Trabalhar 35 horas ou quatro dias por semana? Há um caminho que gera maior consenso - TVI

Trabalhar 35 horas ou quatro dias por semana? Há um caminho que gera maior consenso

Trabalho (CNN)

A esquerda parlamentar quer reduzir o horário de trabalho para as 35 horas semanais. O Governo está a estudar o modelo dos quatro dias. Mas, entre dúvidas e vontades, o tema está longe de gerar consenso. Os patrões nem querem ouvir falar dele. Mas os especialistas insistem que a produtividade (e a felicidade) podiam ficar a ganhar

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São três as propostas levadas a discussão esta sexta-feira no Parlamento, mas repete-se o propósito: reduzir a semana de trabalho, para todos, das 40 para as 35 horas semanais, deixando os setores públicos e privados no mesmo patamar. PCP, PAN e Livre voltam a uma bandeira antiga.

Mas o país tem discutido, nos últimos meses, a passagem para quatro dias de trabalho, prevista no programa eleitoral do PS. São duas realidades que se excluem mutuamente? Os partidos e especialistas ouvidos pela CNN Portugal insistem que não. O caminho, dizem, devia começar pela redução para as 35 horas semanais. Para depois, sim, implementar a semana de quatro dias de trabalho de uma forma generalizada.

“O percurso que tem sido feito nas sociedades mais desenvolvidas é um percurso em que as pessoas vão trabalhando menos e ganhando mais. Talvez fosse preferível implementarmos as 35 horas para todos. E a partir daí podermos caminhar para os quatro dias de trabalho, percebendo como as coisas se interligam na prática. Uma coisa é certa: o país aguenta!”, traça Gabriel Leite Mota, economista, especializado na área da Economia da Felicidade.

“Armadilha” dos quatro dias?

Na esquerda parlamentar, partilha-se desta visão. Primeiro, porque os efeitos da redução para as 35 horas são mais imediatos. Depois, porque o modelo de quatro dias de trabalho gera muitas dúvidas: quantas horas seriam por dia? Haveria perda de rendimento? Qual o grau de liberdade do trabalhador?

A deputada do PAN Inês de Sousa Real defende que “o equilíbrio devia começar por equipararmos o privado à Função Pública. E o projeto piloto [dos quatro dias] já devia ser com base nessa redução, com uma distribuição horária que não ponha em causa os outros dias”. É esse, insiste, o caminho para uma “economia do bem-estar e da felicidade”

“Naturalmente que uma coisa [redução para as 35 horas] não tem a ver com a outra. Em relação à jornada de quatro dias, é preciso garantir que não garante acréscimo de trabalho ou redução de rendimento”, aponta Alfredo Maia, deputado do PCP. Esse tem sido, aliás, um dos alertas dos sindicatos.

Para os comunistas, a redução para as 35 horas semanais “é uma questão de civilização, de justiça, de avanço social”. Já quanto ao modelo de quatro dias de trabalho, avisa Alfredo Maia, ele pode ser “uma armadilha”, com jornadas de trabalho mais longas e riscos de esgotamento a elas associadas.

Sem um acordo explícito da maioria absoluta do PS, os partidos esperam que as propostas sigam para a especialidade, para uma discussão mais aprofundada.

Cenários. Menos dias, jornadas maiores?

Se a semana de quatro dias avançar, colocam-se pelo menos três cenários no que respeita a horários. No primeiro, para manter as 40 horas semanais, a distribuição levaria a jornadas de trabalho de 10 horas. No segundo, mantendo apenas as oito horas diárias, seriam 32 horas por semana. No terceiro, com a passagem para as sete horas diárias, seriam 28 horas por semana.

“A discussão, mais do que sobre dias, tem de ser posta em termos horários. Se me falarem em quatro dias por semana, de 40 horas, sou contra, porque isso implica 10 horas por dia. Isso é um absurdo e clinicamente insustentável”, resume Gabriel Leite Mota.

O economista avisa que, com este novo modelo de trabalho, a sociedade tem de se repensar como um todo e as formas como as diferentes partes se ligam. “Se queremos a discussão dos 4 dias, temos de ter a discussão de como nos vamos coordenar coletivamente. Dá-nos muito jeito fazer compras às 11 da noite de um sábado. Mas há uma pessoa que tem de estar lá para nos atender”, exemplifica.

Mais um dia livre. Para trabalhar noutra coisa?

Uma das preocupações mais recorrentes é a de garantir que o novo dia livre seria efetivamente gasto em descanso e lazer – e não num segundo trabalho, tendo em conta o contexto de dificuldades económicas e as dúvidas sobre um eventual corte salarial num modelo de quatro dias, que obrigaria a compensar o dinheiro perdido.

Mas, na visão da psicologia, não é necessariamente negativo que esse novo dia livre seja gasto com atividades remuneradas. “As pessoas envolvem-se em outras atividades, algumas remuneradas. Mas como é outro tipo de trabalho, pode ser um ponto de satisfação. Do ponto de vista psicológico, o descanso pode ser ativo”, afirma Liliana Dias, especializada em Psicologia do Trabalho e das Organizações.

A psicóloga avisa que “se a pessoa perder rendimento com este enquadramento, a medida já não tem nenhum benefício”. E que, para ser efetiva, o trabalhador deve ser “envolvido na decisão”, escolhendo em que dia beneficia do descanso – e não sendo forçado a parar por decisão do patrão.

“Suicidário”. Patrões não querem ouvir falar em horários mais curtos

Portugal é o décimo país da União Europeia onde mais horas se trabalham por semana. Em média, 38. Um valor que fica acima da média comunitária a 27, que estava em 2021 nas 36,2 horas.

É sobretudo nos países de leste, como Bulgária, Eslovénia, Lituânia, Chéquia ou Hungria, que se trabalha mais do que em Portugal. Já em países como Espanha, Itália, França ou Luxemburgo, a média de horas trabalhadas por semana é inferior à portuguesa. Longe estão os Países Baixos, onde o indicador se fixa nas 30,9 horas.

Ainda assim, os patrões nacionais não querem ouvir falar de reduções de horário, seja pela via das 35 horas, seja pela via do modelo dos quatro dias.

“No entender da CIP, não se deve dar primazia a nenhuma delas. É prematuro e inoportuno. Estamos num momento de acrescidas dificuldades”, aponta António Saraiva. O presidente da Confederação Empresarial de Portugal alerta que existem diferentes realidades no país e que, por isso, o tema deve ser discutido setor a setor, empresa a empresa. “A conciliação faz-se por acordos, não por decretos”, resume.

Já para a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), qualquer redução de horários nesta fase seria “suicidário”. “Ambas as discussões não têm qualquer sentido. Porque temos um problema de produtividade, a que se acrescenta a falta de mão-de-obra”, diz o presidente João Vieira Lopes, alertando que a redução de 40 para 35 horas na Função Pública só veio acentuar “as dificuldades dos serviços”. Sobre as propostas que chegam agora ao parlamento, é categórico: “isso é populismo de esquerda”.

Produtividade (e os outros males da economia nacional)

Trabalhar menos horas pode ter, de facto, um impacto positivo na produtividade, pela melhor conciliação entre a vida pessoal e profissional. Liliana Dias, psicóloga, refere que os primeiros estudos começam agora a sair apontam nesse sentido, permitindo ganhos de bem-estar mas também económico - por exemplo, com menos gastos nas deslocações casa-trabalho. Mas com um alerta: “não podemos criar um cenário único para todos”.

A implementação de um modelo de quatro dias, diz, é mais difícil em setores que trabalham em praticamente em permanência, como a saúde, o retalho ou a indústria. “De forma faseada, temos de ir testando, percebendo que há setores onde essa medida pode não ser aplicável”, remata. Mas as 35 horas, pelo menos pela experiência acumulada, são possíveis para todos.

E, mesmo que o modelo de quatro dias ainda pareça uma realidade distinta, há outros hábitos antigos da vida laboral em demasia que Liliana Dias diz ser mais prioritário tratar: a cultura da “disponibilidade em demasia” e de “trabalhar depois da hora”.

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