Obama alerta para o facto de as instituições democráticas serem "frágeis", mas a acusação de Trump é a prova de que o Estado de direito ainda existe nos EUA
Por Kevin Liptak, CNN
As instituições democráticas nos Estados Unidos e em todo o mundo estão a ficar "frágeis", alerta o antigo Presidente Barack Obama numa entrevista exclusiva à CNN, e cabe aos líderes americanos encontrar formas de as manter no futuro.
Numa entrvista a Christiane Amanpour, da CNN, Obama diz que a acusação federal contra o seu sucessor Donald Trump é uma prova de que o Estado de Direito ainda reina - por enquanto - nos Estados Unidos. Afirmou ainda que o esforço ocidental para garantir a soberania da Ucrânia é vital para a proteção da democracia a longo prazo.
Mas Obama diz também que há sinais de que as normas democráticas estão a ser corroídas. Alertou para o facto de as desigualdades económicas e sociais dificultarem a manutenção de democracias saudáveis no futuro.
"Acredito que a democracia vencerá se lutarmos por ela", diz Obama nesta entrevista concedida em Atenas, onde está a debater questões relacionadas com a democracia. "As nossas instituições democráticas atuais são frágeis e vamos ter de as reformar."
Durante a entrevista, o antigo presidente apresenta uma visão abrangente das questões democráticas e políticas globais - incluindo a acusação de Trump no início deste mês, que Obama reconhece que envia uma mensagem pouco positiva para o resto do mundo.
"É menos do que o ideal", afirma. "Mas o facto de termos um antigo presidente que tem de responder a acusações apresentadas por procuradores defende a noção básica de que ninguém está acima da lei e de que as alegações vão ser agora resolvidas através de um processo judicial."
Obama considera que, mais preocupante do que as ações de Trump em si, é o esforço em curso e mais amplo parase "silenciar os críticos através de mudanças no processo legislativo" ou "intimidar a imprensa". Diz que esses esforços são "agora mais proeminentes no Partido Republicano" - "mas não acho que seja algo que seja exclusivo de um partido".
"Tendo sido presidente dos Estados Unidos, é preciso um presidente que leve a sério o juramento de posse. É preciso um presidente que acredite não apenas na letra, mas no espírito da democracia."
A viagem de Obama esta semana à Grécia marcou o regresso ao local de uma das suas últimas paragens no estrangeiro como presidente. Em 2016, pouco depois de Trump ter sido eleito seu sucessor, Obama saudou o poder duradouro da democracia americana a partir do antigo local de nascimento do sistema.
Naquela época, enquanto seus apoiantes no país e os seus colegas estrangeiros se preocupavam com o futuro sob Trump, Obama disse que a democracia americana era "maior do que qualquer pessoa".
Obama emprestou simbolismo ao seu compromisso com os ideais democráticos quando subiu à Acrópole no centro de Atenas e visitou o Partenon, o templo de 2.500 anos construído pelos gregos antigos dedicado à deusa Atena. Também visitou o museu construído perto do local que alberga antiguidades da época.
Desde a tomada de posse de Trump, as preocupações com a democracia americana e mundial só se intensificaram. As falsas declarações de Trump sobre as eleições de 2020 e a tentativa de insurreição que se seguiu no Capitólio dos EUA revelaram a fragilidade do sistema americano. E os autocratas de todo o mundo consolidaram o poder.
Encontrar-se com ditadores ou outros líderes antidemocráticos é apenas uma das facetas complexas da presidência americana, refere Obama, lembrando que lidou com muitas figuras com as quais não concordava durante o seu tempo na Sala Oval.
"É complicado", admite Obama. "O presidente dos Estados Unidos tem muitas ações. E quando eu era presidente, lidava com figuras que, nalguns casos, eram nossos aliados e que, se me pressionassem em privado, será que dirigiam os seus governos e partidos políticos de uma forma que eu diria ser idealmente democrática? Teria de dizer que não."
Estes comentários foram feitos poucas horas antes de a Casa Branca estender o tapete vermelho ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, numa visita oficial de Estado. Modi tem sido acusado por grupos de defesa dos direitos humanos de uma tendência para o autoritarismo, mas é também o líder da democracia mais populosa do mundo e é visto pela Casa Branca como um importante baluarte contra a crescente influência da China.
Obama citou o seu trabalho com o presidente chinês, Xi Jinping, sobre as alterações climáticas como um exemplo de como encontrar interesses comuns, mesmo com líderes com um historial de direitos humanos fraco. Esta semana, Biden comparou Xi a um ditador.
"É preciso fazer negócios com eles porque são importantes por razões de segurança nacional. Há, sabe, uma série de interesses económicos", aponta Obama.
"Penso que é apropriado que o presidente dos Estados Unidos, sempre que possa, defenda esses princípios e desafie - seja à porta fechada ou em público - as tendências que são preocupantes. Por isso, estou menos preocupado com os rótulos do que com práticas específicas", acrescenta Obama.
Modi tem demonstrado uma tendência para o autoritarismo que tem preocupado o Ocidente. Reprime a dissidência, tem como alvo jornalistas e introduziu políticas que, segundo grupos de defesa dos direitos humanos, discriminam os muçulmanos.
Obama reconhece que também trabalhou com Modi em matéria de alterações climáticas e noutros domínios. Mas afirma que a preocupação com a democracia indiana também deve fazer parte das conversações diplomáticas.
"Parte do meu argumento seria que, se não protegermos os direitos das minorias étnicas na Índia, existe uma forte possibilidade de a Índia, a dada altura, começar a separar-se. E já vimos o que acontece quando se começa a ter esse tipo de grandes conflitos internos", teme Obama.
Durante a sua estada na Grécia, Obama também se reuniu com os participantes do programa "Obama Foundation Leaders". Os líderes de África, da Ásia e da Europa participaram em sessões de grupo com o antigo presidente e fizeram apresentações sobre o seu trabalho para fazer avançar a democracia e encontrar soluções para questões sociais.
Nesta entrevista à CNN, Obama defende que nenhuma democracia pode prosperar com elevados níveis de desigualdade social ou económica. Utilizou o exemplo de um barco de migrantes sobrelotado que se afundou no Mediterrâneo este mês, matando centenas de pessoas e que recebeu comparativamente pouca atenção quando se compara com o submersível desaparecido em torno dos destroços do Titanic.
"De certa forma, é indicativo do grau de disparidade entre as oportunidades de vida das pessoas", lamenta.