Nova Zelândia proíbe venda de tabaco a todos os que nasceram a partir de 2009. "Portugal devia seguir o exemplo", mas novas regras são (bastante) mais suaves - TVI

Nova Zelândia proíbe venda de tabaco a todos os que nasceram a partir de 2009. "Portugal devia seguir o exemplo", mas novas regras são (bastante) mais suaves

Tabaco

Aplaudida por uns e criticada por outros, a medida deverá entrar em vigor na Nova Zelândia já em 2023. Em Portugal, a partir deste domingo, dia 1 de janeiro, também entram em vigor novas regras relativamente aos locais onde é permitido fumar, mas que ficam muito longe das aplicadas noutros países

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É oficial: a Nova Zelândia vai mesmo proibir a venda de tabaco a todos aqueles que nasceram depois do dia 1 de janeiro de 2009 (inclusive). Esta abolição faz parte de um controverso pacote de medidas antitabagismo já aprovado no parlamento neozelandês, que já está a ser replicado noutros países, como na Dinamarca.

E "Portugal devia seguir o exemplo", defende Sofia Ravara, professora da Universidade da Beira Interior e coordenadora da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa da Pneumologia. Até porque, garante, "isto não é o futuro, já é o presente". 

No entanto, há quem discorde desta política, receando que venha a ser contraproducente. Mas vamos por partes.

Na prática, isto significa que o limite da idade legal para comprar tabaco vai aumentar gradualmente até que se consiga alcançar uma Nova Zelândia "livre de fumo", tal como ambiciona a ministra neozelandesa da Saúde, Ayesha Verrall, a grande impulsionadora desta lei pioneira.

Quem violar esta regra, isto é, quem vender ou oferecer tabaco a alguém que tenha nascido a partir de 2009, incorre numa contraordenação que pode ir até aos 150 mil dólares neozelandeses (cerca de 91 mil euros). 

Ayesha Verrall, a ministra da Saúde da Nova Zelândia e a grande impulsionadora desta política pioneira (AP Photo/Nick Perry)

A nova lei limita ainda o número de comerciantes com licença para venda de tabaco, "não podendo exceder os 600", bem como os níveis de nicotina presentes num cigarro, que não devem ser superiores a 0.8mg/g. O objetivo, explica a ministra da Saúde, é tornar os cigarros "menos viciantes".

Sofia Ravara reconhece que esta é uma medida rígida, mas necessária para "acompanhar as medidas completamente agressivas e desenfreadas do marketing da indústria" do tabaco.

O marketing da indústria do tabaco é hoje muito orientado para os jovens e "difícil de regulamentar", denuncia a pneumologista, apontando como exemplo o marketing nas redes sociais, onde "há influenciadores pagos - mesmo que indiretamente - para promover estes produtos", ou até mesmo os stands de tabaco aquecido para venda nos festivais de música.

Assim, esta política de "abolição" do consumo de tabaco - como se lhe designa Sofia Ravara, que compara a dependência do tabaco a uma autêntica "escravidão" - deve ser e vai ser replicada por outros países, indo muito além da Nova Zelândia e da Dinamarca.

"Há um conjunto de países que vai criar um movimento para implementar estas medidas" diz, referindo-se à estratégia Tobacco Endgame [Fim do Tabaco], uma política que está a ser promovida por vários países, "da Europa e não só", acrescenta Sofia Ravara, escusando-se a adiantar quais os países que já estão a avançar nesse sentido.

Portugal também tem novas regras, mas continua a ser "um mau exemplo"

A partir deste domingo, dia 1 de janeiro, entram em vigor em Portugal novas regras relativamente aos locais onde é permitido fumar, estabelecidas numa portaria conjunta dos ministérios da Economia e Mar e da Saúde. Na prática, só será permitido fumar nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas, como restaurantes, bares e discotecas, se estes tiverem uma área "igual ou superior a 100 m2 e um pé direito mínimo de três metros".

A portaria estabelece ainda uma compartimentação da zona onde é permitido fumar e da zona de não fumadores do mesmo edifício, que devem estar separadas por "uma antecâmara com um mínimo de 4 m2, devidamente ventilada e com portas automáticas de correr, quer na entrada, quer na saída".

O espaço destinado aos fumadores e a respetiva antecâmara podem ocupar "até um máximo de 20% da área destinada aos clientes". A lotação máxima da zona onde é permitido fumar "é definida pelo proprietário do estabelecimento ou pelas entidades responsáveis pelos estabelecimentos, devendo estar em conformidade com o projeto de segurança contra incêndios em edifícios e validada" por técnicos especializados.

Apesar das novas regras, Sofia Ravara considera que "Portugal é um muito mau exemplo" no que diz respeito à implementação de políticas de prevenção ao tabagismo. Isto porque, diz, a indústria do tabaco interfere "sempre" na negociação das políticas para o controlo do consumo destes produtos: "É inconciliável ter um objetivo de saúde pública com a interferência da indústria na implementação das políticas. Isto tem de ser muito mais exposto pela comunidade de saúde pública, que também tem de se organizar para apresentar propostas e pressionar o Governo nesse sentido."

Apesar do conflito de interesses nas negociações, a pneumologista acredita que "a situação pode mudar", sobretudo tendo em conta o trabalho desenvolvido pelo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, no Parlamento Europeu, enquanto co-presidente do Grupo de Saúde Pulmonar, promovendo o antitabagismo.

"[Manuel Pizarro] tem agora uma experiência, um conhecimento e uma maior responsabilidade para tentar fazer o mesmo em Portugal", defende a pneumologista, sem descurar o papel da sociedade civil, que, diz, deve ir além da pressão que a indústria exerce sobre a implementação de políticas de saúde pública.

Veja-se o exemplo do Brasil, que Sofia Ravara classifica como "uma medalha de ouro no controlo do tabagismo", conquista que a pneumologista atribui a uma "ação concertada dos governos e da sociedade civil", sendo esta última "muito interveniente e eficaz". E os números mostram isso mesmo: de acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Saúde publicados pelo Ministério da Saúde brasileiro, em 2019, o número de fumadores brasileiros era de 12,8% (menos 2,1 pontos percentuais do que o registado em 2013).

Em Portugal, o consumo de tabaco também diminuiu entre 2014 e 2019. De acordo com o mais recente inquérito nacional de saúde, em 2019, 17% da população com idade igual ou superior a 15 anos era fumadora (menos três pontos percentuais do que em 2014). A pneumologista reconhece que a prevalência geral de fumadores em Portugal "não é alta" quando comparada com outros países europeus, mas adverte para o que se passa nas faixas etárias mais jovens, sobretudo entre os 25 e os 34 anos, onde "à volta de 40% dos homens e 30% das mulheres são fumadoras".

O marketing da indústria do tabaco é especialmente focado nos mais jovens, adverte a pneumologista Sofia Ravara (Miguel Pereira/Getty Images)

Daí que Sofia Ravara considere necessário controlar o consumo do tabaco, com foco nas faixas etárias mais jovens. "A educação para a saúde não chega e não é eficaz", argumenta, sustentando que a plasticidade do cérebro e a "personalidade ainda imatura" torna os adolescentes mais vulneráveis à dependência do tabaco.

"A indústria aproveita-se da vulnerabilidade dos jovens, então as políticas públicas têm de ser focadas na prevenção dos jovens. Temos de implementar medidas que protejam os jovens", sintetiza.

Uma nova Lei Seca?

Mas esta política de proibição da venda de tabaco não é uma estratégia consensual. José Alves, presidente da Fundação Portuguesa do Pulmão, considera que esta medida "promove a venda ilegal e o contrabando".

"Temos o exemplo da lei seca nos EUA que deu no que deu. Provavelmente o que irá acontecer aqui é parecido com isso", antevê o responsável, lembrando uma lei fortemente restritiva de venda de bebidas alcoólicas que vigorou nos EUA entre 1920 e 1933, e que acabou por fracassar, tendo sido muitas vezes transgredida.

Sofia Ravara diz não compreender este argumento que se sustenta na velha máxima 'o fruto proibido é o mais apetecido', até porque, diz, "o consumo das substâncias legais [como o álcool] é altíssimo" quando comparado com as substâncias ilícitas, como a heroína.

Segundo o mesmo inquérito nacional de saúde, o consumo de bebidas alcoólicas aumentou entre 2014 e 2019, com cerca de 6,2 milhões de pessoas (69,4%) com 15 ou mais anos a admitirem ter consumido bebidas alcoólicas nos 12 meses anteriores à entrevista, sendo que 1,8 milhões fizeram-no diariamente (29,6%). 

Já o consumo de heroína tem vindo a perder relevância face às restantes drogas, de acordo com os dados do IV Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral, de 2016 e 2017, que revelam que as prevalências de consumo foram respetivamente de 0,5%, 0,1% e 0,0% na população de 15-74 anos, e de 0,3%, 0,0% e 0,0%, na de 15-34 anos.

"Isto prova que a proibição reduz o consumo e muda a norma social", conclui a pneumologista.

Em alternativa às medidas aprovadas na Nova Zelândia, o pneumologista defende um aumento "significativo" do preço do tabaco, seguindo o exemplo da Escócia, por exemplo, onde um maço de tabaco custa 20 euros.

Além disso, acrescenta, deve haver uma maior fiscalização por parte das autoridades, apresentando coimas a quem não cumprir a lei. "Nunca ninguém foi multado em Portugal por estar a fumar", diz, referindo-se ao limite de idade e às regras para fumar nos espaços fechados.

Para Sofia Ravara, este pacote de medidas antitabagismo da Nova Zelândia só tem uma lacuna: "Tenho pena que não se tenha avançado também para a abolição do consumo de todos os produtos de tabaco, incluindo os cigarros eletrónicos."

Por muito que o marketing se esforce por promover o consumo destes produtos, a pneumologista garante que os cigarros eletrónicos "provocam as mesmas doenças". "São produtos diferentes, mas já há estudos de experimentação animal, de fisiologia humana e até estudos epidemiológicos que começam a mostrar o grande potencial de risco de doença cardíaca, respiratória e cancro associado ao uso prolongado destes produtos, uma vez que eles são altamente viciantes", salienta.

Aplaudida por uns e criticada por outros, a medida deverá entrar em vigor na Nova Zelândia já em 2023.

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