Uma paisagem antiga, escondida sob o manto de gelo da Antártida Oriental há pelo menos 14 milhões de anos, foi revelada com a ajuda de dados de satélite e de aviões equipados com radares de penetração no gelo.
Os cientistas utilizaram as técnicas de deteção remota para cartografar 32 mil quilómetros quadrados de terra - uma área aproximadamente do mesmo tamanho da Bélgica. Descobriram uma paisagem formada por rios antes da formação continental do manto de gelo da Antárctida Oriental que se assemelhava às colinas e vales do atual País de Gales do Norte, segundo um estudo publicado na terça-feira na revista Nature Communications
Os investigadores propuseram-se traçar a história do manto de gelo e a sua evolução ao longo do tempo, e compreender o aspeto da terra antes de estar escondida sob as camadas geladas é um capítulo importante dessa história, explicou o principal autor do estudo, Stewart Jamieson, professor do departamento de geografia da Universidade de Durham.
"A terra por baixo do manto de gelo da Antártida Oriental é menos conhecida do que a superfície de Marte", afirmou Jamieson num comunicado.
"E isso é um problema porque essa paisagem controla a forma como o gelo da Antárctida flui e controla a forma como pode responder às alterações climáticas passadas, presentes e futuras", acrescentou.
A natureza bem preservada da paisagem torna-a particularmente especial. É raro encontrar paisagens relativamente inalteradas por baixo de um manto de gelo continental - normalmente, o movimento do gelo, à medida que flutua em tamanho e se desloca, corroeria e trituraria a paisagem relíquia, disse Jamieson.
O que está por baixo do gelo da Antárctida
Compreender por que razão esta paisagem antiga específica sobreviveu praticamente incólume pode ajudar os cientistas a prever melhor a dinâmica futura do manto de gelo da Antárctida Oriental, que contém o equivalente a cerca de 60 metros de potencial subida do nível do mar, à medida que o planeta aquece.
De acordo com o estudo, o clima da Terra está a caminho de atingir temperaturas típicas das registadas quando a paisagem teve origem, provavelmente, há 34 a 14 milhões de anos - que eram entre 3 e 7 graus Celsius mais elevadas do que as actuais.
O manto de gelo da Antártida Oriental formou-se pela primeira vez há cerca de 34 milhões de anos, mas terá posteriormente flutuado em tamanho, revelando por vezes a terra por baixo. Jamieson disse que a sobrevivência da paisagem implicava que as temperaturas na base do manto de gelo tinham sido extremamente frias e estáveis ao longo destes blocos de terreno antigo, apesar de alguns períodos intermédios de aquecimento climático.
"Noutras áreas, seria de esperar que houvesse água líquida, mesmo entre o gelo e o leito, o que ajuda a triturar o material. Não temos isso na nossa localização. Por isso, isso explica em parte como é que algo pode sobreviver durante tanto tempo", explicou Jamieson numa entrevista telefónica.
Os dados geofísicos recolhidos pelos cientistas forneceram pistas sobre o que se encontrava sob o gelo de 2 quilómetros de espessura.
"Os dados medem efetivamente mudanças muito pequenas na forma do topo do gelo e, basicamente, quando olhamos para eles e os desenhamos, parecem uma série de vales interligados que devem estar por baixo da camada de gelo. Basicamente, estamos a ver o fantasma dessa paisagem a partir do topo", disse Jamieson.
A equipa de investigação não sabe que plantas e animais selvagens terão habitado a área, mas os vestígios de rios sugerem a presença de água corrente, o que torna muito provável que a paisagem tenha sido vegetada.