20 anos do tribunal onde muitos queriam ver Putin: veja como funcionam os processos por crimes de guerra - TVI

20 anos do tribunal onde muitos queriam ver Putin: veja como funcionam os processos por crimes de guerra

  • CNN
  • Análise por Zachary B. Wolf (publicada originalmente no dia 11 de abril)
  • 1 jul 2022, 10:00
Tribunal Penal Internacional. Foto: AP

O Tribunal Penal Internacional (TPI), um tribunal composto por 123 estados de todo o mundo, começou a funcionar a 1 de julho de 2002

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As chocantes atrocidades na Ucrânia amplificaram os apelos para avançar com acusações de crimes de guerra contra o presidente russo Vladimir Putin.

As imagens de pelo menos 20 corpos espalhados pela rua em Bucha, na Ucrânia, surgiram no início de abril, após a retirada das forças russas da zona, levando o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky a pedir o fim dos “crimes de guerra” russos. E pelo menos 50 mortos resultantes de um ataque russo com mísseis a uma estação de comboios na cidade oriental de Kramatorsk - onde os civis aguardavam comboios de evacuação para regiões mais seguras do país - levaram Zelensky a dizer: “Esperamos uma resposta firme e global a este crime de guerra.”

Já havia um coro alto e crescente de apelos ao Tribunal Penal Internacional para processar Putin pela invasão não provocada, e o governo dos EUA, em março, declarou formalmente que membros das Forças Armadas russas tinham cometido crimes de guerra.

O principal procurador de crimes de guerra do TPI visitou a Ucrânia para investigar, e a Embaixada dos EUA em Kiev argumentou, nos primeiros dias da guerra, que certos ataques russos constituíam crimes de guerra.

“É um crime de guerra atacar uma central nuclear”, publicou a embaixada no seu Twitter oficial, a 4 de março. “O bombardeamento de Putin à maior central nuclear da Europa leva o seu reinado de terror um passo mais à frente.”

O bombardeamento russo a hospitais e a um teatro onde crianças procuravam refúgio, juntamente com o potencial uso de bombas de fragmentação e das chamadas bombas a vácuo, em áreas densas com muitos civis, também foram descritos como crimes de guerra.

“A lei é clara em relação isso. É um crime atingir civis intencionalmente, é um crime atingir alvos civis intencionalmente”, disse a Anderson Cooper, da CNN, Karim Khan, procurador-chefe do TPI. Mas Khan acrescentou que há um ónus da prova e um processo que deve decorrer.

Eis uma visão muito ampla dos crimes de guerra e ao movimento de justiça internacional.

Nota: Parte do que se segue vem da biblioteca de pesquisa da CNN, que compilou informações sobre o Tribunal Penal Internacional.

O que é um crime de guerra?

O Tribunal Penal Internacional tem definições específicas para genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crime de agressão. Pode ler mais sobre eles no guia publicado pelo TPI.

Especificamente, ter como alvo populações civis, violar as Convenções de Genebra, ter como alvo grupos específicos de pessoas, entre outros, podem ser potenciais crimes de guerra russos.

Khan disse que podem acontecer ataques justificados em áreas civis se estiverem a ser usados ​​para lançar ataques. Mas, mesmo assim, disse ele, os ataques em áreas civis não podem ser exagerados.

Existe um método de recolha de evidências de testemunhos e imagens de satélite, entre outros, para responder ao ónus da prova.

O que é o Tribunal Penal Internacional?

Localizado em Haia, nos Países Baixos, e criado por um tratado chamado Estatuto de Roma, apresentado pela primeira vez às Nações Unidas, o Tribunal Penal Internacional opera de forma independente.

A maioria dos países do mundo - 123 – fazem parte do tratado, mas há exceções muito grandes e notáveis, incluindo a Rússia e os EUA. E, por falar nisso, a Ucrânia.

Quem pode ser julgado pelo tribunal?

Qualquer pessoa acusada de um crime que se enquadre na jurisdição do tribunal, que inclui países que são membros do TPI, pode ser julgada. O tribunal julga pessoas, não países, e concentra-se naqueles que detêm a maior responsabilidade: os líderes e os representantes. Embora a Ucrânia não seja membro do tribunal, já tinha aceitado a sua jurisdição.

Portanto, Putin poderia, teoricamente, ter sido indiciado pelo tribunal por ordenar crimes de guerra na Crimeia.

No entanto, o TPI não realiza julgamentos à revelia. Como tal, Putin teria de ser entregue pela Rússia ou detido fora da Rússia. Isso parece improvável.

Quais são os crimes de que o tribunal trata?

O TPI destina-se a ser um tribunal de “último recurso” e não pretende substituir o sistema de justiça de um país. O tribunal, que tem 18 juízes que cumprem mandatos de nove anos, julga quatro tipos de crimes: genocídio, crimes contra a Humanidade, crimes de agressão e crimes de guerra.

Como é que o TPI instaura processos?

Os processos judiciais podem ser instaurados de duas maneiras. Ou um governo nacional ou o Conselho de Segurança da ONU podem encaminhar casos para investigação.

A Rússia, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, tem poder de veto sobre as ações do conselho. Foram os pedidos de 39 governos nacionais, a maioria europeia, que desencadearam a atual investigação.

Khan disse anteriormente à CNN: “Quero sublinhar que estou disposto a falar com todos os lados. Não apenas com o lado ucraniano, mas também com a Federação Russa, os partidos estatais e não estatais. Esta não é uma instituição política. Não fazemos parte das divisões geoestratégicas ou geopolíticas que testemunhamos no mundo inteiro.”

O que investigará o TPI em relação à Ucrânia?

Na nova investigação sobre os possíveis crimes de guerra da Rússia, o TPI disse que analisará todas as ações na Ucrânia de 2013 até ao presente.

A Rússia entrou pela primeira vez na Crimeia, que fazia parte da Ucrânia, em 2014. O TPI já estava a investigar a repressão a manifestantes por parte de um governo ucraniano anterior que era pró-Rússia. Esta nova disposição parece reunir todos os potenciais crimes de guerra.

Quanto tempo demoram estas investigações?

Se a justiça, no geral, é lenta, a justiça internacional quase não se mexe. As investigações no TPI demoram muitos anos. Apenas conseguiram uma mão cheia de condenações.

Uma investigação preliminar às hostilidades no leste da Ucrânia demorou mais de seis anos - de abril de 2014 a dezembro de 2020. Na altura, o procurador disse que havia indícios de crimes de guerra e de crimes contra a Humanidade. Os passos seguidos foram abrandados pela pandemia de covid-19 e pela falta de recursos no tribunal, que está a conduzir várias investigações.

Essa perceção de uma justiça lenta e ineficaz testará o sistema do Direito Internacional, disse Khan a Cooper.

“Este é um teste para o tribunal. É um teste para mim, é um teste para o gabinete”, disse ele.

O que são bombas de fragmentação e bombas de vácuo?

Além dos ataques a hospitais e a edifícios civis de apartamentos, o temido uso de armas proibidas destinadas a matar sem discriminação é outro crime de guerra muito específico.

Com uma bomba de fragmentação, um míssil é disparado e explode a milhares de metros, no ar, libertando bombas mais pequenas que detonam quando caem no chão. Veja uma ilustração no The Washington Post. A Amnistia Internacional disse que uma bomba de fragmentação russa caiu num jardim de infância ucraniano.

As “bombas de vácuo” ou armas termobáricas, sugam o oxigénio do ar circundante para gerar uma explosão poderosa e uma grande onda de pressão que podem ter enormes efeitos destrutivos. A Rússia usou-as anteriormente na Chechénia.

“Isto é genocídio”

A Rússia enfrentou mais acusações de crimes de guerra depois de as suas forças se terem retirado das zonas próximas a Kiev, incluindo Bucha, após a tentativa fracassada de cercar a capital.

Questionado durante uma entrevista à CBS, no início de abril, sobre se a Rússia estava a levar a cabo um genocídio no seu país, com base nas imagens de Bucha, Zelensky disse: “É verdade. Isto é um genocídio.”

As alegadas atrocidades em Bucha provocaram a indignação dos líderes fora da Ucrânia, com os líderes ocidentais, incluindo o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, a pedir investigações aos crimes de guerra e um aumento das sanções à Rússia.

“Desde a agressão, afirmámos acreditar que as forças russas cometeram crimes de guerra, e estamos a trabalhar para documentar isso mesmo, para fornecer as informações que temos às instituições e organizações relevantes que depois construirão um caso. E alguém tem de ser responsabilizado por isto”, disse ele à CNN.

A CNN não conseguiu confirmar de forma independente os pormenores em torno das mortes.

Porque seria diferente um processo na Ucrânia?

A indignação internacional contra a Rússia é única e pode dar ao tribunal a capacidade de operar de maneira diferente, segundo Ryan Goodman, professor de Direito da Universidade de Nova Iorque e coeditor-chefe do Just Security, um fórum online.

“É difícil avaliar a investigação do TPI com base em práticas passadas”, disse Goodman por e-mail, depois de o tribunal ter iniciado a investigação. “No caso da Ucrânia, o procurador é apoiado por uma extraordinária manifestação de apoio de dezenas de países, que espero que seja seguida por uma infusão de recursos.”

De que forma é que um caso do TPI afetaria o conflito?

“Para melhor ou para pior, a investigação do TPI pode afetar o espaço diplomático para as negociações”, disse Goodman, argumentando que Putin e outros russos podem não querer correr o risco de serem presos se viajarem para fora do país.

A investigação também poderia, segundo ele, enfraquecer Putin em casa.

“Os russos podem acabar por perceber que é mais uma razão pela qual Putin já não pode servir o país”, disse Goodman.

O que acontecia antes do TPI?

Julgamentos anteriores por crimes de guerra foram realizados por tribunais especiais da ONU, como foi o caso da antiga Jugoslávia, com foco no autocrata sérvio Slobodan Milosevic, e também no caso do genocídio no Ruanda.

Tudo isso decorre do precedente dos Julgamentos de Nuremberga para levar os nazis à justiça após a Segunda Guerra Mundial, realizados pelos Aliados, incluindo os EUA, a União Soviética, a França e a Alemanha.

Portanto, é interessante que nem os EUA nem a Rússia sejam membros do TPI.

Porque não são os EUA e a Rússia membros do TPI?

Tanto os EUA como a Rússia assinaram o tratado que criou o tribunal - ou seja, os seus líderes assinaram o tratado - mas nenhum dos países é membro do tribunal.

A Rússia saiu do tribunal em 2016, dias depois de um relatório do TPI ter publicado o que a CNN apelidou de “veredito condenatório” sobre a ocupação russa da Crimeia em 2014. O tribunal também iniciou uma investigação em 2016 aos esforços da Rússia em 2008 de apoiar as regiões separatistas na Geórgia.

Na altura, França também acusou a Rússia de cometer crimes de guerra na Síria.

Quanto aos EUA, embora o presidente Bill Clinton tenha assinado o tratado que criou o tribunal em 2000, ele nunca recomendou que o Senado o ratificasse.

A Administração de George W. Bush, sob uma quantidade razoável de críticas, retirou os EUA do tratado, em 2002. O Pentágono e muitos legisladores dos EUA opunham-se há muito à adesão a um sistema penal internacional, uma vez que poderia expor os militares norte-americanos a alegações de crimes de guerra.

“O presidente (George W. Bush) acha que o TPI tem falhas de base porque coloca os homens e mulheres das Forças Armadas dos EUA em risco de serem julgados por uma entidade que está além do alcance dos Estados Unidos, além das leis dos Estados Unidos e pode sujeitar civis e militares norte-americanos a padrões judiciais arbitrários”, disse o então secretário de imprensa da Casa Branca, Ari Fleischer.

Como é que os EUA apoiaram o tribunal?

Opor-se à entrada dos Estados Unidos no tribunal não significava que a Administração Bush se opusesse ao tribunal em si. Os EUA apoiaram os esforços do TPI na busca de justiça pelo genocídio no Sudão.

Sempre houve alguma estranheza na forma como os presidentes norte-americanos lidam com o tribunal, observou Tim Lister, da CNN, em 2011. Ele escreveu sobre Barack Obama aplaudir os esforços do TPI para responsabilizar pessoas como o antigo general sérvio Ratko Mladic e o líder líbio Muhammar Khadaffi, embora não endossasse a supervisão do tribunal sob os EUA.

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