A decisão de armar a Ucrânia com tanques aproxima o Ocidente da guerra com a Rússia? (Ou como os russos também têm medo) - TVI

A decisão de armar a Ucrânia com tanques aproxima o Ocidente da guerra com a Rússia? (Ou como os russos também têm medo)

  • CNN
  • Análise de Luke McGee
  • 30 jan 2023, 08:00
Blindados britânicos a caminho do Campo Militar de Tapa, na Estónia, a 19 de janeiro de 2023. Créditos: Pavel Golovkin/AP

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A decisão do Ocidente de finalmente enviar tanques para a Ucrânia fez com que alguns colocassem a incómoda questão: será que isto significa que a NATO está agora em conflito direto com a Rússia? 

Esta narrativa, que está a ser fortemente impingida pelo Kremlin, ajuda sem dúvida o presidente russo Vladimir Putin e os seus apoiantes a desviarem-se do facto de a Rússia ter lançado um ataque não provocado contra a Ucrânia e ocupado ilegalmente partes de um Estado soberano.  

Também, talvez mais conveniente para Putin, faz com que os aliados da NATO tenham de refletir sempre que têm de decidir exatamente que assistência militar devem dar à Ucrânia.  

Em primeiro lugar: o consenso entre os especialistas é que nenhum membro da NATO se aproxima sequer do que poderia ser considerado estar em guerra com a Rússia por qualquer definição legal internacionalmente aceite. Portanto, a ideia de que a Aliança está em guerra com a Rússia não convence.

"A guerra exigiria ataques levados a cabo pelas forças dos EUA ou da NATO, por militares, atacando a partir do território da NATO contra as forças russas, o território russo ou a população russa", explica William Alberque, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (International Institute for Strategic Studies, na designação original), um think thank britânico de relações internacionais.
Blindados britânicos a caminho do Campo Militar de Tapa, na Estónia, a 19 de janeiro de 2023. Créditos: Pavel Golovkin/AP
Carros de combate M1A2 Abrams de fabrico norte-americano na base militar de Grafenwoehr, Alemanha. Créditos: Daniel Karmann/ Aliança de imagens/Getty Images/FILE

"Qualquer combate da Ucrânia - com qualquer arma convencional, contra qualquer força russa - não é uma guerra dos EUA/NATO, não importa o quanto a Rússia queira reivindicá-lo", acrescenta.  

Alberque aponta para a Carta das Nações Unidas, que afirma que nada "prejudicará o direito inerente à autodefesa individual ou coletiva se ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para manter a paz e a segurança internacionais". 

A Rússia é membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e tem usado o seu veto para bloquear a condenação das suas ações na Ucrânia.  

O Kremlin tem certamente procurado explorar certas áreas cinzentas inerentes a qualquer guerra moderna para afirmar incorretamente que a NATO é o principal agressor no conflito da Ucrânia. 

Essas zonas cinzentas podem incluir a utilização dos serviços secretos ocidentais para levar a cabo ataques contra alvos russos.

Poderiam também incluir os EUA a lançar a guerra ao terrorismo e a invocar o Artigo 5.º da NATO após os ataques de 11 de Setembro, em que a América foi atacada por terroristas e não por um Estado.

O secretário do Conselho de Segurança russo, Nikolai Patrushev, afirmou que o Ocidente está a tentar "destruir" a Rússia. Anatoly Antonov, embaixador da Rússia nos Estados Unidos, disse que a administração Biden está a pressionar a Ucrânia a "realizar ataques terroristas na Rússia". 

É claro que, qualquer que seja o mérito insignificante dessas alegações duvidosas, elas empalidecem em comparação com a brutalidade documentada e as ações ilegais das forças russas na Ucrânia desde que Putin ordenou a invasão. 

Mas o facto de elas existirem e estarem a ser levadas a sério por analistas e comentadores fora da Rússia, inclusive em Washington DC, joga a favor do Kremlin de várias maneiras. 

John Herbst, antigo embaixador dos EUA na Ucrânia e diretor do Eurasia Center no Atlantic Council, um think thank norte-americano de relações internacionais, explica que promover a ideia de que está a ser uma guerra NATO-Rússia ajuda a explicar ao público interno de Putin porque é que a invasão não teve o êxito esperado pela Rússia. 

"Porque os militares russos têm sido um fracasso tão grande na Ucrânia, é útil explicar isto como uma guerra com a NATO e não com a Ucrânia. Isto também ajuda a justificar quaisquer medidas que Putin possa tomar a seguir, e a Rússia tem estado muito interessada em dar força à ideia de que isto pode significar um passo em direção ao nuclear", disse Herbst à CNN. 

Herbst acredita que a guerra de informação da Rússia contra o Ocidente foi mais bem-sucedida do que a sua campanha militar, no sentido em que fez com que pessoas credíveis e racionais em Washington DC mudassem de opinião quanto ao aumento do apoio militar à Ucrânia, porque exageram a perspetiva de Putin poder utilizar armas nucleares, o que também seria desastroso para a Rússia. 

"Não sei dizer quantos especialistas disseram que não podemos fornecer certas armas à Ucrânia porque Putin pode voltar-se para o nuclear. O que temos visto nos últimos seis meses é os russos a contactar os seus colegas no Ocidente para dizerem que Putin poderia realmente fazê-lo. Infelizmente, Washington e Berlim, em particular, deixaram-se intimidar por essa ameaça", observa.

Carros de combate Leopard 2 A7V fotografados antes de um evento para assinalar a receção das primeiras unidades do novo tanque a 15 de setembro de 2021, em Bad Frankenhausen, Alemanha. Créditos: Jens Schlueter/Getty Images

A razão pela qual os observadores de Putin de longa data pensam que existe pouca ameaça de escalada da Rússia ao ponto de provocar a NATO a responder com força é simplesmente que Moscovo sabe que não poderia sobreviver ao confronto. 

"Um dos poucos objetivos que os líderes russos e americanos partilham neste momento é evitar um conflito direto entre as duas potências", sublinha Malcolm Chalmers, diretor-geral adjunto do Royal United Services Institute, um think thank britânico de defesa e segurança. 

"A Rússia sabe que um confronto convencional com a NATO acabaria muito rapidamente. No entanto, há algum sentido em manifestar esta ideia de que está disposta a correr o risco, se isso significar que pode conseguir mais concessões do Ocidente", aponta.  

Vários funcionários europeus e fontes da NATO concordaram com a análise de que a opção de Putin pelo nuclear era improvável, embora a possibilidade tivesse de ser levada a sério e evitada. A questão é: evitar a que custo? 

É muito provável que a Ucrânia continue a pedir mais armas e maior apoio dos seus aliados, quanto mais tempo a guerra se arrastar. E de cada vez, cada membro da NATO terá de avaliar se vale ou não a pena o risco, ou se o arrastar da decisão joga de facto a favor do Kremlin.  

Mulheres ao lado de casas destruídas enquanto trabalhadores tentam reparar cabos elétricos após ataques de mísseis russos a 26 de janeiro de 2023 em Hlevakha, nos arredores de Kiev, Ucrânia. Créditos: Pilipey/Getty Roman

Herbst acredita que a invasão russa da Ucrânia serviu como um forte lembrete de como é lidar com um Kremlin agressivo e que as autoridades ocidentais esqueceram temporariamente as táticas da União Soviética durante a Guerra Fria.  

"A teimosia do Ocidente aconteceu porque tivemos paz entre as grandes potências durante quase 30 anos", diz Herbst. "Atualmente, estamos em vias de descobrir coisas que imaginávamos no auge da Guerra Fria. E a única razão pela qual estamos a ver isto agora é porque uma das grandes potências decidiu que não gosta da ordem mundial que agora existe." 

À medida que a guerra avança, o Ocidente e a NATO estão a ser forçados a aprender duras lições em tempo real.    

Mas cada vez que a Rússia avisa para uma escalada - seja por si mesma ou por causa da NATO - as capitais ocidentais devem ter em mente o facto de que a Rússia é o agressor neste conflito e o Ocidente está longe de estar em guerra com a Rússia.   

E não importa o ruído que os funcionários do Kremlin façam sobre o Ocidente tentar destruir a Rússia, pois apenas um Estado soberano invadiu outro Estado soberano e reivindicou ilegalmente partes do seu território pela força.

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