O trabalho num clube com ampla atenção mediática como o Sporting permitiu ao país conhecer um lado que muitos desconheciam de Ruben Amorim: a retórica de um treinador comunica de forma muito diferente dos seus pares quando está perante as câmaras.
Quase sempre frontal, respeitador, sem fuga a questões e de piada na ponta da língua, Ruben Amorim foi assim desde o primeiro até este sábado, o penúltimo dia como treinador dos leões.
Nas vitórias e nas derrotas.
Mas até que ponto essa forma de comunicar, mais leve, foi também usada por vezes como estratégia para desviar a atenção de eventuais polémicas que habitualmente surgem em momentos difíceis?
«Eu sempre acompanhei muito o fenómeno desportivo, mesmo para o sítio onde vou. Pode parecer desconhecido, mas acompanho sempre as notícias dos sítios para onde vou, para perceber as dinâmicas», introduziu o treinador, garantindo que, apesar da capacidade comunicativa ser algo inato, há trabalho por detrás.
«Obviamente que há coisas que são pensadas. Eu já sei o que vou dizer quando venho para aqui. Tenho uma preparação do Filipe Dinis [assessor de imprensa do Sporting], que me diz os tópicos. Às vezes há fases em que digo que não leio nada e não leio mesmo nada para estar com a mente aberta. Se vou ler tudo o que escrevem sobre mim, vou ficar zangado e estarei aqui à espera de responder a uma pergunta ou a uma pessoa. Nas fases más não leio nada e nas fases boas leio tudo e fico mais contente, sou muito aberto e dou moral a todos os adversários, etc. Isso é uma estratégia. Obviamente que, quando venho para aqui, isso está tudo pensado», assumiu.
Ruben Amorim explicou depois a forma crua e sem tabus como às vezes fala sobre os temas, recusando fugir a eles mesmo quando é mais fácil refugiar-se no silêncio ou em respostas monossilábicas. «A honestidade é porque as coisas às vezes estão à vista das pessoas e não ajuda nada estarmos a contar uma história completamente diferente.»
E fez uma observação sobre a classe: «Há uma grande verdade que me faz confusão quando alguns treinadores não percebem: os resultados ditam tudo. Se eu perder jogos, vou-me embora; se ganhar, fico. O que eu disser não vai contar assim tanto. Pode ajudar na crítica, e vocês são mais simpáticos comigo do que com outros - e isso ajuda quando os momentos são maus - mas no fim de contas, se ganhar fico; se perder, vou embora. Mais vale ser honesto e, assim, evito confusões para o meu lado. (...) Mas eu acho que toda a gente percebe que eu sou genuíno no que digo: e nota-se bem quando não sou. Mas obviamente que há uma preparação quando venho para aqui», reiterou.
A partir de segunda-feira, Ruben Amorim vai ter de comunicar em inglês. E, reconheceu, vai ser diferente, pelo menos nos primeiros meses, em que se verá um homem mais defensivo do que o habitual. «Estou preparado. Obviamente que vou ter de andar a pensar nas palavras e vou ter muito mais dificuldade. Uma conferência de imprensa como esta vai ser muito mais básica lá, mas toda a gente diz que, vivendo lá, uma pessoa aprende muito rápido. Mas obviamente que vou ter muito mais dificuldade, terei de ser inteligente e ir devagarinho, até porque a imprensa é diferente. Estão sempre à espera... O Manchester United é o clube mais falado lá, eu tenho noção disso, mas também não terei muitos problemas se vão dizer bem ou mal. O que interessa é ganhar jogos», simplificou.
Ainda assim, o ainda técnico dos leões, que comunica habitualmente em inglês com alguns jogadores, está convencido de que enfrentará desafios maiores do que esse em Inglaterra. «Sei que vou ter dificuldades no início, mas acho que, pensando no próximo desafio [Manchester United], não vai ser o meu maior problema», rematou a respeito do clube inglês que atravessa uma crise de resultados que se arrasta há uma década e que se tem agravado nos últimos tempos.