"Hoje senti pela primeira vez enquanto jornalista o medo de ser agredido à séria." O desabafo do jornalista João Gaspar foi feito no Twitter, há dois dias. O jornalista da Lusa tinha passado o dia com o fotojornalista João Relvas nos campos de deslocados na região de Gaziantep, na Turquia, uma das mais afetadas pelos sismos de 6 de fevereiro

"Enquanto um refugiado sírio falava comigo,num campo de desalojados, um grupo de turcos começou a rodear a nossa equipa de reportagem e a tentar perceber o que se passava. O tradutor que estava connosco explica que aquele grupo de turcos (nenhum deles a representar qualquer autoridade) exigia ver uma permissão para a reportagem. São mostradas as carteiras profissionais, mas os populares não ficam satisfeitos", contou João Gaspar no Twitter.

"O tradutor tenta acalmar o grupo, mas os gritos sobem de tom e são ditos impropérios. Segundo o tradutor, dizem que não precisam de ajuda de ninguém, que têm ajuda do Governo.Têm receio de que os jornalistas contem histórias más sobre a Turquia e o tratamento que dão aos sírios, explica-nos o tradutor. A equipa de reportagem da agência Lusa diz que irá embora."

Parecia que tinha terminado mas o susto maior ainda estava por acontecer: "Depois de entrar no carro, parámos num semáforo vermelho, ainda ao lado do campo. Dois homens que estavam no grupo de turcos que gritaram contra nós forçaram a abertura das portas dianteiras do carro e tentaram retirar-me a mim (estava no lugar de condutor) e ao tradutor. Outros aproximaram-se e nós arrancámos a toda a velocidade, portas abertas, desviámo-nos de um autocarro e lá conseguimos escapar ilesos".

Os jornalistas portugueses deixaram e local e, nesse mesmo dia, enviaram o seu material - texto e fotos - sem referir esta ocorrência.

A cidade de Gaziantep, que fica a uma hora da fronteira, tem mais de dois milhões de habitantes e cerca de meio milhão de refugiados sírios. Num dos campos de deslocados onde os jornalistas estiveram em reportagem vivem neste momento cerca de 5.500 pessoas, num total de 421 tendas e onde se dá prioridade a grávidas, pessoas com deficiência, mulheres e crianças. São turcos e sírios que ficaram com a sua habitação destruída. Num outro campo estão cerca de mil refugiados sírios, que se sentem "abandonados pelo Estado de Erdogan, onde vivem ao frio em tendas improvisadas e com falta de tudo, até do direito a falar", escreveu o jornalista no texto publicado nesse dia pela Agência Lusa. Foi neste campo que João Gaspar e João Relvas foram abordados pelos populares.

Campo de deslocados sírios, em Gaziantep, Turquia (Lusa/ João Relvas)

Aqui, os refugiados nem sequer vivem em tendas, existem "apenas estruturas feitas de forma bastante precária com lonas de plástico azuis, atadas a paus, dispostas num descampado cheio de pedras, junto a uma mesquita (é nesse espaço religioso que estão as únicas casas de banho do acampamento)", relatou o jornalista. "À noite, é tanto o frio que não conseguimos dormir. Esperamos apenas para que o sol nasça, pela luz, para nos conseguirmos aquecer", contou Ayshe Hussein, refugiada de 28 anos que está ali com o seu marido e os dois filhos de 11 e sete anos. 

"Qualquer coisa, a culpa é dos sírios. É absolutamente insuportável esta situação. Há boas pessoas, mas também há más. Em todas as situações, se há algum problema, começam logo a ameaçar que nos deportam", lamentou-se Fethiye Kazziz, refugiada de 50 anos. 

Os refugiados "estão a ser completamente postos de lado pelas autoridades turcas, o frio não os deixa dormir", concluía João Gaspar na sua publicação no Twitter, sublinhando ainda que esta tinha sido a única vez em que se tinham sentido inseguros desde que chegaram à Turquia: "Todos os turcos com quem falámos foram bem simpáticos, apesar do contexto difícil".

CNN Portugal / MJC