Um mito sobre o parto está a espalhar-se no TikTok. Os médicos garantem que a verdade é outra - TVI

Um mito sobre o parto está a espalhar-se no TikTok. Os médicos garantem que a verdade é outra

  • CNN
  • Faith Karimi e Jocelyn Contreras
  • 26 fev 2023, 10:00
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Ashley Martinez é mãe de quatro rapazes e está grávida da filha que há muito desejava.

O mês passado publicou um vídeo onde pedia aos médicos para darem prioridade à sua vida, e não à vida do seu bebé por nascer, caso surjam complicações durante o trabalho de parto e elas dependam da escolha.

Martinez, que vive em San Antonio, Texas, nos Estados Unidos, deverá dar à luz em maio e é uma das várias mulheres grávidas que recentemente publicaram vídeos do seu "Testamento Vital" no TikTok.

Esta mãe teve de fazer uma cesariana de emergência na última gravidez, depois do cordão umbilical ter saído antes do seu bebé, uma condição rara mas perigosa conhecida como prolapso do cordão umbilical, que pode privar o bebé de fluxo sanguíneo e oxigénio.

Martínez descreveu o seu último parto como aterrador. Oito meses depois do Supremo Tribunal dos Estados Unidos ter aprovado a reversão do direito constitucional ao aborto, conhecida como "Roe vs Wade", está preocupada com o que poderá acontecer caso enfrente, novamente, desafios semelhantes.

Desde a decisão, aprovada em junho, foram vários os Estados dos EUA que criminalizaram o aborto, gerando receios de que os médicos deem prioridade à vida do feto durante uma emergência médica.

Martínez ficou orfã de mãe na sequência de um linfoma não-Hodgkin, quando ainda era jovem, e a ideia de que os seus filhos possam passar por uma tragédia semelhante aterroriza-a.

"Ter de passar por outro parto em que tenham de fazer-me uma cesariana é assustador ", disse a mulher de 29 anos. "A quarta gravidez foi a minha única cesariana. Sempre pensei na possibilidade de não estar cá para os meus filhos, devido ao que passei ao crescer sem a minha mãe." 

Mais de uma dúzia de Estados norte-americanos proibiram ou restringiram severamente o acesso ao aborto na sequência da decisão do Supremo Tribunal. As proibições do aborto levaram ao caos legal, à medida que os advogados levam a luta aos tribunais.

No entanto, vários obstetras e ginecologistas disseram à CNN que a difícil escolha entre salvar a vida de uma mãe ou a de um bebé durante o parto, como descrita nos vídeos do TikTok, é altamente improvável.

A tendência "Testamento Vital" do TikTok tem despertado fortes emoções

Esta tendência no TikTok desencadeou uma onda de partilha de vídeos de mulheres grávidas e de outras pessoas. Algumas publicaram vídeos onde pediam aos médicos para darem prioridade aos seus bebés, criticando aquelas que expressaram opinião diferente.

Martinez admite que a sua mãe, que morreu aos 25 anos, teria provavelmente escolhido salvar o seu filho em primeiro lugar, se pudesse.

"A minha mãe não tinha outra escolha", contou Martínez. "A mensagem que eu quero passar é que ninguém está certo ou errado. Em ambas as situações, é uma decisão difícil entre escolher os seus filhos em vez do bebé por nascer."

No Texas, onde Martínez vive, os abortos são proibidos em todas as fases da gravidez - a menos que exista uma emergência médica que ponha a vida em risco.

Franziska Haydanek, uma obstetra/ginecologista de Rochester, Nova Iorque, que partilha conselhos médicos no TikTok, disse ter visto muitos vídeos de "Testamento Vital" nos últimos meses.

Manifestantes reúnem-se no senado federal da Carolina do Sul, em agosto de 2022, enquanto os legisladores debatem uma proibição quase total do aborto, sem excepções, para gravidezes causadas por violação ou incesto. Sam Wolf/Reuters

Na maioria dos vídeos, aparece uma mulher ao lado de uma mensagem escrita que diz algo do género: "Se houver complicações durante o parto, salve-me em vez do bebé". Algumas pessoas, incluindo Martinez, fazem referência aos seus filhos na sua decisão e até os mostram no vídeo.

Um dos vídeos foi publicado por Tuscany Gunter, uma mulher de 22 anos, cujo bebé deverá nascer em abril. A interrupção da gravidez após 20 semanas de gestação é ilegal no seu Estado, a Carolina do Norte, e Gunter disse à CNN que gravou a sua mensagem em solidariedade com as mulheres que afirmaram que escolheriam as suas vidas em primeiro lugar.

"Queria mostrar a minha posição e apoiar outras mulheres que estão a ser criticadas por dizerem que preferem ser salvas antes dos seus bebés", explicou Gunter, que vive em Fayetteville.

"Como mãe de três crianças pequenas, não posso causar-lhes o trauma emocional de perderem a mãe e fazê-las passar por isso. Ficaria arrasada por perder um bebé, mas também preciso de pensar nos meus outros filhos... E sei que o bebé que perdia não iria sentir qualquer dor ou tristeza."

Outra mulher, Leslie Tovar de Portland, Oregon, disse que, apesar do Estado onde reside não ter restrições legais sobre o aborto, publicou um vídeo porque teme que os médicos deem prioridade ao filho por nascer de forma a evitar problemas legais na era pós-Roe vs Wade.

"Tenho dois filhos que precisam de mim. Não suporto a ideia dos meus dois rapazes de 6 e 4 anos ficarem sem a mãe", assumiu.

As três mulheres disseram ter falado com os seus parceiros sobre o assunto e que todos concordaram que elas deveriam ser salvas primeiro.

"As suas palavras exatas do marido de Leslie Tovar foram, segundo a própria, as seguintes: 'Poderíamos, mais tarde, ter outro bebé, mas não conseguiríamos substituir a mãe dos meus filhos, não poderia fazer isto sem ti'."

Os médicos não escolhem quem salvar durante o trabalho de parto

É verdade que, ocasionalmente, surgem complicações durante uma gravidez que levam os médicos a recomendar o parto para salvar a vida da mãe.

Se isto acontecer antes de um feto ser viável - menos de 24 semanas - as hipóteses de sobrevivência do bebé são baixas, observou Elizabeth Langen, médica de medicina materno-fetal do hospital Von Voigtlander da Universidade de Michigan.

A reversão do direito ao aborto tornou mais complicada a interrupção deste tipo de gravidez, dizem Langen e Haydanek. 

"Fazemos tudo o que está ao nosso alcance para salvar ambos, mãe e bebé", diz uma médica. Rattanachat/Adobe Stock

Em casos que envolvam um bebé não viável, pode significar que, mesmo quando é improvável que o bebé sobreviva e a saúde da mãe está em risco, a prioridade será salvar o bebé devido ao medo de problemas legais, admitiu Langen.

Mas ambas as médicas dizem que estes cenários não ocorrem durante o nascimento de um bebé viável. Neste caso, "Roe vs Wade" está "menos envolvido", disse Haydanek. 

"Fazemos tudo o que está ao nosso alcance para salvar ambos, mãe e bebé", garantiu. "Não consigo pensar num momento em que a equipa médica tenha tido de tomar uma decisão sobre quem salvar num parto. Não é um cenário real na medicina moderna – vemos isso apenas na televisão."

Os hospitais têm recursos suficientes - unidades de cuidados intensivos neonatais e de obstetrícia, por exemplo - para garantir as necessidades da mãe e do bebé, sublinharam Haydanek e Langen.

"Estamos sempre a fazer o nosso melhor para cuidar tanto da mãe como do bebé. E raramente ocorrem situações que exijam tomar uma decisão que possa prejudicar a mãe em benefício do bebé", acrescentou Langen.

"Se durante o parto a saúde da mãe se deteriorar, ela não vai ser capaz de manter o bem-estar do bebé", lembrou Langen. "E geralmente encorajamos a apoiar a saúde da mãe, porque isso é o melhor para a mãe e para o bebé."

Manifestantes pelo direito ao aborto seguram cartazes em frente ao Supremo Tribunal dos EUA em Washington depois do tribunal ter revertido a decisão, em junho de 2022. Yasin Ozturk/Agência Anadolu/Getty Images

Ambas as médicas referiram que é importante que as pacientes falem com os seus profissionais de saúde sobre as suas preocupações e partilhem os seus desejos de "Testamento Vital" com os seus familiares, caso surjam complicações durante o trabalho de parto que exijam que os parceiros tomem decisões médicas.

No entanto, essas decisões não envolverão médicos a perguntar ao seu parceiro que vida deverá estar em primeiro lugar, disseram.

"Antes de conversar com o seu parceiro sobre quem escolhem salvar primeiro, saiba que em nenhuma situação lhe iremos perguntar isso", garantiu Haydanek, que classificou esta tendência do TikTok "terrivelmente indutora de ansiedade".

A médica disse que viu tantos casos destes nos últimos meses, que decidiu gravar um vídeo e partilhar no TikTok para tranquilizar futuros pais.

"Por favor, não pense que tem de tomar esta decisão", diz no vídeo. "Sei em primeira mão como uma gravidez pode criar ansiedade, mas esta não é uma situação pela qual irá passar.”
 

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