Nos últimos meses, muito se tem falado de uma eventual contraofensiva ucraniana com potencial de mudar o esquema na frente de combate com a Rússia. Do lado do Ministério da Defesa russo não há dúvidas: a Ucrânia já começou uma ofensiva de larga escala. Até os EUA têm vindo a indicar um aumento do número de ataques ucranianos nas últimas semanas. Mas, do lado de Kiev, a posição não é tão clara. Aliás, ainda há um mês, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, admitiu que precisava de "mais tempo" para preparar a contraofensiva, receando perder "muitos combatentes" caso avançasse na altura.
Na perspetiva do major-general Agostinho Costa, porém, já há indicadores que permitem concluir que "a contraofensiva [ucraniana] já está em curso", tendo em conta, desde logo, "as ações ucranianas e russas em toda a dimensão da linha da frente", nomeadamente em cinco regiões em concreto: Zaporizhzhia, Kupiansk, Belgorod, Lyman e Bakhmut.
Mas é em Zaporizhzhia que decorre neste momento a "principal ação ucraniana", pelo menos "para já". É que a Ucrânia tem agora "nove brigadas que foram armadas, equipadas, treinadas e preparadas pela NATO" e ainda só empregou duas, precisamente em Zaporizhzhia, indica o especialista em estratégia militar.
Já o major-general Isidro de Morais Pereira não aplica o termo 'contraofensiva', mas diz ser "absolutamente inegável" que a "Ucrânia alterou a sua postura" recentemente, passando de uma atuação mais defensiva para o que os militares comummente designam como uma "operação de moldagem do campo de batalha".
"Durante praticamente todo o inverno, a postura ucraniana foi claramente defensiva, sobretudo na frente leste, onde decorreram os principais combates, em Bakhmut. Até porque estava anunciada uma grande ofensiva russa durante o inverno", recorda Isidro de Morais Pereira, em declarações à CNN Portugal.
Só que "não aconteceu rigorosamente nada", diz. "A Rússia fez uns pequenos avanços, umas vitórias pírricas, e há uns tempos temos verificado um conjunto de ações, que nós designamos na terminologia militar por operações de moldagem do campo de batalha, que têm ido muito além do que é habitual", argumenta o especialista em estratégia militar.
Na prática, explica, tratam-se de "ações de caráter convencional no teatro de operações", isto é, na frente de combates na Ucrânia, e, em simultâneo, "ações de sabotagem" em Moscovo, nomeadamente em "nós ferroviários e em locais de armazenamento de combustíveis". E isto "não apenas na Rússia, mas também nos territórios ocupados, como a Crimeia ou a faixa sul de Zaporizhzhia", indica Isidro de Morais.
Ora, este tipo de operações evidencia "uma mudança de postura" das forças ucranianas, argumenta o major-general. "Estão a tentar novamente adquirir a iniciativa no campo de batalha e encontrar o ponto fraco" das tropas de Moscovo, apalpando terreno de modo a "ver onde as forças russas oferecem menos resistência para aí desferir o golpe mais decisivo da contraofensiva".
Mas a contraofensiva propriamente dita, a decorrer, só acontece no verão, antecipa Isidro de Morais Pereira: "Só nessa altura estão criadas as condições mínimas para que pudesse ter sucesso, nomeadamente a solidez do terreno (o terreno tinha de estar seco, para que as viaturas possam abrir em formações de combate), e a chegada dos materiais ocidentais, que se atrasou de alguma forma. Os últimos carros de combate que foram prometidos acabaram de chegar no fim do mês de maio."
Sobre a relutância ucraniana em admitir que está efetivamente a lançar a tão aguardada contraofensiva, o major-general Agostinho Costa indica que tal não passa de uma "estratégia" para dissuadir as forças russas. "Faz parte. Se a Ucrânia disser o que vai fazer, amanhã os russos estão lá à espera", observa.