Foge dos treinos ao ar livre porque está frio? Pode estar a desperdiçar um gasto extra de calorias e uma mão cheia de benefícios - TVI

Foge dos treinos ao ar livre porque está frio? Pode estar a desperdiçar um gasto extra de calorias e uma mão cheia de benefícios

Treino ao ar livre no inverno (Freepik)

A temperatura baixa é das desculpas mais comuns na hora de tentar escapar a um treino ao ar livre durante o inverno, mas fique a saber que há benefícios e os riscos de lesão não são tão diferentes de como treinar com calor. Dois especialistas revelam tudo o que tem de ter em conta

O despertador toca, mas o quentinho da cama é mais forte do que a vontade de manter uma rotina de corrida. O dia de trabalho acaba e tudo o que quer é um sofá e uma manta quente e a ideia de ir treinar para um ginásio ao ar livre é tudo menos tentadora. O frio é, de facto, um dos principais impeditivos para a prática de exercício ao ar livre, mas a verdade é que há um conjunto de vantagens que prometem fazê-lo pensar duas vezes antes de escapar ao treino. 

Treinar ao ar livre com temperaturas baixas pode ser excelente, o exercício com frio pode mesmo aumentar o gasto calórico, fortalece o sistema imunitário e proporciona uma sensação revigorante, temos apenas que nos vestir adequadamente para nos mantermos confortáveis e seguros”, começa por dizer Hugo Pombo, fisiologista do exercício.

Se ficou preso no gasto extra de energia, temos números para si: “O exercício em ambientes frios pode aumentar o dispêndio energético em cerca de 10 a 40% relacionado com o volume ou peso da roupa ou equipamentos”, destaca Vítor Brás da Silva, coordenador do Serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Hospital Lusíadas Lisboa.

Apesar de haver o receio de um maior risco de lesão à boleia do frio - receio esse que é válido, pois o risco existe -, praticar exercício “em ambientes frios pode melhorar a resistência aeróbia e contribuir também para o aumento da exposição solar nos meses de outono/inverno”, melhorando os níveis de vitamina D, destaca Vítor Brás da Silva. (Há protetores solares próprios para os treinos ao ar livre e, sim, no inverno também deve proteger a sua pele).

Os dois especialistas explicam que o frio, por si só, não é uma causa direta para um maior risco de lesão, mas é preciso ter em consideração alguns aspetos antes de aventuras ao ar livre quando as temperaturas estão baixas (assim como quando as temperaturas estão demasiado altas). 

Hugo Pombo, também diretor técnico e coordenador do Private Gym by Fisiogaspar, explica que o frio faz com que os músculos fiquem “mais tensos e contraídos” e que isso pode, de facto, aumentar o risco de lesão, mas apressa-se a dizer que é possível evitar danos maiores com o simples hábitos como fazer um bom aquecimento (do qual falaremos mais à frente) e de “ajustar o treino” e adequá-lo às condições climatéricas, evitando, por exemplo, treinos com pausas prolongadas entre exercícios.

Além disso, há outros fatores a considerar para reduzir a probabilidade de se lesionar, como é o caso do vestuário, que deve ser adequado à temperatura ambiente, sendo a já velha estratégia das “várias camadas” uma opção, sugere Hugo Ponto. E o que é que isso quer dizer? “Podemos e devemos vestir roupas térmicas para manter a temperatura corporal, adicionar uma camada mais forte para reter o calor e por fim finalizar com uma camada externa resistente ao vento e à água”, explica o fisiologista do exercício, alertando ainda para a importância de proteger as extremidades, “como as mãos, pés e cabeça com luvas, meias e gorros, pois são áreas que estão mais expostas e por onde se também se perde calor”. 

“É fundamental garantir a estabilidade da temperatura corporal através da utilização de vestuário adequado o que limita o dispêndio energético relacionado com a regulação da temperatura corporal, com potenciais repercussões a nível da performance”, diz o médico Vítor Brás da Silva. E há um número que deve decorar: três. Este é o número de camadas adequado para um treino ao ar livre quando está frio.

Recomenda-se tipicamente a utilização de três camadas em ambiente frio: uma camada interna, leve, de poliéster ou polipropileno, em contacto direto com a pele, que não absorva a humidade e permita que esta se dissipe para camadas exteriores, onde se possa evaporar; depois uma camada intermédia, polar ou lã que constitui o isolamento primário; e por fim uma camada exterior que permita a transferência de humidade para o ar e seja, simultaneamente, resistente ao vento e chuva”, explica o médico. 

Todos os exercícios são válidos, mas a performance pode mudar 

À partida, todos os exercícios e treinos podem ser praticados ao ar livre quando a temperatura é baixa, mas é possível que alguns sejam mais fáceis de praticar ou que proporcionem resultados melhores ou piores conforme o clima. 

A maioria dos exercícios pode ser praticada ao ar livre no inverno, de qualquer forma as atividades de maior intensidade podem ser mais desafiantes”, reconhece Hugo Pombo, explicando que, com o frio, “o corpo precisa trabalhar mais para manter a temperatura corporal, podendo levar a fadiga mais precoce”.

Vítor Brás da Silva indica ainda que “alguns cenários de atividade em ambiente frio como o exercício em imersão, com chuva ou vento, impedem a manutenção da temperatura corporal, o que contribui para o aumento de risco de hipotermia, diminuição da capacidade de exercício e da performance”. Deste modo, o médico desaconselha a prática de “modalidades desportivas em meio aquático”, bem como a de “outras modalidades na presença de chuva ou vento forte, sobretudo se não for utilizado vestuário adequado ou por períodos prolongados”.

Para que a prática de exercício em ambientes frios seja segura, Hugo Pombo aconselha também, “sempre que possível”, à realização “em sítios fechados” de atividades que exijam “períodos de pausas ou recuperação durante a realização das mesmas”, pois, assim é possível uma melhor “manutenção da temperatura corporal”. Aqui, incluem-se, por exemplo, os treinos de força ou de circuito, em que há pausas entre blocos de exercício. “No entanto, adaptando-nos ao clima pode tornar qualquer exercício ao ar livre possível e revigorante”, destaca.

Aquecer mais para aguentar o frio e arrefecer sem parar 

Independentemente da temperatura ambiente, o aquecimento é fundamental para que a prática de exercício físico seja segura e prazerosa, mas quando o frio aperta, o recomendado é que o período de aquecimento seja “mais prolongado do que o habitual para outros níveis de temperatura”, esclarece o médico Vítor Brás da Silva, aconselhando a realização de exercícios de aquecimento entre cinco a dez minutos antes do treino ou da corrida ao ar livre.

“A realização de formas dinâmicas de alongamento, com aumento gradual do ritmo e intensidade, ajuda a preparar as articulações e a melhorar o fluxo sanguíneo periarticular e, sobretudo, muscular, minimizando o impacto das variações de temperatura exterior durante a prática de atividade física”, destaca Vítor Brás da Silva.

Hugo Pombo defende que “um bom aquecimento é crucial” e aconselha “exercícios de mobilidade geral, saltos, corridas leves, entre outros, de forma a preparar os músculos e toda a estrutura para atividades e/ou exercícios mais intensos”. Para um treino de força ao ar livre, o fisiologista aconselha a começar com um “pequeno trabalho cardiovascular para aumentar a irrigação sanguínea”, seguindo-se depois “movimentos mais específicos para os grupos musculares que serão trabalhados, como os agachamentos ou as flexões”. 

“Devemos adaptar sempre o aquecimento à atividade que irá ser realizada”, adverte Hugo Pombo, destacando que, no caso da corrida, importa realizar um aquecimento diferente, começando “com uma caminhada rápida, seguida de mobilidade articular focada nos membros inferiores”. 

Mas tão importante como aquecimento é o arrefecimento corporal quando se treina com a temperatura ambiente baixa. “O arrefecimento ativo constitui também uma das medidas importantes para a prevenção de lesões”, assegura o médico Vítor Brás da Silva, explicando que “a diminuição progressiva do ritmo e intensidade de treino” são cruciais nos dias mais frios. Para além disso, “devem ser realizados exercícios de estiramento suave, sobretudo dos grupos musculares trabalhados”, sugere o médico. 

Quem deve ter mais cuidado com os treinos ao frio?

Apesar de o Colégio Americano de Medicina Desportiva (American College of Sports Medicine, em inglês) defender “que a prática de exercício pode ser realizada na maioria dos ambientes frios sem aumento significativo de risco de lesões”, como diz Vítor Brás da Silva, há condições físicas e de saúde que requerem uma atenção extra, sobretudo quando em causa está a prática de exercício sem o devido acompanhamento de um profissional.

“O frio pode representar um risco de morbilidade e mortalidade adicional em populações de risco”, diz o médico, dando como exemplo quem sofre de doenças cardiovasculares e de asma. “No último caso, a inalação de ar frio pode desencadear a exacerbação desta patologia”, acrescenta o coordenador do Serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Hospital Lusíadas Lisboa, que alerta ainda para a avaliação da “composição corporal, do estado de saúde, do estado nutricional, da idade e intensidade do esforço”, outros fatores em jogo na hora de avaliar os riscos do treino ao ar livre durante o inverno.

Vítor Brás da Silva nota ainda a importância de uma maior monitorização por parte de quem tem privação de sono ou doenças endocrinológicas, como hipotiroidismo, diabetes, hipopituitarismo. Quem tem “patologia neurológica central, como AVC, doença de Parkinson, esclerose múltipla, traumatismos vertebro-medulares, ou infeções ativas” e outras doenças que possam comprometer o sistema imunitário, o mais acertado é a pessoa aconselhar-se antes de qualquer aventura desportiva a temperaturas baixas, tal como quem sofre com “lesões que condicionem uma alteração do efeito de barreira da pele (psoríase, feridas, queimaduras, dermatites) ou apresenta um baixo teor de gordura corporal”, conclui o médico.

Frio reduz a sensação de sede, mas o seu corpo vai precisar de água

Os ambientes frios, por norma, diminuem “o estímulo de sede”, o que, por si só, faz com que muitas pessoas não se hidratem adequadamente durante e depois do treino, mas as temperaturas frias são, na verdade, um fator a ter em conta na hora de hidratar, pois “podem aumentar as perdas de fluidos corporais e o aumento de risco de desidratação com impacto negativo sobre a performance desportiva”, adverte o médico Vítor Brás da Silva.

O fisiologista do exercício Hugo Pombo diz mesmo que, “com o frio, a hidratação ganha um papel de extrema importância”, pois “o ar frio e seco faz aumentar a perda de líquidos durante a respiração, portanto devemos manter uma boa ingestão hídrica antes, durante e após o treino”. 

“Não devemos nunca subestimar a importância da hidratação, mesmo com temperaturas baixas”, adverte Hugo Pombo.

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