O real estado de saúde do presidente turco continua a ser motivo de especulação. Na terça-feira, durante uma entrevista conjunta aos canais Ulke TV e Kanal 7, Recep Tayyip Erdogan sentiu-se maldisposto, interrompendo a transmissão durante cerca de 20 minutos.
Após voltar aos ecrãs, o líder do partido AKP afirmou que a indisposição se deveu a uma doença súbita no estômago, motivada, segundo ele, pela intensa campanha para as eleições gerais de 14 de maio.
Erdoğan’s live broadcast with the journalists tonight was abruptly cut off after muffled noises coming from the mics. It worried many people.
Erdogan is now back, says he had a stomach emergency and he was very tired.
pic.twitter.com/sfRgm0MaHQ— Ragıp Soylu (@ragipsoylu) April 25, 2023
"Hoje, houve um intenso trabalho de campanha, estou muito constipado devido a essas campanhas. Durante algum tempo, perguntei-me se não seria mal interpretado se cancelássemos o programa", disse Erdogan durante a entrevista, que tinha já começado uma hora e meia mais tarde do que o previsto.
Apesar de ter regressado à entrevista, aparentemente recuperado, certo é que o presidente turco cancelou todos os eventos de campanha previstos para esta quarta e quinta-feira. “Hoje, por recomendação dos médicos, vou descansar em casa”, escreveu Erdogan no Twitter esta quarta-feira, anunciando também que o seu vice-presidente, Fuat Oktay, o iria substituir nos eventos de campanha nas cidades de Kirikalle, Yozgat e Sivas, todas localizadas na região da Anatólia Central.
A explicação de Erdogan não convenceu alguns utilizadores das redes sociais, e depressa começou a correr o rumor de que o presidente turco tinha sofrido um ataque cardíaco e estava em situação crítica no hospital, tendo a sua família sido chamada de emergência para o acompanhar. Estas informações foram categoricamente negadas pela presidência turca. “Rejeitamos categoricamente tais alegações infundadas sobre a saúde do presidente Recep Tayyip Erdogan”, escreveu no Twitter Fahrettin Altun, diretor de comunicações da presidência da República da Turquia. “Nem este nível de desinformação consegue pôr em dúvida que o povo turco apoia o seu líder e que Recep Tayyip Erdogan e o seu partido vão sair vitoriosos das eleições de 14 de maio”, completou. Altun anunciou, também, que o chefe de Estado iria participar na inauguração da central nuclear de Akkuyu através de videochamada.
We categorically reject such baseless claims regarding President @RTErdogan’s health.
The President will attend tomorrow’s nuclear power plant opening via videoconference.
No amount of disinformation can dispute the fact that the Turkish people stand with their leader and… pic.twitter.com/SSr3KaWXlS
— Fahrettin Altun (@fahrettinaltun) April 26, 2023
O porta-voz do AKP, Omer Çelik, também negou veementemente as “notícias falsas e imorais de alguns meios de comunicação estrangeiros” sobre o estado de saúde de Erdogan.
“O nosso presidente está no comando. Depois de um pequeno descanso, vai prosseguir o seu programa. Gostaríamos de expressar nossa gratidão aos desejos e orações de nossa nação pela sua saúde e bem-estar”, escreveu Çelik no Twitter.
Sn Cumhurbaşkanımızın sağlığıyla ilgili bazı yabancı basın yayın organlarında ahlaksızca yalan haber yapılmaktadır.
— Ömer Çelik (@omerrcelik) April 26, 2023
Sn Cumhurbaşkanımız görevinin başındadır. Küçük bir istirahat sonrası programlarına aynı şekilde devam edecektir. Milletimizin sağlık, afiyet dilekleri ve…
Também nesta rede social, o vice-presidente do AKP, Erkan Kandemir, anunciou que a arruada prevista para esta quinta-feira em Mersin, uma das maiores cidades e portos do país, vai realizar-se noutra data a anunciar.
Apoio a Erdogan em trajetória descendente
Se há político experiente e vitorioso na Turquia é o seu atual presidente. Erdogan ganhou todas as eleições que disputou desde 1994, quando assumiu a presidência da autarquia de Istambul. Chefe de Estado desde 2014, foi também primeiro-ministro desde 2003 até ao ano em que se tornou presidente.
Desde o seu primeiro mandato, e particularmente após o alegado golpe de Estado falhado de 15 de julho de 2016, Erdogan governa a Turquia de forma autoritária. Desde esse dia, cerca de 40 mil pessoas, incluindo quase três mil juízes, foram detidas por, alegadamente, estarem envolvidos no plano.
A perseguição aos apoiantes de Fethullah Gulen, académico conservador islâmico exilado desde 1999 no Estados Unidos, também se intensificou. No total, 77 mil pessoas foram detidas e 160 mil afastadas dos seus empregos por supostas ligações ao opositor do regime de Ancara.
A repressão não afetou seriamente os seus resultados eleitorais, mas os índices económicos, bem como as consequências do terramoto de 6 de fevereiro, têm motivado grande contestação nas ruas.
Desde 2018, a lira, moeda da Turquia, desvalorizou fortemente: só em 2021, o seu valor em relação ao dólar americano caiu 44%, tombando novamente cerca de 30% no ano passado. O resultado está à vista: em novembro de 2021, um dólar valia cerca de oito liras. Um ano volvido, o mesmo dólar correspondia, naquele momento, a 19 liras, uma consequência da recusa, da parte de Erdogan, em aumentar as taxas de juro para conter a inflação, que atingiu o valor recorde de 80,21% em 2022.
Os efeitos devastadores do sismo de fevereiro, que matou quase 60 mil pessoas e feriu mais de 120 mil, motivaram a revolta dos turcos, que culpam os responsáveis políticos por permitirem a construção de milhares de edifícios sem os mínimos padrões de segurança, bem como pela resposta tardia das equipas de emergência.
Quem espera capitalizar este descontentamento é Kemal Kiliçdaroglu. O economista e antigo funcionário público de 74 anos assume-se como a principal figura da oposição a Erdogan, liderando a coligação Millet (Nação, em português), composta por seis partidos de quase todo o espetro político, desde a social-democracia ao nacionalismo islâmico, passando pelo liberalismo pró-europeu.
A aliança liderada por Kiliçdaroglu tem como grande bandeira o regresso ao sistema parlamentar, o qual Erdogan substituiu por um sistema presidencial total. "Aqueles que apoiam o regresso ao sistema parlamentar reforçado estarão em maioria no parlamento. Os deputados do AKP também o apoiarão, porque viram que lhes foi retirado o direito de fazer política. Talvez não o possam dizer em voz alta”, disse o líder da oposição numa entrevista esta quarta-feira, citado pelo jornal turco Hurriyet.
As sondagens para o parlamento deixam antever que o AKP perca deputados em relação a 2018, quando o partido de Erdogan obteve 42,6% dos votos, correspondendo a 285 dos 600 assentos na Grande Assembleia Nacional.
Para a escolha do novo chefe de Estado, a indefinição é ainda maior, com Erdogan e Kiliçdaroglu a alternarem entre si a liderança das sondagens, o que deixa antever que, pela primeira vez desde 2007, poderá ser necessário recorrer a uma segunda volta para eleger o presidente da Turquia.