Há pais a testar a 'condução autónoma integral' da Tesla nos próprios filhos - TVI

Há pais a testar a 'condução autónoma integral' da Tesla nos próprios filhos

  • CNN
  • Matt McFarland
  • 24 ago 2022, 12:23
Carmine Cupani e o seu filho de 11 anos fizeram um teste para ver se a “condução autónoma integral” da Tesla pararia perante uma criança na estrada (o filho de Cupani é visível aqui ao fundo)

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Carmine Cupani queria tirar as dúvidas. Então pediu ao filho para se meter à frente do seu Tesla à medida que este acelerava ao longo de um parque de estacionamento.

O residente na Carolina do Norte propôs-se a desmentir um vídeo amplamente divulgado de um Tesla com a versão beta do software de “condução autónoma integral“ da empresa - que permite que o carro vire, trave e acelere, mas que requer um motorista humano vigilante pronto a assumir o volante - a atropelar manequins do tamanho de crianças.

Dan O'Dowd, presidente de uma empresa de software que publicou o vídeo no início deste mês, considera que a Administração Nacional de Segurança Rodoviária devia proibir a “condução autónoma integral” até que o presidente da Tesla, Elon Musk, “prove que esta não vai passar por cima de crianças”.

Foi aí que Cupani, que tem uma oficina automóvel focada em carros importados e Teslas, decidiu envolver-se e recrutou o seu filho. Apesar de se descrever como “um fã dos BMW”, Cupani diz que o software é incomparável àquele que a Tesla oferece. Também não foi a primeira vez que incluiu o filho, que Cupani disse ter 11 anos, numa atividade automóvel potencialmente viral: no início deste ano, publicou um vídeo do filho a guiar o seu Model S Plaid — que pode ir dos 0 aos 100 em 1,99 segundos — num parque de estacionamento privado. Já foi visto mais de 250.000 vezes.

“Algumas pessoas olham e dizem: 'Este pai é louco, que está ele a fazer?'“, disse Cupani à CNN Business. “Faço muitas coisas do género, mas asseguro-me de que o meu filho não vai ser atropelado.”

Carmine Cupani e o seu filho de 11 anos fizeram um teste para ver se a “condução autónoma integral” da Tesla pararia perante uma criança na estrada (o filho de Cupani é visível aqui ao fundo)

Cupani filmou o teste de “condução autónoma” num parque de estacionamento. O filho estava perto do fim de um corredor com um smartphone na mão para filmar o teste. Cupani acelerou o Tesla a partir da outra ponta do parque de estacionamento e ativou a “condução autónoma integral”, atingindo quase os 60 km/h. O Tesla travou com firmeza e parou completamente - muito antes do filho.

Cupani fez outro teste com o filho numa rua usando o Autopilot, o software mais rudimentar de condução assistida da Tesla, e descobriu que este também parou perante o filho. “Esse tal de Dan diz que é especialista nisto e naquilo”, disse Cupani. “Bem, eu sou um especialista em automóveis, em tecnologia de futuro, e instrutor de condução profissional.”

Cupani está entre os muitos apoiantes da Tesla que se opuseram ao vídeo de O'Dowd e se propuseram a fazer os seus próprios testes. Alguns pediram ajuda aos filhos. Outros construíram manequins em casa ou usaram bonecas insufláveis.

As apologias e as críticas apaixonadas à “condução autónoma integral” revelam a forma como a tecnologia se tornou um foco de conflito na indústria. O equivalente ao IMTT na Califórnia declarou recentemente que o termo “condução autónoma integral” é enganador e motivo suficiente para suspender ou revogar a licença da Tesla para vender veículos naquele estado. Ralph Nader, cujas críticas à indústria automóvel na década de 60 ajudaram à criação da Administração Nacional de Segurança Rodoviária (NHTSA), juntou-se este mês a um coro de críticos da “condução autónoma integral”.

Mas é também mais um exemplo da consequência involuntária de implantar e disponibilizar uma tecnologia inacabada e disruptiva - e mostra até onde alguns defensores da Tesla estão dispostos a ir para defender a tecnologia e a empresa. Aparentemente, o número de pessoas a fazerem as suas próprias experiências foi suficiente para que uma agência governamental tomasse a medida extraordinária de alertar as pessoas para que não usassem crianças para testar a tecnologia de um carro.

“Os consumidores nunca devem tentar criar os seus próprios cenários de teste ou usar pessoas reais, sobretudo crianças, para testar o desempenho da tecnologia de um veículo”, afirmou a NHTSA em comunicado. A agência considerou esta abordagem “altamente perigosa”.

Testar Teslas

No início deste mês, Tad Park, residente na Califórnia, soube que outro entusiasta da Tesla queria testar a “condução autónoma integral” com uma criança e ofereceu dois dos seus filhos. Park disse à CNN Business que foi um “pouco difícil” levar a sua esposa a concordar. Ela aceitou quando ele prometeu conduzir o veículo.

“Nunca vou ultrapassar os limites porque os meus filhos são muito mais valiosos para mim do que qualquer outra coisa”, disse Park. “Não vou arriscar a vida deles de modo algum.”

Os testes de Park, ao contrário dos testes de O'Dowd, começaram com o Tesla a 0 km/h. Em todos os testes de Park, o Tesla parou antes de dois dos seus filhos envolvidos no vídeo, incluindo uma criança de 5 anos. Park disse que não se sentia confortável em fazer um teste com os seus filhos a uma velocidade superior a 65 quilómetros por hora, como fez O'Dowd com os manequins.

Franklin Cadamuro, residente em Toronto, criou um “rapaz de cartão”, feito a partir de antigas caixas da Amazon. “Não me culpabilizem por aquilo que o carro faz ou deixa de fazer”, publicou no início do vídeo. “Sou um grande fã da Tesla.”

Um teste de “condução autónoma integral” com um “rapaz de cartão” - uma figura em forma de criança que Franklin Cadamuro criou a partir de antigas caixas de cartão da Amazon

O seu Tesla abrandou ao aproximar-se do “rapaz de cartão”. Depois voltou a acelerar e atingiu o boneco de cartão. Cadamuro especulou que tal pode ter-se devido ao facto de as câmaras não terem conseguido ver as caixas com pouca altura, uma vez que estavam imediatamente à frente do para-choques, tendo-se, por isso, esquecido de que estavam lá.

Os bebés humanos aprendem por volta dos oito meses que um objeto fora do campo de visão continua a existir, muitos anos antes de serem elegíveis para a obtenção da carta de condução. Mas esta capacidade ainda pode escapar a alguns sistemas de inteligência artificial como a “condução autónoma integral” da Tesla. Outro fã da Tesla obteve um resultado semelhante.

Cadamuro disse que o seu vídeo começou como entretenimento. Mas ele queria que as pessoas vissem que a “condução autónoma integral” não é perfeita.

“Acho que há muitas pessoas com duas opiniões extremas em relação à versão beta da 'condução autónoma integral'“, disse Cadamuro. “As pessoas como Dan, que acham que é a pior coisa do mundo. E alguns amigos meus, que acham que é praticamente perfeita.”

Cadamuro disse que também realizou outros testes nos quais o seu Tesla, a deslocar-se a velocidades mais elevadas, se desviou de forma eficaz do “rapaz de cartão”.

Para um sistema de visão computacional como os que equipam os veículos da Tesla, a deteção com rapidez e precisão de objetos menores como crianças pequenas será geralmente mais difícil do que a deteção de objetos grandes e pessoas adultas, segundo Raj Rajkumar, professor na Universidade Carnegie Mellon e investigador de veículos autónomos.

Quanto mais pixels um objeto ocupar numa imagem na câmara, mais informações terá o sistema para detetar características e identificar o objeto. O sistema também será influenciado pelos dados com os quais é treinado, como, por exemplo, o número de imagens de crianças pequenas às quais é exposto.

“A visão computacional com a aprendizagem automatizada não é 100% infalível”, disse Rajkumar. “Tal como o diagnóstico de uma doença, existem sempre falsos positivos e negativos.”

A Tesla não respondeu a um pedido de comentário e normalmente não se envolve com os meios de comunicação profissionais.

“Regras caóticas à faroeste”

Após as críticas dos fãs da Tesla em relação aos seus testes originais, O'Dowd lançou outro vídeo este mês.

Alguns apoiantes da Tesla criticaram o uso de pinos por parte de O'Dowd como delimitadores da faixa de rodagem nos seus testes originais, o que pode ter restringido a capacidade do automóvel de contornar o manequim. Outros alegaram que o piloto do teste de O'Dowd tinha forçado o Tesla a atropelar o manequim ao pisar o acelerador, algo que não era visível nos vídeos que O'Dowd lançou. Alguns entusiastas da Tesla apontaram ainda para mensagens desfocadas no ecrã do Tesla como um indício de que o motorista do teste de O'Dowd estaria a carregar no acelerador para manipular os testes.

Dan O'Dowd realizou testes com manequins e diz que demonstraram que a “condução autónoma integral” atropela crianças

O'Dowd disse à CNN Business que as mensagens desfocadas se deviam ao facto de o supercarregamento não estar disponível e a um desgaste irregular dos pneus. A CNN Business não conseguiu verificar de forma independente o que dizia a mensagem, dado que O'Dowd não forneceu um vídeo mais nítido do que aconteceu dentro do carro durante os testes.

No seu segundo vídeo, O'Dowd fez um teste sem pinos numa rua residencial e mostrou o interior do Tesla, incluindo o pedal do acelerador. O Tesla, como nos outros testes de O'Dowd, atropelou a criança manequim.

O'Dowd lamentou no início deste ano numa entrevista à CNN Business não existir nenhum órgão de testagem ao nível da indústria que examine a conformidade da “condução autónoma integral”. O governo dos EUA não tem padrões de desempenho para as tecnologias automatizadas de assistência ao motorista, como o Autopilot.

O'Dowd é o fundador do Dawn Project, um esforço para tornar os computadores seguros para a Humanidade. Este ano, foi candidato ao Senado dos EUA, mas sem sucesso, numa campanha focada exclusivamente na sua crítica à “condução autónoma integral”.

A NHTSA está atualmente a investigar a tecnologia de assistência ao motorista da Tesla, pelo que se poderão esperar alterações.

“O software que controla a vida de milhares de milhões de pessoas em carros autónomos tem de ser o melhor software alguma vez criado”, disse O'Dowd. “Estamos a usar regras absolutamente caóticas à faroeste e temos algo que é terrível.”

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