Desde 1 de janeiro até final de junho de 2023, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), sinalizou 95 vítimas de tráfico humano em Portugal. Em 2022, o número total – do ano inteiro – tinha sido de 32. Ou seja, em apenas seis meses, o valor quase triplicou. Estas vítimas estão quase todas ligadas ao caso BSports Academy.
Segundo informação avançada à CNN Portugal, o SEF explica que "na sequência das operações levadas a cabo no primeiro semestre do ano em curso, e que foram já reportadas ao Observatório do Tráfico de Seres Humanos, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) sinalizou um total de 95 presumíveis vítimas associadas ao crime de tráfico de seres humanos (TSH), das quais 57 adultos e 38 menores". O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras sublinha, no entanto "que se tratam de dados provisórios".
O SEF adianta ainda à CNN Portugal que "relativamente às nacionalidades das presumíveis vítimas deste crime, tratam-se de 20 nacionalidades distintas, estando entre as mais relevantes a colombiana, a brasileira e a mexicana, com 22, 17 e 12 presumíveis vítimas registadas". Recorde-se que estes são dados relativos ao primeiro semestre de 2023.
Olhando apenas para o SEF, e para anos anteriores, em 2021 foram sinalizadas 54 vítimas; em 2020 foram identificadas 59 e, em 2019, tinham sido assinaladas 86. O número este ano, que representa apenas seis meses, é já mais alto que os valores dos últimos quatro anos.
Vejamos o seguinte quadro com informação também avançada pelo SEF, relativamente às vítimas sinalizadas e nacionalidades mais relevantes, entre 2018 e 2022:
Ano | Vítimas | Nacionalidades mais relevantes |
2018 | 59 | moldava e sul africana |
2019 | 86 | moldava, romena e angolana |
2020 | 59 | indiana, paquistanesa e romena |
2021 | 54 | moldava, romena e marroquina |
2022 | 32 | colombiana, brasileira, guineense-Bissau |
Dados nacionais com números de todas as policias
Também o Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH) divulga, anualmente, os dados com base na informação enviada por todas as polícias que investigam este crime. SEF, GNR, PSP e PJ. Mas há também denúncias de Organizações Não Governamentais (ONG) e outras entidades.
Olhando para os últimos quatro relatórios, de 2018 a 2021, (aqui já com os dados de todas as entidades) é fácil perceber que este crime tem aumento. O número apenas baixou em 2020 e isso facto pode estar relacionado com a pandemia de covid-19, que limitou a deslocação de pessoas em todo o mundo.
De referir, ainda, que nem todas as sinalizações se comprovam como verdadeiros casos de Tráfico Humano. As sinalizações são feitas perante suspeitas e, felizmente, muitas situações acabam por ter outras explicações e as investigações são encerradas. Por isso, as vítimas também são descritas como "presumíveis". Os dados aqui apresentados são das sinalizações.
Sinalizações | |
2018 | 203 |
2019 | 281 |
2020 | 229 |
2021 | 318 |
Em relação aos menores envolvidos no Tráfico Humano, os números revelaram-se mais ao menos estáveis, com exceção de 2020.
Menores sinalizados | |
2018 | 29 |
2019 | 25 |
2020 | 5 |
2021 | 24 |
Da análise dos relatórios Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH) também se conclui que a grande maioria das vítimas sinalizadas tinha como destino a exploração laboral. E que esta representa uma percentagem cada vez maior. Por exemplo, em 2021, 80% das vítimas sinalizadas eram para exploração laboral sendo que destas 74% era na área da agricultura. Em segundo lugar a uma distância considerável (11%) aparece a construção civil.
Depois da exploração laboral, mas com valores bastantes inferiores, aparece a exploração sexual. No caso do tráfico de menores já houve situações detetadas para adoção, mas são pontuais.
Além disso, nos últimos 5 anos (entre 2017 e 2021), em termos absolutos, o número de vítimas sinalizadas do sexo masculino é superior às do sexo feminino. Apenas em 2017, o sexo feminino teve um valor superior chegando aos 58%.
O último relatório disponível para consulta, o de 2021, mostra ainda que foram sinalizadas vítimas de 25 nacionalidades (em 2020 tinham sido 17 nacionalidades):
- Continente africano: 51,3%
- Continente europeu: 31,6%
- Continente asiático: 12,4%
- Continente americano: 4,7%
O caso chocante de uma jovem de 17 anos raptada no Gana
Nos seus relatórios anuais o Observatório do Tráfico de Seres Humanos divulga casos decorridos durante o ano mencionado, sejam detenções, sejam condenações. Algumas destas histórias são chocantes e mostram-nos uma realidade, da qual às vezes se parece duvidar.
Num desses relatórios encontramos o caso de uma jovem de 17 anos que foi alvo de exploração sexual por parte de uma cidadã estrangeira. Uma mulher que acabou condenada em 2019, num tribunal português (Porto), a seis anos de prisão e a pagar uma indeminização à vítima de 100 mil euros. A arguida estava acusada do crime de tráfico de pessoas para exploração sexual.
Mas até chegar a Portugal, onde acabou resgatada em 2017, o percurso da menor foi todo marcado por abusos. Fora raptada no Gana, mantida em cativeiro e transportada até à Líbia. Durante esse trajeto, incluindo no deserto, foi alvo dos mais variados abusos. Acabou por ser levada por traficantes de pessoas num barco e acabou em Itália.
Em Itália recebeu documentos e foi acolhida num centro de imigrantes. Todavia, dois homens da sua nacionalidade (Gana), e também traficantes, conseguiram desviá-la do centro. Foi levada para um apartamento em Roma, onde foi novamente alvo de abusos.
Depois trouxeram a vítima de Roma até à cidade do Porto e, mais uma vez, ficou retida numa casa, sob as ordens da mulher condenada. Esta ameaçou fazer mal aos pais conseguiu subjugar a menor e submetê-la a tudo o que queria. Foi obrigada a prostituir-se nas ruas da cidade e todos os ganhos dessa atividade revertiam a favor da, entretanto, condenada. A menor manteve relações sexuais com cerca de 10 homens por noite, durante o período em que foi explorada.
Adolescente aliciado numa rua em Luanda
Noutro relatório encontramos o caso de um suspeito, de nacionalidade estrangeira, de tráfico de seres humanos detido no Aeroporto de Lisboa e a quem foi decretada prisão preventiva. Foi detido na posse de documentos de um adolescente de 15 anos.
O menor foi aliciado pelo homem, numa rua de Luanda, em Angola, para uma viagem à Europa. No decorrer da viagem disse-lhe que seguiriam para Cabo Verde, onde um grupo aguardava a sua chegada. Assim que chegou a Lisboa, o adolescente fugiu e acabou por ser encontrado pelo SEF.
Segundo a investigação, a abordagem ao menor aconteceu em fevereiro de 2020, numa rua em Luanda. O detido perguntou-lhe se queria passear para o estrangeiro com outro menor, ao que este acedeu. Na viagem só vinham os dois. Não havia outro menor.
Após a fuga do menor, no aeroporto de Lisboa, o arguido fugiu e regressou para o seu país de destino, local onde lhe foi recusada a entrada. Acabou obrigado a regressar ao aeroporto de Lisboa, onde foi detido. Na sua posse ainda tinha os documentos do adolescente.