Todos os dias milhares de drones sobrevoam os céus ucranianos. São utilizados pelo exército para serem “os olhos e os ouvidos” dos militares no terreno, oferecendo vigilância aérea em tempo real, com uso da inteligência artificial. Este mês, chega à Ucrânia um veículo aéreo não tripulado totalmente desenvolvido e produzido em Portugal, que é visto como um dos mais avançados do mundo na sua categoria. A empresa portuguesa Tekever é líder do setor na Europa e abriu as portas do seu centro de desenvolvimento para nos dar a conhecer a tecnologia de ponta que pode ajudar a fazer a diferença no terreno.
É no polo de engenharia da empresa, na Caldas da Rainha, onde toda esta tecnologia é desenvolvida. Ao entrar num dos armazéns da empresa, é possível ver dois Tekever AR3 perfeitamente alinhados, com diferentes configurações. Um está preparado com um kit de hélices verticais removível, pronto para levantar e aterrar verticalmente. A outra versão está pronta para levantar voo com o auxílio de um sistema de catapulta e aterra com a ajuda de um paraquedas ou numa rede. Estas aeronaves não tripuladas pouco se parecem com aquelas que estamos habituados a ver. Com um comprimento de 1,7 metros e uma envergadura de 3,5 metros, são quase pequenos aviões, apesar de pesarem apenas 25 quilos.
A bordo o Tekever AR3 leva um grande conjunto de câmaras e de sensores óticos ou térmicos, que garantem a captura de imagens em tempo real de alta-definição, mas não só. Ricardo Mendes, diretor-executivo da empresa, destaca a possibilidade de o AR3 poder incluir um Radar de Abertura Sintética, que permite ver coisas que não são visíveis a olho nu. Este sistema possibilita observar através de nuvens ou até mesmo da folhagem de árvores. Existem muito poucos fabricantes no mundo capazes de produzir esta tecnologia e a empresa portuguesa é uma delas.
“O AR3 é um sistema que foi desenvolvido para ser extremamente flexível no terreno. Estes sistemas conseguem trazer para uma dimensão muito reduzida – são sistemas ainda assim bastante pequenos – um grande conjunto de capacidades”, destaca Ricardo Mendes, CEO da Tekever.
Numa das salas deste centro, dois especialistas testam o motor de uma das aeronaves em busca de irregularidades no consumo. Se tudo estiver como é suposto, estes motores que se encontram em testes vão permitir ao AR3 permanecer até 16 horas no ar a cumprir a sua missão, a uma velocidade cruzeiro de 75 a 90 quilómetros por hora e a uma altitude máxima de 3.600 metros, num raio de 100 quilómetros. Atualmente encontram-se a operar no Canal da Mancha, onde conduzem operações de vigilância, mas também para monitorizar oleodutos para grandes empresas petrolíferas em África.
“Tudo isto dá uma panóplia de utilizações muito grande ao AR3. Além disso, tem muitas horas de voo, em muitas missões, em muitas partes do mundo distintas, o que faz dele um sistema muito resiliente e confiável. Essas são as características mais importantes para um cenário tão desafiante como aquele que é o da Ucrânia”, afirma Ricardo Mendes, que acrescenta que, “por uma questão de segurança”, não só dos seus clientes, mas também devido à segurança da própria empresa e dos seus colaboradores, não revela quantas aeronaves vai enviar para a Ucrânia através do fundo liderado pelo Ministério da Defesa do Reino Unido, nem quando é que estas vão chegar.
A verdade é que com a guerra, surge a necessidade de desenvolvimento tecnológico que permita a um dos lados obter vantagens no terreno – e é isso que a Tekever quer trazer para a mesa. Ricardo Mendes destaca que é “extremamente importante” do ponto de vista tecnológico que a empresa possa “contribuir na defesa de um povo cujo território foi ocupado”, apesar de observar com “profunda tristeza” o que está a acontecer na Ucrânia, com toda a destruição e perda de vidas que tem acontecido ao longo de mais de um ano. Questionado sobre se a procura que existe no mercado por tecnologia militar pode levar a empresa portuguesa a mudar de rumo e criar produtos bélicos, o gestor garante que o foco é em sistemas “exclusivamente focados em vigilância” e não há intenção de alterar isso.
Assim que forem enviados, o trabalho do fabricante português na cooperação com a Ucrânia não termina, muito pelo contrário. O diretor-executivo da Tekever salienta que as equipas da empresa vão trabalhar “24 horas por dia, sete dias por semana” para adaptar os seus produtos às “condições de campo em constante mudança na Ucrânia”. Isto só é possível devido à “abordagem de verticalização” da tecnologia da empresa, que permite adaptar num rápido espaço de tempo o seu produto às necessidades que o cliente venha a ter. Isto inclui peças, diferentes sensores ou até ajustes no próprio software. Desde projetos aeronáuticos e aeroespaciais, ao fabrico de todos os componentes mecânicos, eletrónicos e de software, utilizado quer a bordo quer em terra, tudo isto é criado “dentro de casa”. Assim que um modelo é desenvolvido, a sua construção em série começa numa outra instalação, em Ponte de Sor.
“O avião é apenas a parte mais visível de um sistema, mas não se trata apenas de um projeto de mecânica, nem de engenharia aeroespacial, nem de um projeto de software – qualquer um deles por si só muitíssimo complexo – trata-se de uma área onde é necessário ter um grande conjunto de disciplinas a trabalhar em conjunto. Gerir esta multidisciplinaridade é a parte mais complexa”, explica o CEO da empresa, Ricardo Mendes.
Esta multidisciplinaridade é um fator que diz sempre ter estado presente na Tekever, embora o grupo de antigos estudantes do Instituto Superior Técnico que formaram a empresa em 2001 não o tenha feito a pensar em drones. A Tekever nasceu da visão de que “tudo estaria ligado”, através da utilização da inteligência artificial. Os primeiros anos da empresa passaram-se focados noutras áreas. O salto para o mundo de hoje só foi dado por volta de 2010, numa altura em que o mercado era dominado pela área militar e os pequenos drones para “fins lúdicos” ainda não tinham aparecido no mercado. “Achámos que era possível desenvolver novos tipos de tecnologia e novos tipos de produtos”, recorda.
Foram precisos alguns anos para chegarem os primeiros grandes contratos. Além de dinheiro, com eles veio o contacto com o cliente e com as suas reais necessidades no terreno, o que permitiu à empresa portuguesa “aperfeiçoar” os seus produtos e “criar uma marca” pela qual é reconhecida. Hoje são líderes europeus na área da vigilância marítima com drones, mas os seus projetos já se estendem a territórios bem mais longínquos, o que torna a empresa portuguesa num dos principais fabricantes do mundo.
Atualmente, o Tekever AR5, um drone com uma envergadura de 7,3 metros e cerca de 20 horas de autonomia, patrulha os mares de diversos países europeus. Em Portugal, existem colaborações “muito estreitas” com os ramos das Forças Armadas, com quem a Tekever desenvolve vários sistemas, no entanto, a Marinha portuguesa ainda não faz parte dos clientes da empresa. Apesar do core da empresa ser na Europa, a Tekever fornece países na América do Norte, em África e a empresa está a começar a trabalhar na América do Sul e no sudeste asiático.
No futuro da empresa estão já vários projetos em desenvolvimento, como um novo drone de dimensões ainda maiores do que as do AR5. Vai chamar-se ARX e deve começar a ser produzido em 2025, com a sua produção a sair, principalmente da fábrica da Tekever de Ponte de Sor. O objetivo deste novo produto é, no fundo, fazer aquilo que o AR5 já faz, mas melhor. Voar mais tempo, a uma maior velocidade, capaz de carregar consigo mais tecnologia e “captar informação bastante mais rica”, cobrindo áreas territoriais cada vez maiores. Mas existe também uma área ligada ao espaço, onde estão a ser planeados “voos mais altos”. O objetivo não é segredo.
“Ao longo dos próximos meses e anos vamos ter uma expansão bastante grande e bastante agressiva, para conseguir levar os nossos sistemas e a nossa tecnologia a mais pontos do mundo. Queremos ser o número um mundial, de forma muito clara”, sublinha o líder da empresa, que garante que quer manter sempre Portugal como base, apesar da presença cada vez mais assídua um pouco por todo o mundo.