As autoridades norte-americanas apanharam conversas entre oficiais ucranianos que se culpam mutuamente pelo ataque com drones ao Kremlin no início do mês, contribuindo para a avaliação dos EUA de que um grupo ucraniano pode ter sido o responsável, disseram à CNN fontes familiarizadas com os serviços secretos.
As interceções incluem alguns membros da hierarquia militar e da inteligência da Ucrânia especulando que as forças de operações especiais ucranianas conduziram a operação.
A conversa, combinada com outras comunicações interceptadas de oficiais russos culpando a Ucrânia pelo ataque e questionando-se como aconteceu, levou as autoridades americanas a considerar a possibilidade de um grupo ucraniano estar por detrás do incidente de 3 de maio. Nessa manhã, dois drones voaram em direção ao Palácio do Senado do Kremlin e atingiram o topo do edifício.
No entanto, os EUA não conseguiram chegar a uma conclusão definitiva sobre os responsáveis e apenas avaliam com pouca confiança que um grupo ucraniano possa ter estado por detrás do incidente. As autoridades americanas também continuam a considerar improvável que altos funcionários do governo ucraniano, incluindo o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, tenham ordenado o ataque ou tenham tido conhecimento prévio do mesmo.
Segundo relatórios recentes dos serviços secretos norte-americanos, responsáveis russos especularam em privado, tal como o fizeram publicamente, que a Ucrânia era a autora do ataque, levando-os a acreditar que o incidente não seria uma operação de falsa bandeira patrocinada pelo Estado com o objetivo de dar à Rússia um pretexto para continuar a escalada da guerra contra a Ucrânia.
O Kremlin também efetuou algumas mudanças na segurança interna em resposta ao ataque, disse uma fonte familiarizada com os serviços secretos, recusando-se a entrar em pormenores. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse publicamente após o episódio que as defesas aéreas da cidade seriam reforçadas.
Os drones que atingiram o Kremlin pareciam pequenos, com uma carga relativamente leve, o que é provavelmente a razão pela qual não acionaram as defesas aéreas russas, explicaram fontes à CNN. Não é claro se teriam alcance suficiente para serem transportados da Ucrânia para Moscovo.
Zelensky negou que a Ucrânia estivesse por detrás do ataque
Zelensky especulou no início deste mês que o ataque poderia ter sido uma operação de falsa bandeira e negou que o seu país estivesse por detrás do mesmo.
"A Rússia não tem vitórias a comunicar", disse aos jornalistas em Helsínquia, na Finlândia, no início do mês. "Por isso, [o presidente russo Vladimir Putin] tem de fazer algumas ações inesperadas, como ataques surpresa com drones."
Moscovo lançou uma vaga de mísseis contra Kiev na sequência do incidente, utilizando drones onde se lia "por Moscovo" e "pelo Kremlin", segundo os militares ucranianos.
"Não atacámos Putin", acrescentou Zelensky. "Deixamos isso para o tribunal."
As autoridades norte-americanas não acreditam que se tenha tratado de uma tentativa de assassínio de Putin. É do conhecimento geral que Putin não passa muito tempo no Kremlin e não se encontrava no edifício na altura do incidente, indicou Peskov.
Há ainda uma série de possibilidades que os funcionários dos EUA não excluíram, incluindo a de que intervenientes não estatais ucranianos ou russos dentro da Rússia tenham levado a cabo a operação. Entre eles poderiam estar russos simpatizantes de Putin, na esperança de lhe darem apoio.
Um porta-voz da agência de inteligência de defesa da Ucrânia remeteu a CNN para os comentários de Zelensky em Helsínquia.
"Os ucranianos estão a defender-se"
Não é a primeira vez que os EUA veem responsáveis ucranianos a apontarem o dedo uns aos outros na sequência de um misterioso ataque contra alvos russos, como o atentado à bomba que matou Darya Dugina e o presumível atentado à bomba com camião contra a ponte de Kerch, que liga a Rússia à Crimeia.
Os EUA também têm informações de que a Ucrânia já considerou atacar a Rússia antes. Documentos confidenciais do Pentágono divulgados online no início deste ano revelaram que a CIA instou o chefe dos serviços secretos militares da Ucrânia a "adiar" os ataques contra a Rússia no aniversário da sua invasão da Ucrânia.
Outro relatório dos serviços secretos norte-americanos, que tem como fonte os serviços de informação de sinais, refere que Zelensky, em finais de fevereiro, "sugeriu atacar a região russa de Rostov" utilizando veículos aéreos não tripulados, uma vez que a Ucrânia não dispõe de armas de longo alcance capazes de chegar tão longe.
Os responsáveis norte-americanos têm afirmado sistematicamente que não encorajam a Ucrânia a lançar ataques transfronteiriços contra a Rússia.
Durante uma visita a Washington no início deste mês, o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, James Cleverly, afirmou que não havia novas informações sobre a autoria do ataque, mas acrescentou que, em termos gerais, "os ucranianos estão a defender-se".
"Eles precisam de se defender de uma forma eficaz", disse Cleverly em resposta a uma pergunta da CNN. "Eles são a parte lesada neste caso, nunca devemos perder isso de vista. E, para se defenderem eficazmente, têm de responder através do uso da força. Mas devemos sempre garantir que é ponderada, proporcional e que apoia os seus objetivos mais amplos e não contraproducente."
*Oren Liebermann contribuiu para este artigo