foca principalmente em detetar, recolher e analisar informações sobre potenciais ameaças à segurança interna do país, como o terrorismo ou o crime organizado, o SIED canaliza as suas ações para questões de segurança externa. Estas ações podem focar-se em questões militares, diplomáticas ou estratégicas para Portugal.

Existe também o Centro de Informações e Segurança Militares (CISMIL), responsável por identificar ameaças e riscos à segurança militar e à defesa nacional, bem como fornecer informações úteis para a tomada de decisões em questões militares. Em 2017, o Estado Maior General das Forças Armadas e o SIRP assinaram um compromisso para "aprofundar a cooperação operacional entre o EMGFA e o SIRP quer ao nível da partilha de dados e de informações quer ao nível da formação, nomeadamente da formação académica e profissional, incluindo a partilha de conhecimentos técnicos especializados", que veio criar uma ligação institucional para o relacionamento entre o SIRP e a CISMIL, aumentando a cooperação entre as duas agências.

O que fazem os espiões do SIS?

Os agentes dos serviços secretos portugueses têm como missão recolher informações que possam ser relevantes para a segurança nacional. Para isso, os espiões conduzem operações de recolha de informações. As principais áreas de atuação são o contraterrorismo, a contraespionagem, análise de riscos e segurança informacional. Uma das principais formas de recolha de informações é o OSINT (Open Source Intelligence), que se foca na análise de fontes abertas como as redes sociais e é um dos dois métodos de recolha de informações mais usados pelos espiões.

Uma parte significativa do trabalho de espionagem ainda é feita através de fontes humanas, o chamado HUMINT (Human Intelligence), com infiltração e vigilância, embora nos últimos anos a capacidade de vigilância eletrónica, o SIGINT (Signal Intelligence) tenha vindo a ganhar uma maior importância. Escutas, gravações de vídeo e áudio, interceção de comunicações na internet, bem como a análise de imagens de satélite, o GEOSINT (Geospatial Intelligence), são alguns dos métodos ao dispor dos agentes. Além disso, o SIS trabalha em colaboração com algumas das maiores agências de informações mundiais, com quem partilha e recebe informações sensíveis.

Além disso, devem elaborar relatórios de análise às informações obtidas, propondo soluções para neutralizar as ameaças encontradas.

O que pode acontecer se cometerem atos ilegais?

Apesar de trabalharem com informações altamente confidenciais, a sua atuação é supervisionada pelo Conselho de Fiscalização do SIRP. Se um agente do SIS for considerado responsável por um ato ilegal, ele pode ser punido com medidas disciplinares, que podem variar entre a advertência, suspensão ou até mesmo demissão, dependendo da gravidade. Além disso, o agente pode mesmo ser processado criminalmente pelas autoridades competentes.

Recorde-se que, em 2018, o agente do SIS Frederico Carvalhão Gil foi condenado a sete anos de prisão por espionagem, violação do segredo de Estado e de corrupção ativa e passiva, por passar informações sensíveis a um agente russo do Serviço Externo da Federação Russa (SVR) a troco de dinheiro. O espião foi detido em Roma, onde se tinha encontrado com o espião russo pela terceira vez.

Segundo o acórdão, na casa de Carvalhão Gil foram ainda encontrados 262 documentos classificados com a inscrição "NATO Restricted", cinco "confidenciais" e um documento com a definição de "reservado”.

Que tipo de informações o SIS recolhe?

Hoje as áreas consideradas críticas para a estabilidade do Estado português são muito mais vastas do que antigamente. No passado, espiões portugueses focavam a sua atenção nas ameaças à segurança interna e externa, como o terrorismo, espionagem, sabotagem e tráfico de drogas ou de armas, bem como de grupos que podem representar uma ameaça para o país. Hoje, a área de atuação dos agentes secretos portugueses vai mais longe, com a procura de informações sobre atividade empresarial em Portugal e no mundo, que possam afetar a economia portuguesa, bem como trabalhar na sombra para garantir que o país tem acesso a fontes seguras de energia em diversos cenários.

“Hoje os nossos espiões têm de procurar defender os interesses económicos do Estado português de diversas formas. Uma delas, pegando no exemplo recente da invasão russa, é garantindo que o país tem fontes seguras e baratas de energia. Isso é uma atividade que é desenvolvida numa forma discreta por parte dos serviços de inteligência”, afirma à CNN Portugal o professor Jorge Bacelar Gouveia, presidente do OSCOT.

De que ferramentas dispõem os espiões do SIS?

Alguns especialistas queixam-se de que o orçamento disponível para os serviços secretos é insuficiente. De acordo com o Orçamento do Estado para 2023, os serviços secretos portugueses têm previstos 37,9 milhões de euros para suportar encargos, dos quais 6,5 milhões foram para remunerações, prémios com pessoal e subsídios. Além dos gastos com pessoal, um dos principais custos dos serviços secretos portugueses é o arrendamento dos espaços de onde operam. Em 2023, o SIRP tinha orçamentado mais de 2,2 milhões para o arrendamento de instalações.

Embora os especialistas sublinhem a qualidade dos agentes portugueses e que estes fazem “muito com pouco”, o Orçamento do Estado levanta questões acerca da capacidade tecnológica destes organismos em fazer frente às ameaças mais emergentes, como os ciberataques e a utilização de inteligência artificial. Em comparação com os parceiros portugueses, os valores gastos nos serviços secretos estão muito abaixo do que é prática corrente. Em Espanha, o orçamento para as secretas ronda os 300 milhões de euros anuais, ao passo que em França esse valor atingiu os 880 milhões em 2021. Mas mesmo países de menor dimensão, como a Letónia, por exemplo, investiram 132 milhões de euros nos serviços de informação só em 2021.

“A boa vontade e a dedicação dos agentes dos nossos serviços secretos são impressionantes. O problema é que faltam os meios. Não têm aqueles que podiam ou deviam ter. A vontade não chega, temos de atribuir mais capacidades aos nossos serviços secretos para combaterem este número cada vez maior de ameaças”, afirmou o criminalista e professor universitário José Manuel Anes.

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