Os dados do Barómetro desta semana indicam que voltaram, em pleno arranque da primavera, os incêndios, desta vez sobre forma de fagulhas, perdão, de folhas. As folhas do aguardado Relatório da Comissão Independente às tragédias do verão passado. Embora o risco de incêndios seja, nesta época do ano, reduzido, a curiosa coincidência de o aguardado relatório ter visto a luz do dia na semana do equinócio da primavera ameaça provocar acendimentos e reacendimentos no inflamável ecossistema político nacional. Do cíclico e teimoso rejuvenescimento das árvores e dos matos anda meio povo a tratar, cortando (parece que às vezes a eito) e limpando de molde a cumprir prazos e evitar coimas. Não há memória de tanta motosserra filmada, gravada e fotografada para exibição nas televisões, nas rádios e nos jornais. Sem motosserras mas vestindo fato e gravata à prova de fogo, governantes e ex-governantes, responsáveis da Proteção Civil e dos Bombeiros e empresas (como a EDP), chamuscados pelo Relatório, esforçam-se por sacudir a cinza do capote. Uma coisa, no entanto, é certa e, mais do que certa, muito positiva: andamos a falar de incêndios e, por arrasto, de ordenamento do território, política florestal, despovoamento, alterações climáticas e estratégias de investimento em prevenção e combate, fora da época … dos incêndios. O debate político e técnico que agora está em curso não pode deixar de ter consequências num futuro muito próximo. A primavera anuncia o verão.
Dos três temas no topo da tabela desta semana o surto de sarampo manteve uma presença constante durante toda a semana com o pico de atenção a acontecer no dia 19 de março. Há um elemento interessante (e novo) na atenção mediática a esta questão: o apelo a que os profissionais de saúde tenham o seu plano de vacinação em dia como forma de se protegerem a si próprios e aos pacientes que atendem. Os movimentos anti-vacinas têm pouca expressão no nosso país (por comparação com outros países da Europa) mas o facto de sermos um país aberto e um destino turístico cada vez mais procurado torna esta questão mais premente. Combater ideias falsas e egoístas (como as defendidas pelos movimentos anti-vacinas que beneficiam da imunidade de grupo) é tão ou mais complicado, nos tempos que correm, do que combater incêndios. O absurdo do bombeiro pirómano teria aqui o seu equivalente: o do profissional de saúde não vacinado.
O sintoma do sarampo manifesta-se através das típicas pintas vermelhas que recobrem a pele do adoecido. Mas nem sempre é necessário contrair sarampo para, de um dia para o outro, ficar pintalgado. Que o diga o ex-secretário geral do PSD, Feliciano Barreiras Duarte, cujo curriculum académico e tese de mestrado, amplamente expostos pelas piores razões na comunicação social, receberam atenção crescente na primeira parte desta semana, atenção entretanto esmorecida com a notícia da sua demissão. Na refrega interna da sucessão de liderança do PSD, Feliciano foi a vítima da semana. Não de sarampo, nem dos incêndios, mas do ecossistema inflamável da vida política, neste início de primavera.
Ficha técnica:
O Barómetro de Notícias é desenvolvido pelo Laboratório de Ciências de Comunicação do ISCTE-IUL como produto do Projeto Jornalismo e Sociedade e em associação com o Observatório Europeu de Jornalismo. É coordenado por Gustavo Cardoso, Décio Telo, Miguel Crespo e Ana Pinto Martinho. A codificação das notícias é realizada por Sofia Barrocas e Inês Balixa. Apoios: IPPS-IUL, e-TELENEWS MediaMonitor / Marktest 2015, fundações Gulbenkian, FLAD e EDP, Mestrado Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação, LUSA e OberCom.
Análise de conteúdo realizada a partir de uma amostra semanal de aproximadamente 413 notícias destacadas diariamente em 17 órgãos de comunicação social generalistas. São analisadas as 4 notícias mais destacadas nas primeiras páginas da Imprensa (CM, PÚBLICO, JN e DN), as 3 primeiras notícias nos noticiários da TSF, RR e Antena 1 das 8 horas, as 4 primeiras notícias nos jornais das 20 horas nas estações de TV generalistas (RTP1, SIC, TVI e CMTV) e as 3 notícias mais destacadas nas páginas online de 6 órgãos de comunicação social generalistas selecionados com base nas audiências de Internet e diversidade editorial (amostra revista anualmente). Em 2016 fazem parte da amostra as páginas de Internet do PÚBLICO, Expresso, Observador, TVI24, SIC Notícias e JN.