O Tribunal de Contas chumbou a compra pela Transtejo, por ajuste direto, de baterias para nove navios elétricos novos e considerou que foi enganado pela empresa quando aprovou a compra dos catamarãs, remetendo o caso para o Ministério Público.
Em causa está a compra de nove baterias, pelo valor de 15,5 milhões de euros, num contrato adicional a um outro contrato já fiscalizado previamente pelo Tribunal de Contas (TdC) para a aquisição, por 52,4 milhões de euros, de dez (um deles já com bateria, para testes) novos navios com propulsão elétrica a baterias, para assegurar o serviço público de transporte de passageiros entre as duas margens do Tejo.
“A Transtejo comprou um navio completo e nove navios incompletos, sem poderem funcionar, porque não estavam dotados de baterias necessárias para o efeito. O mesmo seria, com as devidas adaptações, comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais, reservando-se para um procedimento posterior a sua aquisição”, considerou o TdC.
Segundo o Tribunal, “o comportamento da Transtejo, com a prática de um conjunto sucessivo de decisões que são não apenas economicamente irracionais, mas também ilegais, algumas com um elevado grau de gravidade, atinge o interesse financeiro do Estado e tem um elevado impacto social”.
O contrato inicial, com o prazo de execução de três anos, foi celebrado, após concurso público, com a empresa espanhola Astilleros Gondán, empresa a que a Transtejo entendeu, através de uma aditamento no contrato, comprar posteriormente, por ajuste direto, as “nove baterias que não faziam parte, por opção sua, do contrato de aquisição dos navios (e uma bateria)”. A Gondán, por sua vez, compraria as baterias ao fabricante, a Corvus Energy, para as revender à Transtejo. A Transtejo alegou que já teria tentado comprar as baterias, por ajuste direto, ao fabricante, mas este recusou.
O TdC destacou que, “recorrendo a regras de experiência e de conhecimento, mesmo básico, da realidade empresarial, a resposta só pode ser uma: havendo um intermediário, aumenta o preço”.
“Veio a ser adotada uma solução técnica que implicava a sua aquisição somente ao seu fornecedor, que poderia, pois, fixar o preço, dada a dependência económica, pelo período de tempo de vida útil dos navios. A Transtejo diz que decorreu do resultado do concurso. Contudo, quem elaborou o concurso nestes termos, definiu as peças do procedimento e as avaliou, em todas as suas vertentes, foi a Transtejo. E essa solução, objetivamente, tinha potencial para só por si favorecer o concorrente que ganhou o concurso”, explicou o TdC.
Aditamento ao contrato para compra de baterias "é ilegal"
Especificamente quanto ao aditamento ao contrato para a aquisição das baterias, o TdC não tem dúvidas: “É ilegal com dois fundamentos: a violação dos princípios da concorrência e da igualdade”, porque iria criar “uma dependência da entidade pública relativamente a um fornecedor”, e a violação do Código dos Contratos Públicos, por falta de preenchimento dos requisitos para a modificação objetiva do contrato.
Segundo a entidade fiscalizadora, nas respostas aos pedidos de esclarecimento, “a Transtejo disse ao Tribunal de Contas, num curto período de tempo, uma coisa e o seu contrário para justificar os contratos que submete” e até “faltou à verdade” quando submeteu o primeiro contrato a fiscalização prévia.
“Os pressupostos em que o tribunal tomou a decisão de concessão de visto [no primeiro contrato submetido] foram incorretos, porque a entidade faltou à verdade. Sendo que se tivessem sido prestadas ao tribunal as informações corretas - como deveria ter sido feito - a decisão do tribunal poderia ter sido -, à luz do que se acabou de expor e da própria jurisprudência do tribunal nesta matéria - a de recusa do visto”, acrescentou.
Na avaliação de todo o procedimento, e tendo em conta as justificações apresentadas, o TdC considerou que o princípio da boa administração “foi aqui clamorosamente violado, com consequências sérias para o interesse financeiro público”, uma vez que foram comprados nove navios “incompletos, que não podem cumprir a sua função básica de navegar”, pelo que “é mais inexplicável e surpreendente ainda que gestores públicos, sujeitos à regra de um gestor diligente, tanto em termos de esforço como de competência técnica, especialistas em gestão, com o dever de zelarem pelos recursos públicos”, tenham adotado esta decisão.
Por isso, tendo em conta “o quadro geral que resulta de toda a análise efetuada, nomeadamente das decisões tomadas no âmbito dos dois contratos submetidos a fiscalização, é suscetível de gerar fundadas suspeitas quanto à eventual existência de responsabilidade que possa ir para além dos fundamentos de recusa deste visto, pelo que se ordenará a remessa de certidão do presente acórdão ao Ministério Público, a quem caberá aferir da necessidade de instauração de procedimento tendente ao completo apuramento de tais responsabilidades”, concluiu a entidade.
A Transtejo é responsável pela ligação do Seixal, Montijo, Cacilhas e Trafaria/Porto Brandão, no distrito de Setúbal, a Lisboa, enquanto a Soflusa faz a travessia entre o Barreiro, também no distrito de Setúbal, e o Terreiro do Paço, em Lisboa.
As empresas têm uma administração comum.