O mundo ficou mais perigoso quando Putin suspendeu o envolvimento no tratado New START. Eis porquê - TVI

O mundo ficou mais perigoso quando Putin suspendeu o envolvimento no tratado New START. Eis porquê

EUA e Rússia deixam de poder inspecionar a indústria nuclear do outro país e isto pode promover uma corrida ao armamento

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Os Estados Unidos e a Rússia têm uma colaboração muito antiga no que toca à produção e redução de armas nucleares. Desde a Guerra Fria que foram sendo criados vários tratados entre os dois países, mas o único grande acordo que ainda se mantinha de pé era o New START - cujo prazo termina em fevereiro de 2026. Contudo, Vladimir Putin decidiu suspender o seu envolvimento neste pacto.

O presidente russo anunciou a decisão durante o discurso do estado da nação, explicando que a suspensão se iria manter até Putin perceber o que é que o Ocidente e a NATO pretendem desta guerra. "Eles querem infligir-nos uma 'derrota estratégica' e tentar chegar às nossas instalações nucleares ao mesmo tempo", disse.

Horas mais tarde, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia disse que, afinal, "a decisão de suspender o tratado New START pode ser reversível". Mas o que significa uma suspensão deste tratado?

Na perspetiva de Luís Guimarais, doutorado em Física Nuclear no Instituto Superior Técnico (IST), este tratado - assinado em Praga em abril de 2010 e que entrou em vigor em fevereiro do ano seguinte - tem servido para "reciclar", ou seja, "para transformar ogivas nucleares em combustível para centrais". Para além disso, o New START servia para impor um teto máximo no arsenal que tanto os Estados Unidos como a Rússia poderiam ter, quer a nível de ogivas, de submarinos e de vetores de lançamento.

Com a suspensão deste acordo, acredita o major-general Agostinho Costa, "vai haver uma nova corrida no armamento nuclear" que poder vir a tornar-se "uma enorme dor de cabeça" e "tirar o sono aos americanos". Principalmente se nesta corrida entrar mais um país: a China. Recorde-se que a Rússia, os Estados Unidos e a China são o três países do mundo com mais ogivas nucleares, respetivamente. 

Para além disto, existe um outro fator que preocupa os especialistas. Este tratado assinado, na altura, pelos presidentes Barack Obama e Dmitry Medvedev previa a realização de inspeções para verificar se as regras estavam a ser cumpridas. A Rússia poderia inspecionar o sistema norte-americano 18 vezes por ano e vice-versa. No entanto, ambos os países suspenderam as inspeções mútuas desde o início da pandemia de covid-19, mas Moscovo, no âmbito do conflito na Ucrânia, recusou-se, no outono passado, a permitir o seu recomeço. 

Para Luís Guimarais estas inspeções são de extrema importância porque "são feitas por pessoas que sabem o que estão a fazer" e, por isso mesmo, torna-se "quase impossível esconder o que está a ser feito e não se detetar algo que estivesse fora do normal". E relembrou: "a Rússia tem a maior indústria nuclear do mundo. O querer esconder alguma coisa é logo uma bandeira vermelha". 

"E há aqui uma outra coisa que me preocupa: a facilidade que a Rússia tem de exportar esta tecnologia para países terceiros, como se viu no caso do Irão. Ou seja, pode não ser a Rússia a utilizar este material. Com as inspeções regulares, se fosse detetado material em falta, era porque tinha sido exportado para algum lado", acrescentou. 

"Os russos estão mais avançados"

Com uma visão diferente, Agostinho Costa, especialista em Assuntos de Segurança, vê com alguma sensatez o facto de o presidente da Rússia ter suspendido o envolvimento neste pacto. "Como é que Vladimir Putin pode, agora, negociar com os Estados Unidos se estes querem a derrota russa e a queda do regime? Estando numa posição de força, porque estão, negoceiam consoante as suas cláusulas", afirmou. 

"Neste momento, em termos tecnológicos, os russos estão mais avançados. Por isso é que o Ocidente não entra nesta guerra. Os russos ganharam a corrida para os misseis hipersónicos [Avangard] e não há sistemas anti-mísseis hipersónicos. Se houver uma guerra nuclear, os Estados Unidos arriscam-se a perder, portanto, a doutrina que eles tinham mudou." 

Esta tarde, em declarações à Antena 1, o embaixador português na NATO, Pedro Costa Pereira, disse que isto pode significar uma maior instabilidade da segurança internacional: "Aquilo que é um mundo mais incerto e perigoso com que nos confrontamos hoje, fica ainda mais incerto. (...) E é uma pena porque todos nós vivemos mais seguros num mundo em que há um controlo da dimensão do armamento nuclear e, a partir do momento em que a Rússia suspende a sua participação, evidentemente que o número de ogivas nucleares retorna à situação que prevalecia" antes da existência do START. 

No fundo, em termos práticos, e sem qualquer controlo ao nível de inspeções, isto pode levar a uma corrida armamentista e a Rússia pode vir a produzir armamento nuclear em série. Contudo, tem-se falado muito no facto de Vladimir Putin utilizar o tema 'nuclear' como uma espécie de arma psicológica, porque, apesar de ter invadido um país soberano, não deixa de ser um líder racional que sabe que uma guerra nuclear nunca se ganha. 

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