A construção do novo campo de rugby do Belenenses era em 2017 uma prioridade para Sérgio Azevedo, deputado do PSD. Fez tudo para ajudar o clube, conseguindo patrocínios e, segundo ele, 200 mil euros da Câmara de Lisboa – mas faltava-lhe a recompensa: que a obra fosse adjudicada à empresa Ambigold, do amigo Carlos Eduardo Reis, apesar de a proposta deste ser 80 mil euros acima das outras. “É crime pedir ao Medina uma reunião para os gajos do Belenenses sem receber nada em troca”, diz Azevedo ao telefone.
O interesse nos negócios da empresa do amigo era evidente nas escutas, o que para a investigação pressupõe uma sociedade encapotada. “Corro riscos como deputado a pedir favores para a secção de rugby. (…) Afinal quem é que arranjou dinheiro para fazerem a obra?”, pergunta, indignado, numa conversa com Carlos Eduardo Reis a 23 de junho de 2017. Em causa, a renitência do clube em adjudicar a obra à Ambigold, depois de Sérgio ter pedido um favor pessoal a Fernando Medina – que atribuísse 200 mil euros de apoio financeiro ao rubgy do Belenenses, o que acontecera em março desse ano.
A proposta foi votada em reunião do executivo municipal. Dias depois, Medina foi ao lançamento do projeto: a construção do Belém Rugby Park. Miguel Freudenthal, então presidente do Belenenses Rugby, comentou que “olhando para isto parece um milagre das rosas”.
No processo Tutti Frutti, a que a TVI e a CNN Portugal tiveram acesso, há centenas de páginas de reuniões municipais. Ou com Medina, ou antes, na cedência do terreno em Monsanto, com António Costa. Fazem parte dos documentos apreendidos nas buscas de janeiro deste ano a três edifícios da Câmara de Lisboa. Andrea Marques, procuradora que dirige a investigação, diz que “investigam-se as circunstâncias em que decorreram procedimentos camarários referentes à cessão de terreno público sito em Monsanto, à construção de equipamento desportivo e à atribuição de apoio financeiro destinado a esse desiderato.”
Tudo começou com uma proposta dos vereadores Manuel Salgado e Manuel Brito, em 2011. No ano seguinte foi renovada e seguiu para votação. Apesar das reservas da oposição, acabou aprovada com maioria. A defesa da cedência do espaço a título gratuito por 50 anos foi feita pelo vereador Manuel Brito.
Para a investigação, isto é mais do que uma trapalhada, até porque foram escutadas conversas como esta, de Carlos Eduardo Reis, em novembro de 2017: “É esse amiguismo que lhe permite ter um campo, é esse amiguismo que lhe permite entrar na Câmara e arranjar o campo e ter subsídios e patrocínios”.
Segundo Sérgio Azevedo, foi ele quem tratou de tudo para o Belenenses, como diz a Carlos Eduardo Reis. Logo, o negócio tem que ser deles: “Arranjei os 200 mil euros da CML, os 50 mil do ACP e ainda o desconto da EPAL. Quem é que vai pagar esses favores?”; questiona. E Carlos lembra a Sérgio que “o desconto da EPAL poderia comprometer Sérgio na sua vida política”. Os alegados favores são agora a base da investigação porque teriam uma contrapartida.
“Eles comprometeram-se a nos/te dar a obra em troca de os conseguirmos ajudar”, diz Sérgio a 30 de maio. Esta escuta é importante porque Sérgio e o atual deputado do PSD, Carlos Eduardo Reis, nunca foram sócios em Portugal. Só na versão moçambicana da Ambigold, a empresa de Barcelos alvo de buscas em 2018, na operação Tutti Frutti.
Para a procuradora Andrea Marques, “Carlos Reis é braço direito de Sérgio Azevedo. (…) E apesar de não ser sócio formal, Sérgio tem interesses económicos na Ambigold, empresa de Carlos Reis com um volume de faturação a entidades públicas bastante elevado”.
A Ambigold patrocinava os equipamentos dos jogadores do Belenenses, clube que tinha outro patrocínio insólito: da Junta de Freguesia da Estrela, comandada por Luís Newton. Mesmo se o campo se situa em Belém e a sede da secção de rugby noutra freguesia, da Ajuda. A parte da Estrela fica explicada no processo: “Se a obra não for adjudicada, o protocolo da secção de rugby com a JF da Estrela não vai ser renovado. Nem pela minha saúde”, garante Sérgio Azevedo ao telefone, a 23 de junho de 2017.
A PJ conclui: “Sérgio Azevedo socorreu-se da sua influência e estatuto de deputado para obter determinadas vantagens para a secção de rugby (…) Tais benfeitorias apresentam-se ardilosas: têm como escopo a adjudicação da construção do campo de rugby à empresa de Carlos Eduardo Reis.”
A adjudicação prometida é descrita em várias escutas. Sérgio, em conversa com a namorada, é claro: “Os outros queriam o mais barato. Mas Miguel mostrou na última reunião de direção de onde vinha o dinheiro e os patrocínios”, garantindo que seriam eles “os escolhidos para a realização da obra”.
Miguel Freudenthal liderava a secção de rugby do Belenenses e, em conversa com Carlos Reis, alerta: “Temos que nos ajudar uns aos outros para termos isto à prova de bala”. Aí entra também Luís Seara Cardoso, que foi da direção do Rugby do Belenenses e fala com Sérgio Azevedo, em junho de 2017: “A aceitação da proposta de Carlos Reis está a ser difícil porque é 80 mil mais cara (4ª classificada).”
Quando percebem que a adjudicação da obra está em risco, Sérgio e Carlos fazem chantagem com os patrocínios. “Vão perder tudo, não renovam nem o ACP, nem a Estrela, rigorosamente nada, ou seja, perdem tudo”, diz o primeiro.
De nada serve. A obra é atribuída a uma empresa da Batalha, mas a Ambigold fica com a construção da relva do campo.
Veja aqui todas as notícias e vídeos relacionados com o processo Tutti Frutti.
Confrontados com as suspeitas reveladas nesta investigação, tanto Fernando Medina como Carlos Eduardo Reis negam qualquer envolvimento em qualquer ato ilícito. Vejas as respostas: