«O basquete era a minha paixão, o interesse pela cozinha veio muito mais tarde» - TVI

«O basquete era a minha paixão, o interesse pela cozinha veio muito mais tarde»

Henrique Sá Pessoa é o chef do ALMA (**Michelin). ©Nuno Correia

«Um café com» Henrique Sá Pessoa, o chef português que era um miúdo fascinado pela NBA e também jogou «soccer». Até era a estrela da equipa, mas por pouco tempo. Um benfiquista moderado que já cozinhou para Cristiano Ronaldo e Zidane mas, se pudesse escolher alguém para jantar, não teria dúvidas.

Antes da cozinha era o basquetebol a paixão de Henrique Sá Pessoa. Foi jogador federado e cresceu a ver a NBA, obcecado com Michael Jordan. O que o levou aos Estados Unidos, onde também jogou futebol. Era a estrela da equipa de soccer, conta, mas durou pouco.

O chef português conseguiu uma pausa para a conversa com o Maisfutebol enquanto estava no aeroporto de Amesterdão, em trânsito entre a gestão dos seus restaurantes. Dos Países Baixos a Portugal, onde tem no lisboeta Alma a dupla estrela da companhia, com as suas duas estrelas Michelin, passando por Londres, num espaço que inaugurou recentemente e onde já teve a visita, por exemplo, de João Félix.

Também gosta de futebol, é um benfiquista moderado e acompanha a seleção nas grandes competições, mas o que não perde mesmo é a NBA. Vai encontrando tempo para ver os play-offs e respirou fundo quando os Miami Heat conseguiram levar a melhor sobre os Celtic no Jogo 7 da épica final da Conferência Leste. Só tem pena que não estejam também os LA Lakers e LeBron James na final.

Já cozinhou para Cristiano Ronaldo ou Zidane, mas se pudesse escolher uma personalidade do desporto para quem preparar um jantar, não tem dúvidas.

O seu desporto favorito é o basquetebol, não é? Como surgiu esse interesse?

Comecei a gostar do desporto na escola. Também apanhei aquela fase da ascensão da NBA em termos de televisão cá em Portugal, do Michael Jordan, do Magic Johnson, dos grandes jogadores da NBA dos anos 90. Depois fiquei fã. Era obcecado pelo Michael Jordan. Comecei a jogar na escola, depois federei-me e comecei a jogar no Oeiras, dos 12 aos 19.

Jogou em que escalões?

Iniciados e juvenis. Depois ainda joguei nos Estados Unidos, porque fiz um programa de intercâmbio cultural e vivi lá com uma família americana, fiz lá o American High School. Joguei lá também um ano na escola.

A escolha pelo intercâmbio cultural nos Estados Unidos também foi influenciada por esse interesse pela NBA?

Sim, sim, foi isso que me influenciou.

Também jogou futebol nos Estados Unidos, não foi?

Joguei futebol, sim. Eu gosto de desporto de todo o tipo. E quando cheguei lá, como a época do basquete só começa em dezembro, entre setembro e dezembro decidi jogar outro desporto e o que estava disponível era o futebol. E pronto, joguei futebol durante esses três meses, mas depois lesionei-me, portanto foi assim uma carreira curta. (Risos) Mas tecnicamente estava muito acima da média dos jogadores americanos, porque nós em Portugal jogamos desde crianças futebol na escola. E lá na altura não era nada assim. Então eu destaquei-me com muita facilidade.

Foi? Impressionou o treinador?

Sim, era como se fosse assim a estrela da equipa. Mas depois como me lesionei foi muito curto. Joguei quatro ou cinco jogos, mas tive uma lesão na perna e pronto, acabou-se a carreira.

Então a paixão pelo basquetebol veio antes da paixão pela cozinha?

Muito antes. O meu interesse pela cozinha só veio muito mais tarde. O basquete era sem dúvida uma grande paixão.

Foi ainda nos Estados Unidos que descobriu o gosto pela cozinha?

Foi nesse último ano em que vivi lá com uma família americana. Num dos programas, numa das disciplinas, foi lá uma escola de cozinha promover a escola. Eu fiquei bastante bem impressionado e acabei por me inscrever no curso. Depois quando entrei na escola foi amor à primeira vista. Também já sabia que a minha carreira de basquete não iria ter grande futuro.

Então?

Quer dizer, 99,7 por cento dos miúdos que praticam desporto não chegam a profissionais. Eu estava naquela idade dos 17, 18, 19, já estava a perceber que o basquete era uma paixão, mas que não iria ser o meu futuro.

Depois viajou muito, viveu fora. Continuou sempre a jogar, a manter essa ligação?

Não, depois quando comecei na cozinha praticamente deixei de praticar desporto. Porque a cozinha, na altura e hoje em dia também, é uma profissão muito exigente. Principalmente nos primeiros anos, estava em Londres, exigia-me muito e deixei de praticar desporto. Basquete então, praticamente nunca mais peguei numa bola.

E mais tarde tentou retomar?

Sim, de vez em quando… Tenho alguns amigos que jogam, faço jogos assim amigáveis. Mas hoje em dia o meu desporto é ginásio.

E futebol? Gosta de ver, gosta de acompanhar, tem algum clube favorito?

Eu continuo a acompanhar a NBA muito efusivamente. Inclusivamente já fui ver jogos. Em Miami, principalmente. Já fui ver três ou quatro jogos em Miami. E sigo a NBA, agora estou a seguir os play-offs.

Consegue arranjar tempo para as noitadas a seguir os play-offs?

Eu assino o canal da NBA e normalmente vejo os jogos em diferido, de manhã ou à tarde. Como viajo muito, acabo por ter sempre tempo no aeroporto, à espera dos voos, e consigo facilmente seguir. As minhas equipas são os LA Lakers e os Miami Heat, uma do Oeste outra do Leste. Os Lakers já ficaram pelo caminho. Os Miami Heat vão à final. Conseguiram ganhar o último jogo. Ainda antes de ontem estava a ver o Jogo 7 contra os Boston Celtics. Toda a gente achava que eles iam perder e ganharam.

Foi uma final de Conferência incrível, não foi?

Foi, foi. Eles estavam a ganhar 3-0, toda a gente pensava que aquilo ia ficar arrumado e de repente os Boston começaram a recuperar e eu estava a ver a minha vida a andar para trás. Mas não, lá se safaram. E agora contra os Denver Nuggets vai ser muito difícil, porque eles estão muito forte este ano. Eu não sou fã dos Denver Nuggets, mas pronto, acho que vai ser uma final difícil.

Ainda por cima os Denver Nuggets eliminaram os Lakers…

Ainda por cima eliminaram os Lakers, que eu também não estava à espera. Foi triste, eu queria que o LeBron James fosse à final. Mas não aconteceu.

E futebol?

No futebol, sou benfiquista. Este ano por acaso fui a quatro ou cinco jogos. Fico obviamente feliz por o Benfica ser campeão, mas não sou um seguidor ávido do Benfica.

Viu jogos no estádio?

Vi no estádio. Dois jogos da Champions, o Benfica-FC Porto, o Benfica-Sporting… Ver jogos no estádio é uma sensação espetacular. É um dos estádios mais bonitos de futebol da Europa.

Tem bilhete de época ou vai esporadicamente?

Não, tenho um amigo que tem lá uma box e vou de vez em quando.

E costuma acompanhar a seleção?

Acompanho mais quando é o Campeonato da Europa ou o Campeonato do Mundo. Sei que temos uma seleção muito boa. Aliás, ainda há pouco tempo conheci o João Félix no meu restaurante em Londres, ele foi lá jantar. Tenho agora um restaurante em Londres que se chama Joia e ele por acaso calhou ir lá no dia da abertura. Sim, sigo a seleção, mas não sou daquelas pessoas que não dorme se a seleção não passar.

 

Costuma ter muitos jogadores de futebol nos seus restaurantes?

Não muitos. Os jogadores de futebol normalmente gostam de restaurantes com gente bonita e mais social. Os meus restaurantes não se enquadram muito nesse perfil. Apesar de o meu restaurante em Londres já ser um bocadinho mais desse género. É um restaurante grande, com uma vista maravilhosa, com música, DJs ao fim de semana… Já é um bocadinho mais. Mas no Alma já tive futebolistas. Aliás, até mais treinadores. Já esteve lá o Maniche, o Fernando Santos…

E momentos altos da seleção? Como é que viveu por exemplo a final do Euro 2016, quando Portugal foi campeão europeu?

Por acaso estava em Itália. Estava em Modena, a cozinhar um jantar para um grupo de portugueses e lá parámos todos para ver o jogo. Ficámos todos muito emocionados e é óbvio que numa situação dessas vibramos com a seleção. Na final do Euro 2004 também. No Euro 2000 estava na Austrália e lembro-me de ver os jogos da seleção. Perdemos aquela meia-final com os nossos jogadores todos a quererem dar cabeçadas ao árbitro… Sim, obviamente tenho recordações de momentos da seleção. E aliás acho que o Cristiano Ronaldo realmente em 20 anos mudou completamente… Quer dizer, já tínhamos a geração do Figo e do Rui Costa e desses jogadores, que já estava num patamar muito alto. Mas acho que desde que o Cristiano assumiu mais essa liderança foram os nossos melhores anos de seleção. Durante muitos anos nem sequer nos qualificávamos para o Mundial. As pessoas têm a memória curta. Eu sei que o Cristiano foi muito atacado neste último Mundial, mas o pessoal esquece-se que antes dele nós não estávamos lá. E é um facto que não falhámos nem um Europeu nem um Mundial desde que ele está na seleção. Não foi só o Cristiano que o conseguiu, mas certamente contribuiu muitas vezes para que nós conseguíssemos estar nessas grandes competições. Também acredito que para qualquer jogador é muito difícil a decisão de acabar a carreira. Porque há ali um vazio enorme.

Deve ser difícil de gerir, não é?

Acredito que seja muito difícil de gerir. Alguns jogadores começam com sete ou oito anos e durante 30 anos a única coisa que conhecem é futebol. E depois de repente deixam de jogar de um dia para o outro, deve haver um vazio enorme, nas rotinas e no que será o futuro… E também perder esse protagonismo, essa liderança. Para os jogadores que jogaram a um nível muito alto durante muitos anos, como é o caso do Cristiano, é normal que aos 38 anos o corpo já não seja o de 20, mas acredito que seja difícil essa mudança de rotinas e de vida.

Acha que há semelhanças entre uma cozinha e uma equipa de futebol, faz sentido fazer uma analogia?

Há semelhanças na questão de liderança, de haver uma equipa, um espírito de entrega entre colegas, um objetivo comum, isso sem dúvida. Claro que depois a dinâmica é completamente diferente. Mas sim, há muitos exemplos que vêm do desporto que são aplicados na cozinha ou em qualquer trabalho que exija trabalho de equipa. E às vezes ao contrário, também. Às vezes temos empresas que vão falar com jogadores de futebol para lhes explicar um bocado como podem gerir essa parte do enquadramento mental numa equipa. Hoje em dia quase todas as grandes empresas e grandes jogadores têm coaching, têm psicólogos que trabalham só essa parte motivacional, a parte de se manterem sempre confiantes e a acreditar. Aliás, no caso do golo do que nos deu o Campeonato da Europa, depois houve aquela história bastante polémica com a coach do Eder, chatearam-se, li algumas notícias sobre essas desavenças que aconteceram mais tarde. Mas inicialmente o Eder disse que ela lhe dava essa confiança para ele conseguir entrar em campo e ter essa oportunidade, pelo menos estar disponível para.

Se pudesse escolher uma personalidade do desporto para quem cozinhar e com quem jantar, quem escolhia?

Isso não há dúvida nenhuma. Seria o Michael Jordan. Nem há ninguém… Não há 30 Cristianos Ronaldos ou Messis que pudessem chegar perto. Para mim, obviamente. Aliás, por acaso já cozinhei para o Cristiano Ronaldo. Não o conheci, mas cozinhei para ele há muitos anos, em 2007 ou 2008, quando ele esteve no Sheraton. Já era um jogador muito conhecido, mas não era ainda o Cristiano de hoje em dia.

Mas não esteve com ele?

Não o conheci. Mas conheci o Zinedine Zidane, na altura até assinou a minha carta pessoalmente. Era tão ou mais famoso que o Ronaldo nessa altura.

Cozinhou para o Zidane na mesma altura?

Não, foi numa altura em que houve uma reunião da FIFA e o Zidane estava hospedado no hotel. Até fechámos o restaurante para ele. Tenho conhecido algumas figuras do desporto. Já conheci também alguns jogadores de basquete.

Jogadores da NBA?

Da NBA não, cá em Portugal. Houve uma altura que o presidente da federação de basquete convidou-me para apoiar a seleção, como figura pública. Convidaram-me para ir aos jogos, para ficar sentado no banco. Por acaso ainda não tive oportunidade. Inclusivamente fiz alguns vídeos a jogar basquete para promover a seleção. Mas não tive ainda a oportunidade, depois veio a pandemia e a dinâmica das coisas mudou um bocadinho. Mas sim, sem dúvida que o basquete continua a ser o meu desporto favorito.

E o Michael Jordan acima de todos…

E o Michael Jordan acima de tudo. Será sempre a minha grande referência no desporto.

 

«Um café com...» senta o Maisfutebol à mesa com figuras eminentes da nossa sociedade, nomes sem ligação aparente ao desporto, a não ser a paixão. A música, a literatura, o cinema ou a política enredados nas quatro linhas de conversas livres e descontraídas.

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