Lacerda Machado não fala sobre a TAP com o amigo António Costa desde "o dia 9 de abril de 2020 às 22h00". E admite que sofreu pressões políticas - mas não foram do primeiro-ministro - TVI

Lacerda Machado não fala sobre a TAP com o amigo António Costa desde "o dia 9 de abril de 2020 às 22h00". E admite que sofreu pressões políticas - mas não foram do primeiro-ministro

O ex-administrador não-executivo da TAP, Diogo Lacerda Machado, durante a sua audição na Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP na Assembleia da República (Lusa/ José Sena Goulão)

Lacerda Machado foi o homem escolhido por António Costa, seu melhor amigo, para renegociar com os privados a posição do Estado na TAP em 2016. Mas, apesar dessa relação de proximidade, garante que o primeiro-ministro nunca o pressionou. O mesmo não diz sobre um ex-secretário de Estado de Pedro Nuno Santos

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Diogo Lacerda Machado, ex-administrador da TAP, admitiu que está disponível para apoiar potenciais interessados na privatização da companhia aérea.

“Não excluo envolver-me se achar que posso ser útil à própria TAP. Fora disso não me envolverei”, afirmou na comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, argumentando ainda que hoje “a TAP sozinha não consegue viver muito mais tempo”.

E reforçou: “Tenho tido abordagens, até agora não estou comprometido, só o farei achando que não há um conflito de interesses”.

Lacerda Machado disse não acreditar que alguém pague 3,2 milhões de euros pela TAP, o valor injetado pelo Estado português com a pandemia. Ainda assim, admitiu que possa haver partilha de ganhos futuros com o Estado.

“Não acredito que ninguém pague 3,2 mil milhões de euros”, disse.

Sem conversas com Costa, mas com pressões do Governo

Mas sobre este tema da privatização, assegurou, nunca falou com ninguém do Governo. Aliás, com o primeiro-ministro, António Costa, que é considerado o seu melhor amigo, não fala sobre a TAP desde “dia 9 de abril de 2020 às 22h00”.

Foi Lacerda Machado quem sugeriu a Costa que seria melhor que não abordassem mais o tema. “É a melhor forma de preservar a nossa excelente amizade”, considerou.

Lacerda Machado, que saiu da TAP antes de terminado o seu mandato, explicou também esta decisão: “Sentia, simplesmente, que tinha perdido utilidade”. Antes disso, o cenário já tinha sido ponderado. “Mas achei que tinha uma obrigação a cumprir, para trabalhar com todo o empenho no plano de reestruturação, essa injustiça que foi cometida à TAP”, disse.

Enquanto esteve na empresa, reconheceu, sentiu pressões políticas. “Algumas vezes”, concretizou. “Mas não passou disso”, acrescentou. O gestor afastou que essa pressão tenha vindo de António Costa e deu mesmo um exemplo.

“Houve uma circunstância em que nos foi pedido um certo sentido relativamente a uma coisa que não tem nada que ver com a política, na minha opinião, que era o orçamento da companhia. E eu expliquei que não faria aquilo que foi sugerido que fosse feito. Diria que foi o momento agudo porque o orçamento de uma empresa como a TAP não é para fazer política”, contou.

Com o avançar da audição, Lacerda Machado haveria de concretizar a origem da pressão: Alberto Souto de Miranda, então secretário de Estado Adjunto e das Comunicações num Ministério então liderado por Pedro Nuno Santos. Em causa estava o orçamento da TAP para 2020.

“Votei a favor do orçamento. Tão simples quanto isso. Expliquei que o meu entendimento relativamente ao interesse da TAP era de que aquele orçamento era bom”, explicou.

O papel como negociador: "Tinha posto Neeleman e Pedrosa na rua"

Lacerda Machado negociou em 2016 com os privados o reforço da posição do Estado na TAP, revertendo assim parcialmente a privatização levada a cabo pelo executivo de Pedro Passos Coelho.

Questionado sobre as condições apresentadas aos privados para eles aceitarem a reversão, Lacerda Machado concretizou: “A oferta foi do senhor ministro [Pedro Marques]: vai haver uma reversão pura e simples e vão perder tudo. Esse foi o argumento. Depois do choque inicial e do embate, acredito que do lado do consórcio, mediram os riscos em que incorriam e optaram por aceitar o processo de negociação”.

Lacerda Machado foi sugerido para essa função de negociador, que chegou a exercer sem remuneração, por António Costa. “Cometi o pecado da generosidade porque me senti devedor por não ter aceitado o convite. E ele pediu-me, pouco depois da tomada de posse, para ajudar”, justificou.

Contudo, quando ambos tomaram consciência de que agiram “mal”, acabou “por ter uma remuneração como consultor, de dois mil euros mensais”.

Lacerda Machado já tinha contado que a primeira reunião com David Neeleman e Humberto Pedrosa tinha corrido “mal”. Nela estava o então ministro Pedro Marques, a quem elogia a postura e paciência. “Disse ao ministro que eu tinha posto na rua David Neeleman e Humberto Pedrosa, eu tinha-os posto na rua. A maneira como lhe falaram”, juntou agora.

Sobre a privatização social-democrata da TAP, voltou a insistir que estava repleta de “fragilidades”. "A ponderação que o governo tinha de fazer, e fez, foi o de corrigir, limpando o processo de hipotéticas ilegalidades, tornando-o irrepreensível", disse.

"A reversão, que obrigava a devolver o dinheiro, acabava com a TAP", concluiu.

TAP está bem entregue a Luís Rodrigues e “só ganha dinheiro no verão e alguma coisita no Natal”

Lacerda Machado recordou o tempo do plano de reestruturação, em que foi preciso “sacrificar milhares de postos de trabalho”. Filipe Melo, do Chega, chegou a argumentar que a opção tomada foi a de cortar em trabalhadores e salários, em vez das “gorduras” da empresa. “o maior corte foi nos membros do conselho de administração”, respondeu-lhe.

Sobre o futuro, considera que o novo presidente executivo Luís Rodrigues é “uma escolha extraordinariamente bem feita”. “Finalmente a TAP está muitíssimo bem entregue”, confessou.

Vê os resultados de 2022 e do primeiro trimestre de 2023 “com muito agrado”. Apesar dos prejuízos de 57 milhões entre janeiro e março, encara-os como um “excelente caminho”, até porque a TAP “só ganha dinheiro no verão e alguma coisita no Natal”.

Sobre os lucros atingidos em 2022, reconheceu que foram resultado do “bom trabalho” da então presidente Christine Ourmières-Widener. “Daquilo que veio a público, não foi o trabalho que justificou a destituição”, disse.

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