Danos de milhões de euros. Milhares de casas reduzidas a escombros. Qual o impacto de um sismo de grande dimensão em Portugal? Veja as imagens do que poderia acontecer - TVI

Danos de milhões de euros. Milhares de casas reduzidas a escombros. Qual o impacto de um sismo de grande dimensão em Portugal? Veja as imagens do que poderia acontecer

Sismo

Investigadores modelaram diferentes cenários de catástrofe em Portugal e lançam um alerta: não é preciso vivermos um terramoto de 1755 para que o impacto humano e económico seja profundo

Um terramoto como aquele que fustigou o país em 1755 não está no horizonte, mas investigadores em sismologia acreditam que mesmo um sismo de dimensão média terá capacidade para paralisar a sociedade, a economia e infraestruturas críticas, como hospitais.

Tendemos a utilizar o “cisne negro” de 1755 quando abordamos o risco que existe em diversos territórios de Portugal, mas cientistas da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica apelam a um olhar diferente. Fenómenos como o sismo de 1909 em Benavente, considerado o mais devastador no Século XX em Portugal Continental e com uma magnitude estimada de 6,7, podem ajudar a perceber como a nossa realidade poderia ser distorcida perante uma catástrofe natural.

De facto, argumenta o professor jubilado Carlos Sousa Oliveira, um sismo como o de Benevente, se ocorresse hoje, “era capaz de causar danos idênticos ao bolo do Plano de Recuperação e Resiliência Português”. Perto de 16,6 mil milhões de euros.

Uma Ponte Vasco da Gama custa, a preços de hoje, à volta de 1.300 milhões de euros. Estudos mostram-nos que um sismo destes podia provocar custos totais à volta de dez Pontes Vasco Gama”, refere, sublinhando que os danos ficarão concentrados na Área Metropolitana de Lisboa e podem ascender aos 13 mil milhões de euros.

Distinguido em setembro pela Associação Europeia de Engenharia Sísmica, Carlos Sousa Oliveira calcula que, para um sismo com uma magnitude entre 6,3 e 6,7 em Lisboa e Vale do Tejo, o número de vítimas pode ascender aos dois milhares.

Para além disso, seria provável que dezenas de edifícios pudessem vir a colapsar. O especialista aponta para quarenta ou cinquenta, mas o número poderia escalar consoante o estado de conservação da infraestrutura. “Uma coisa é certa. O sismo vai à procura dos edifícios em pior estado”, assevera.

Só 15% das casas em Lisboa sobreviveriam a um sismo de magnitude 6,5

No âmbito do projeto europeu KnowRISK, em 2018, foi determinado um cenário de um sismo de magnitude 6,5 com epicentro a 15 quilómetros da capital. 

Os investigadores do Instituto Superior Técnico calcularam, através do Quake IST - um simulador de terremoto - que, num universo de 27.144 casas de alvenaria em Lisboa, que corresponde a 57% do parque habitacional da capital, 9.084 casas ficariam reduzidas a escombros.

Representação do tipo de dano provocado por um sismo de magnitude 6.5 em Lisboa, com base em simulações realizadas pelo IST. Cor salmão representa o máximo de danos, amarela danos extensivos, a azul, danos moderados, e a verde, danos ligeiros.

De acordo com o mesmo estudo, 4.475 fogos sofreriam danos moderados, 1.321 habitações ficariam com ligeiros estragos e 166 passariam incólumes. Em contraste, do total de casas de betão armado existentes em Lisboa - 20.668, ou 43% de todo o parque habitacional - 6.926 resistiriam ao abalo, com 4.118 a registarem danos ligeiros e 3.221 a ficarem inabitáveis. 

Do total, apenas 15% do parque habitacional de Lisboa sobreviveria são e salvo a esta simulação. 

Contudo, a engenheira Inês Vilas Boas propõe uma leitura mais visual. Na sua tese de mestrado analisou os diferentes cenários que poderíamos observar em Lisboa, consoante a intensidade do sismo. 

Na referida tese de mestrado, indicada pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa à CNN Portugal, é reiterado que um sismo com intensidade IX na Escala de Mercalli produziria “grandes fendas nas paredes, queda de chaminés e colapso de telhados”.

Grau I Imperceptível / Não sentido
Grau II Muito fraco / Sentido por pessoas em repouso em andares elevados
Grau III Fraco /Sentido dentro de casa. Os objetos pendentes baloiçam
Grau IV Moderado / objetos suspensos baloiçam. Vibração semelhante à provocada pela passagem de veículos pesados
Grau V Forte/ Sentido fora de casa; portas oscilam, fecham-se ou abrem-se. Estores e quadros movem-se
Grau VI Bastante forte / Sentido por todos. Muitos assustam-se e correm para a rua. 
Grau VII Muito forte / Difícil permanecer de pé. As mobílias partem. 
Grau VIII Ruinoso / Mudanças nos fluxos ou nas temperaturas das fontes e dos poços
Grau IX Desastroso / Pânico geral. Vários edifícios colapsam. Fraturas importantes no solo
Grau X Destruidor / Maioria das infraestruturas destruídas com as suas fundações. Grandes desmoronamentos de terrenos
Grau XI Catastrófico / Vias-férreas grandemente deformadas. Canalizações subterrâneas completamente avariadas
Grau XII Danos quase totais / Grandes massas rochosas deslocadas. Objetos atirados ao ar.

Graus de intensidade e respetiva descrição, de acordo com a escala de Mercalli:

No trabalho, publicado em 2016 com o título Vulnerabilidade Sísmica dos Edifícios de Lisboa em 3D, é possível observar quais seriam os danos causados no bairro da Graça, se fosse registado um sismo com intensidade IX na Escala de Mercalli. De acordo com esta simulação, a área registará o colapso total de catorze edifícios e o colapso parcial para a maior parte dos prédios e casas da zona.

Representação pormenorizada dos danos do tipo IV em edifício modelado de forma real

Mónica Ferreira, doutorada em Engenharia do Território no Técnico, participou num variado número de missões de reconhecimento pós-sismo a nível nacional e internacional, nomeadamente na China, no Haiti, no Japão e em Itália, por onde esteve em 2016 a estudar os efeitos do sismo de magnitude 6.6 que culminou na morte de 299 pessoas.

Perante os constantes avisos da comunidade científica, a especialista sublinha que “o país não está de todo preparado” e que um sismo como o de Itália pode deixar Portugal “em reconstrução durante 10 anos”. Destacando que “não há muita vontade política” em preparar melhor as zonas de maior risco sísmico, como Lisboa e o Algarve, para um eventual terramoto, Mónica Ferreira realça que as obras de ampliação, conservação e reabilitação de prédios e edifícios em zonas nobres da capital estão a deixar os prédios e casas “mais vulneráveis”.

A Baixa de Lisboa, que trouxe ao mundo a gaiola pombalina, uma das origens da engenharia sísmica, está a ser “adulterada”, reconhece a investigadora, salientando que as autarquias não têm meios para fiscalizar as obras. 

Alterações climáticas podem antecipar catástrofe 

Alguns minutos depois de o violento sismo de 1755 se ter manifestado, um tsunami invadiu a costa portuguesa, com relatos históricos que descrevem vagas de vinte metros.

Esta vaga tem ainda sido alvo de várias análises ao longo dos anos. Vários estudos internacionais conduzidos nos últimos cinco anos levaram à conclusão de que o grande terramoto de Lisboa provocou o mais intenso tsunami a atravessar o Oceano Atlântico, tendo percorrido mais de 5700 km até chegar às Antilhas.

Em terreno nacional, os danos materiais foram “incalculáveis”, como descreve o professor Carlos Oliveira, referindo-se a todo o passado histórico que foi levado pelas águas, pelo abalo e pelas chamas. O Paço da Ribeira e a Torre do Tombo estão entre os edifícios, igrejas e bibliotecas que se perderam em 1755.

Um tsunami como o de 1755, no entanto, hoje, não seria tão destruidor, assegura o professor Rui Ferreira, do Instituto Superior Técnico. Isto porque a capital “avançou quilómetros ao longo do Tejo e subiu a cota”, a sua altitude máxima de edificação.

A Baixa aumentou em quase dois metros, o que leva a que a onda gerada por um sismo como o de 1755 “não seja particularmente alta”, afirma o investigador.

Contudo, destaca, o ritmo de subida do nível dos oceanos - 3,1 mm por ano, de acordo com o programa Copernicus -, pode colocar a cidade ao nível de base de 1755.

Em junho deste ano, Rui Ferreira apresentou um projeto à Câmara Municipal de Lisboa, onde é demonstrado o impacto que um tsunami como o de 1755 teria na capital em 2050. No cenário elaborado pela investigação, percebemos que, depois de a onda passar o bugio, demoraria quinze segundos para a Praça do Comércio e a estátua D. José I ficarem inundadas. 

 

 

Em trinta e três minutos, o mar atravessaria o Arco da Rua Augusta e chegaria à Rua da Conceição.

Na mesma investigação, tendo por base as previsões do nível do oceano para 2100, é demonstrado que, em caso de tsunami, as águas avançariam até ao Mosteiro dos Jerónimos. É ainda referido que há uma "perigosidade extrema” em Xabregas e no Parque das Nações, com toda a zona entre Alcântara e Belém a registarem máxima exposição de risco.

Todos estes cenários, afirma o professor Rui Ferreira autor da investigação, podem ocorrer mais cedo do que o esperado se o glaciar Thwaites, na Antártida Ocidental, colapsar. Conhecido como o glaciar do "Dia do Juízo Final", a comunidade científica acredita que o seu derretimento pode levar a um aumento do nível do mar em até 80 centímetros.

“Se o que está em terra, vier para o mar, um cenário catastrófico pode acontecer mais cedo do que esperamos, em 2030”, afirma, apontando para as previsões de que o aquecimento global pode chegar a 1,5 graus Celsius na próxima década. 

“A natureza deu-nos uma arma muito importante”

Os sismos têm duas ondas principais: uma que anda mais depressa, a que se dá o nome de onda p, que anda a uma velocidade de cerca de oito quilómetros por segundo, e outra de maior dimensão, a onda f, “aquela que destrói”, descreve o professor Carlos Oliveira.

“A natureza deu-nos uma arma muito importante que foi a de percebermos que não temos de esperar que venha o sismo todo para percebermos a sua magnitude”, afirma o especialista, destacando que a onda p funciona como uma espécie de aviso de que chegará uma nova onda.

A partir da onda p, é possível perceber “a assinatura do sismo”, ou seja, se vem um abalo gigante ou pequeno. 

A diferença entre a chegada das duas ondas é, em média, trinta segundos, tempo suficiente para que as autoridades possam enviar esta informação diretamente por satélite, se existir um sistema de coordenação, como funciona quase universalmente na Califórnia e no Japão.

Este sistema de alarme precoce tem um sinal, onde é enviada uma contagem decrescente e que, quando chega ao zero, a terra começa a tremer.

Trinta segundos parece pouco tempo, mas Carlos Oliveira reitera que um sistema integrado pode salvar vidas em Portugal. 

“Não é possível prever quando é o sismo, porque existem muitas variáveis e não conseguimos perceber exatamente onde rompe, mas com trinta segundos paramos os comboios, abrimos as portas dos bombeiros, colocamos geradores a funcionar nos hospitais, tomar precauções durante cirurgias. Pessoas num segundo andar conseguem sair do prédio. A ponte 25 de Abril pode interromper o tráfego”, enumera o professor jubilado, insistindo sobre a necessidade de ser concebido e implantado este sistema. 

NOTA DO EDITOR

As entrevistas realizadas para este artigo foram feitas entre novembro de 2021 e dezembro de 2022.

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