A sazonalidade, a descaracterização dos centros urbanos, exigências da neutralidade carbónica e a necessidade de melhores transportes são alguns dos principais desafios que o setor do turismo enfrenta em Portugal. Depois de vários anos de forte crescimento em Portugal, alguns dos principais líderes do setor juntaram-se, esta quarta-feira, na CNN Portugal Summit, para debater as soluções para melhorar o turismo no nosso país.
“Mais do que nunca é preciso provar que o que tem sido o crescimento galopante de receitas turísticas seja percebido como um valor por toda a comunidade. Todos os outros setores têm de perceber o turismo como uma vantagem. Não é só crescer em receita e no volume, é no valor percebido por todos”, afirmou Cristina Siza Vieira, CEO da Associação de Hotelaria de Portugal (AHP), durante a conversa moderada pelo jornalista Pedro Santos Guerreiro.
Para Jorge Rebelo de Almeida, CEO do grupo Vila Galé, o turismo “não precisa de nada muito específico”. No entender do gestor do grupo hoteleiro, o turismo em Portugal vai melhorar se Portugal melhorar. “Para ser forte em turismo, não se pode ser excessivamente dependente do turismo. O turismo tem de viver num país que tenha atrativos de outra natureza e não apenas turísticos”, explicou.
O empresário defende que, se hoje o turismo está onde está, deve-o à “mal-amada iniciativa privada” e agora é necessário “haver um esforço” por parte das autoridades em melhorar o que já existe. Para isso, defende que os presidentes da Câmara têm a responsabilidade de manter a autenticidade nos centros das principais cidades.
“Não pode ser só turismo. Senão isto não tem graça nenhuma. Os turistas não vêm aqui para ver turistas. Temos de preservar a autenticidade do país”, defendeu Jorge Rebelo de Almeida.
O empresário admite que, ao contrário de alguns dos seus colegas, não é contra o alojamento local. Muito pelo contrário, Jorge Rebelo de Almeida acredita que estes foram fundamentais para “melhorar as ruas das cidades de Lisboa e Porto, que estavam absolutamente decrépitas”.
Mário Ferreira, dono do grupo Douro Azul e acionista maioritário da Media Capital (empresa dona da CNN Portugal), elogia o papel que o alojamento local desempenhou em reabilitar algumas das zonas mais degradadas de Lisboa e do Porto, trazendo consigo serviços, transportes e limpeza. “Há 20 anos passava-se no centro do Porto e tinha-se medo de ser assaltado”, recordou.
O empresário diz-se mesmo assustado com o discurso de que existe turismo a mais em Portugal, que resulta no não licenciamento de obras para alojamentos locais e hotéis em determinadas zonas, sublinhando que é mais fácil tornar um prédio antigo num hotel do que torna-lo um prédio de rendas controladas.
“Sei que pode ser polémico, mas é mais fácil construir de novo algo com rendas controladas do que fazer reabilitação. Desfazer para fazer custa bastante mais do que fazer de raiz”, refere.
O gestor falou também do tema dos títulos da neutralidade carbónica, que vai afetar a sua empresa Douro Azul, já a partir do próximo ano. Mário Ferreira considera que, apesar de a Europa estar bastante à frente dos restantes países no que toca à neutralidade carbónica, as empresas europeias vão ser fortemente penalizadas em relação às suas concorrentes estrangeiras.
“Os operadores europeus vão ser muito penalizados já a partir de 2025, porque teremos de comprar títulos da neutralidade carbónica. Não se sabe para onde aquele dinheiro vai, não é a mesma coisa que as taxas que se pagam em Lisboa e no Porto. Há um desnivelamento concorrencial de milhões de euros, face a empresa americanas”, explica o empresário.
No entanto, João Oliveira e Costa, CEO do BPI, destaca o que considera ser “o trabalho fantástico” que a região dos Açores fez em tornar-se um polo atrativo turístico com base na sustentabilidade ambiental. O banqueiro explica que a instituição que lidera tem uma ”visão holística” desta região e posiciona-se não apenas como financiador, mas sim como “parceiro”.
“Defendemos as boas decisões financeiras e sabemos apoiar quem tem estratégia de futuro. Somos um parceiro. Não damos só financiamento ao turismo. Nós também apoiamos as autarquias”, refere João Oliveira e Costa, sublinhando o período da covid-19, quando “todos fugiram” e a sua instituição manteve o seu apoio.
Sobre um dos principais desafios do turismo em Portugal, a sazonalidade, Cristina Siza Vieira desvaloriza e garante que Portugal já foi um destino “muitíssimo mais sazonal” e, nos últimos anos, tem desenvolvido muito bem a oferta de turismo de natureza e criado ofertas originais como a exploração da Estrada Nacional N2. No entanto, admite que o país ainda sofre da falta de “transportes, habitação e de trabalhadores”.
O CEO do Grupo Vila Galé partilha esta ideia de que é necessário “ir para o interior”, apesar de rejeita a “mentira” de que o “litoral está saturado”. Jorge Rebelo de Almeida vai mais longe e defende que, em vez de fazer o TGV, Portugal deve investir fortemente na ferrovia, para que o turismo tenha “um papel importantíssimo” para desenvolver a região do interior. “Era importante fazer uma melhoria generalizada da rede de ferrovia nacional, que é um desastre”, frisou.
“O TGV é um dispêndio brutal, com esse dinheiro, fazíamos uma melhoria generalizada da rede existente e até podíamos criar algo que eu defendo há muitos anos: os comboios turísticos. Vamos meter-nos num buraco que não vai trazer mais turismo, não traz mais riqueza”, acusou o empresário.
Mas esta opinião não é partilhada por todos os membros do painel. Para Mário Ferreira, empresário do norte do país, o TGV “já vem tarde” e vai ser “uma mais-valia”, não só para os turistas, mas também para todos os portugueses. “O comboio TGV não é só para turistas. Somos os únicos da Europa que não temos o TGV”, atirou.