Com Vieira a aguardar saber as medidas de coação preventivas que lhe vão ser impostas e a SAD do clube em situação de emergência, o despacho de buscas elaborado pelo Ministério Público (MP) ajuda a desvendar uma parte do véu que envolve os negócios de Luís Filipe Vieira e as sociedades detidas por Bruno Macedo, empresário e um dos homens fortes do futebol nacional.
Esses “esquemas de fraude montados em proveito de Vieira”, como descreve o MP, foram elaborados de forma a prejudicar a SAD do Benfica, o antigo Grupo Espírito Santo e o Novo Banco, tal como o Estado Português - quer em tributação de impostos, quer em sede de financiamento.
Estes alegados crimes que lesaram o Benfica ocorreram graças ao “comprometimento” de familiares - Tiago Vieira também foi detido esta quarta-feira - mas também do mundo da intermediação de jogadores de futebol. E é aqui que entra Bruno Macedo.
Macedo, empresário de futebol e advogado de formação, intermediou transferências de vários jogadores para o Benfica, mas três negócios estão no centro das suspeitas: Derlis González, Claudio Correa e o brasileiro César, em negócios que terão desviado mais de dois milhões de euros do Benfica. Foi também Bruno Macedo que intermediou o regresso de Jorge Jesus ao Benfica, estando ainda ligado aos negócios de Darwin Nuñez e Éverton, dois dos jogadores contratados para a época de 2020/21.
De acordo com o documento a que a TVI teve acesso, a junção entre a disponibilidade de estruturas por parte de Bruno Macedo e os meios financeiros a que Vieira teria acesso fizeram com que a SAD dos encarnados recorresse aos serviços do empresário, realizando pagamentos de forma “excessiva e indevida”.
Testas de ferro
No centro das operações financeiras, estavam sociedades de agenciamento de jogadores e de intermediação. De referir a BM CONSULTING e a YES SPORTS, a nível nacional e a ASTRO SPORTS MANAGMENT FZE; MASTER INTERNATIONAL FZE; INTERNATIONAL SPORTS FUND e a TRADE IN.
Crê o Ministério Público que Macedo tinha acesso a estruturas internacionais e que terá forjado documentos para justificar as suas intervenções em operações contratuais e financeiras.
A nível internacional, Macedo é acusado de utilizar a MASTER INTERNATIONAL (MI) FZE, a INTERNATIONAL SPORTS FUND e a ASTRO SPORTS para registar ganhos obtidos com negócios relativos à transação de atletas.
Em particular, a MI foi utilizada para parquear mais-valias geradas na venda de Derlis González - transferido do Rubio Nu para a Luz em 2011 - e de Cláudio Correa que veio do mesmo clube de Derlis para Benfica, em 2012. No total, o valor ascende aos 1.280 millhões de euros e o MP entende que esta quantia não foi refletida como ganho nas contas da SAD dos encarnados.
Já a TRADE IN titulou os direitos económicos de César Martins, que chegou ao plantel principal das águias na época de 2014/2015 e que agora joga no Farense. Esta empresa é acusada de, por um breve espaço de tempo, vender parte dos direitos do atleta à SAD do Benfica “por um valor bastante superior”. Isto causou um aumento de custos em Portugal e resultou na diminuição da tributação à SAD dos encarnados em mais de 1.3 milhões de euros.
O MP apurou, por outro lado, que, entre 2015 e 2016, a SAD pagou diretamente à MI mais de 2,6 milhões de euros que foram direccionados para benefício das sociedades detidas por Vieira.
Contudo, com o intuito de esconder a transferência de fundos para a MI, os suspeitos utilizaram a INTERNATIONAL CONSULTING COMPANY, registada em Sousse, na Tunísia, para forjar a existência de faturação emitida e tornar legítima a circulação de fundos.
O despacho faz ainda menção a outra sociedade propriedade de Bruno Macedo que, labirinticamente, recebeu dinheiros mobilizados para a compra de imóveis da propriedade de sociedades de Luís Filipe Vieira.
Macedo terá-se servido da SPRINGLABIRYNTH, S.A - com sede em Braga - para receber, em dezembro de 2015 e Março de 2016, 830 mil euros da INTERNATIONAL SPORTS FUNDS - esta foi utilizada pelo empresário para transferir mais de 1.3 milhões de euros do Panamá para uma conta do Montepio em Portugal.
Estes montantes registados pela SPRINGLABIRYNTH foram investidos na aquisição de propriedades para o Grupo de Vieira, nomeadamente no Algarve, Rio Maior e em Loures - locais onde esta quarta-feira foram realizadas buscas.
Dessa forma, entende o Ministério Público que as diferentes sociedades foram instrumentalizadas para parquear ganhos vindos de simulação de negócios, nomeadamente com o Benfica.
Conclui, portanto, o MP que as verbas que tiveram origem nessas entidades e deram entrada em território nacional ascendem aos 2.49 milhões de euros - um valor que terá sido utilizado ao interesse de Vieira na compra de imóveis, na venda de ativos e na amortização de obrigações.
Luís Filipe Vieira foi um dos quatro detidos no âmbito de uma investigação que envolve negócios e financiamentos superiores a 100 milhões de euros com prejuízos para o Estado.
Uma nota do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) indica que foram detidos um dirigente desportivo, dois empresários e um agente do futebol e realizados cerca de 45 mandados de busca a sociedades, residências, escritórios de advogados e uma instituição bancária, em Lisboa, Torres Vedras e Braga.
No comunicado do DCIAP, é indicado que os detidos são suspeitos de estarem envolvidos em "negócios e financiamentos em montante total superior a 100 milhões de euros, que poderão ter acarretado elevados prejuízos para o Estado e para algumas das sociedades".
Em causa, adianta, estão "factos ocorridos, essencialmente, a partir de 2014 e até ao presente" e suscetíveis de serem "crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação, fraude fiscal e branqueamento".
Está previsto que os quatro detidos sejam presentes na quinta-feira a primeiro interrogatório judicial, com vista à aplicação de medidas coação, "com vista a acautelar a prova, evitar ausências de arguidos e prevenir a consumação de atuações suspeitas".