María Corina Machado venceu este domingo as eleições primárias da oposição na Venezuela com uns expressivos 93,15% dos votos contabilizados. O segundo candidato da oposição mais votado, o social-democrata Carlos Prosperi, obteve apenas 4,75% dos votos.
“Isto ainda não é o fim, mas é o início do fim”, declarou a candidata do Vente Venezuela (Vamos Venezuela), de centro-direita, pouco depois de conhecer os resultados.
Aos 56 anos, María Machado, que tem raízes portuguesas - embora a família esteja já há vários séculos na Venezuela - torna-se assim na principal opositora de Nicolás Maduro, embora não seja certo que possa vir a concorrer contra o atual presidente nas eleições de 2024.
Isto porque a candidata está proibida de exercer cargos políticos durante os próximos 15 anos, por decisão da Controladoria-Geral da Venezuela (CGV), que supervisiona as contas públicas e que em 2015 a acusou de não ter incluído na sua declaração de rendimentos alguns prémios que recebera como deputada - acusações que a candidata sempre negou. Em junho deste ano, oito anos depois, a CGV prolongou a "inabilitação" [desqualificação legal] de María Machado como consequência do apoio demonstrado pela candidata às sanções dos Estados Unidos contra a Venezuela, nomeadamente nas exportações de petróleo e ouro venezuelanos.
Mas não será esta desqualificação que irá impedir María Machado de tirar Nicolás Maduro do poder. "A ‘inabilitação’ não é uma das barreiras que me preocupa. Há outras. Essa não será um problema. Eu vou-me inscrever e vamos derrotar Nicolás Maduro", prometeu, em declarações à Agência Lusa.
Nancy Gomes, especialista em Relações Internacionais, acredita que tal será "possível", mas apenas se os Estados Unidos "pressionarem" o governo de Nicolás Maduro a reconhecer María Machado como candidata às eleições. "Quero acreditar que ela tem chances", admite à CNN Portugal a professora da Universidade Autónoma de Lisboa, que saiu da Venezuela "há vários anos" e que vê a vitória de María Machado como "uma boa notícia" para o país, sobretudo porque "traz esperança à população venezuelana que está há décadas preocupada em sobreviver".
Estas eleições primárias - que decorreram em 32 outros países, incluindo Portugal, foram organizadas pela própria oposição, sem qualquer apoio técnico do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e sem cobertura mediática na Venezuela - uma vez que, segundo o El País, os meios de comunicação social locais foram "pressionados pelo governo para ignorar o processo eleitoral" -, mostraram que o caminho de María Machado até à corrida presidencial não será fácil.
É que os servidores da Internet (geridos por uma entidade pública) falharam pouco depois do encerramento das urnas, o que atrasou a contagem dos votos e a publicação dos resultados, que inicialmente seriam conhecidos pelas 22:00 horas. Os resultados provisórios acabaram por ser conhecidos já depois da meia-noite desta segunda-feira e deram uma vitória incontestável a María Machado.
A adesão à votação superou as expectativas e nem a chuva dispersou os eleitores na Venezuela, segundo o relato da imprensa internacional, que fala numa "adesão em massa" traduzida em longas filas de espera para exercer o direito de voto.
Apesar de contar com o apoio de muitos venezuelanos, María Machado mantém uma relação difícil com os restantes líderes da oposição, sendo considerada uma candidata mais radical entre os opositores do regime. A engenheira de profissão define-se como liberal e propõe abrir os mercados, privatizar empresas e dar oportunidades a investidores em diversos setores, além de querer transformar “a Venezuela no ‘hub’ energético das Américas”.
"Ela sempre foi mais radical, chegou a defender a utilização da força para acabar com o governo de Nicolás Maduro", recorda a professora Nancy Gomes, ressalvando, contudo, que a candidata tem "moderado o seu discurso" ultimamente, aproveitando o "contexto de negociações" entre o governo de Maduro e os partidos da oposição, que formaram para o efeito a coligação Plataforma Unitária da Venezuela - que o partido de María Machado não integra.
Estas negociações são o resultado de "um processo que já tem anos", fruto da pressão dos Estados Unidos sobre o governo de Nicolás Maduro com a aplicação de sanções à venda de petróleo e ouro, entre outros, explica Nancy Gomes. Estas sanções "funcionam como uma moeda de troca", compara a professora, uma vez que os Estados Unidos se comprometem a levantar as sanções caso Maduro cumpra com os requisitos democráticos no país.
No fim de semana passado, o governo de Maduro e os partidos da oposição reuniram-se em Barbados e chegaram a acordo em várias questões relacionadas com as próximas eleições presidenciais, nomeadamente a data, que está prevista para o segundo semestre do próximo ano, e a presença de observadores internacionais, como a União Europeia, para garantir que as eleições serão livres e justas.
A imprensa descreve María Machado como "um furacão" capaz de derrotar Maduro e a sua postura "coerente" e crítica valeram-lhe a alcunha de "Dama de Ferro", observa Nancy Gomes, que também atribui a alcunha ao facto de María Machado vir de uma família de empresários do ramo da siderurgia. Formada em Engenharia Industrial, María Machado destacou-se entre 2011 e 2014 como uma deputada combativa, dirigindo críticas não só ao regime como também à oposição. "Ela nunca teve problemas nenhuns em chamar o governo de Maduro como uma ditadura", exemplifica Nancy Gomes.
Enquanto deputada, esteve por detrás das manifestações contra o governo de Maduro em fevereiro de 2014, e viu o seu mandato extinguido no mês seguinte, por decisão da Assembleia Nacional da Venezuela. Em 2015 foi proibida de concorrer a cargos eleitorais e de deixar o país.
Entretanto, com a ascensão de Juan Guaidó como líder da oposição - chegando a ser reconhecido como presidente interino pelas democracias internacionais -, María Machado perdeu algum destaque na política venezuelana, até voltar em força com a organização de comícios nos bairros mais pobres e antigos bastiões do chavismo, onde muitos venezuelanos dizem estar dececionados com Maduro.
Resta agora saber se María Machado poderá realmente efetivar uma candidatura às presidenciais de 2024. No acordo alcançado na semana passada entre a Plataforma Unitária da Venezuela e o governo de Maduro, em Barbados, o executivo comprometeu-se a emitir uma autorização para que “todos os candidatos e partidos políticos” possam concorrer nas eleições do próximo ano, mas não é claro se María Machado será beneficiária da mesma.