Esta doença inflamatória pode ser mais comum do que se pensa (e só foi recentemente identificada) - TVI

Esta doença inflamatória pode ser mais comum do que se pensa (e só foi recentemente identificada)

  • CNN
  • Jacqueline Howard
  • 28 jan 2023, 15:00
David Adams no hospital durante uma fase sintomática da síndrome VEXAS. Cortesia David Adams

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David Adams passou meia década a lutar contra uma doença sem nome. Entrava e saía do hospital várias vezes por ano. As suas articulações inflamadas faziam com que as suas mãos parecessem que tinham sido espremidas - e ele já não conseguia tocar as suas guitarras clássicas e de jazz.

Tinha febre constante e cansaço. Até desenvolveu dor e inchaço nos genitais, o primeiro sinal de que algo não estava mesmo bem.

"No início de 2016 comecei a sentir algumas dores nos genitais", disse Adams, agora com 70 anos. "Depois disso, uma vez mais, muito cansaço - o meu médico nessa altura, de cuidados primários, tinha pedido análises ao sangue, e a minha contagem de glóbulos brancos era muito, muito baixa."

A seguir, Adams, que vive em Alexandria, Virgínia, nos Estados Unidos, consultou um hematologista, um pneumologista, um urologista, um reumatologista e um dermatologista. Alguns pensaram que poderia ter cancro.

Os sintomas de Adams continuaram, com ainda mais fadiga, pneumonia e uma grande erupção cutânea abaixo da cintura. Tentou pelo menos uma dúzia de medicamentos, consultou cerca de duas dúzias de médicos e nada ajudou.

Em 2019, o agravamento dos sintomas forçou-o a reformar-se mais cedo da sua carreira de décadas em sistemas de dados clínicos. Mas continuou sem saber o que estava a causar tantos problemas.

Finalmente, em 2020, cientistas dos Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health/NIH, na designação original) descobriram e nomearam uma doença genética rara: síndrome VEXAS, que causa danos no organismo através de inflamações e problemas sanguíneos.

Adams tinha uma consulta com o seu reumatologista e, quando entrou no consultório, o seu médico "parecia uma criança".

Nas mãos do médico estava uma cópia de um artigo do New England Journal of Medicine que detalhava a descoberta.

E Adams teve a sua resposta.

"Pela primeira vez, houve uma correlação de sintomas", contou. "Foi um choque."

Maioria dos casos por diagnosticar

Estima-se que uma em cerca de 13.500 pessoas nos Estados Unidos possa ter síndrome VEXAS, sugere um novo estudo, o que significa que o misterioso e por vezes mortal distúrbio inflamatório pode ser mais comum do que se pensava.

Em comparação, a doença genética da atrofia muscular espinal afeta cerca de uma em cada 10.000 e a doença de Huntington ocorre em uma em cada 10.000 a 20.000.

Desde a sua descoberta, foram relatados casos ocasionais de VEXAS na investigação médica, mas o estudo revela novas estimativas da sua prevalência.

A investigação, publicada na revista JAMA, sugere que uma em 13.591 pessoas nos EUA tem mutações no gene UBA1, que se desenvolvem mais tarde na vida e causam a síndrome VEXAS.

David Beck, professor assistente na Universidade de Nova Iorque (NYU), estuda as mutações do gene UBA1 em pacientes com VEXAS. Créditos: NYU Langone Health

"Este estudo está a demonstrar que há provavelmente dezenas de milhares de pacientes nos EUA que têm esta doença, e a grande maioria provavelmente não está a ser identificada porque os médicos não estão a considerar isto como um diagnóstico", observou David Beck, professor assistente no Departamento de Medicina da Universidade de Nova Iorque (NYU) e principal autor do estudo.

A síndrome VEXAS não é hereditária, pelo que quem a tem não transmite a doença aos filhos. Mas o gene UBA1 está no cromossoma X, logo a síndrome é uma doença ligada ao X: afeta predominantemente os homens, que têm apenas um cromossoma X. As mulheres têm dois cromossomas X, por isso se tiverem uma mutação no gene de um cromossoma X mas não no outro, geralmente não são afetadas.

"Está presente em um em cada 4.000 homens com mais de 50 anos. Portanto, pensamos que é uma doença que deve ser considerada em termos de testes para indivíduos que apresentem os sintomas", indicou Beck, que também liderou a equipa federal de investigação que identificou a mutação UBA1 partilhada entre pacientes VEXAS em 2020.

"O benefício da síndrome VEXAS é que temos um teste. Temos um teste genético que pode ajudar a estabelecer diretamente o diagnóstico", defendeu Beck. "É apenas uma questão de os pacientes satisfazerem os critérios - que são indivíduos mais velhos com inflamação sistémica, baixa contagem sanguínea, que não estão realmente a responder a nada além de esteroides - e os seus médicos pedirem testes genéticos para obterem um diagnóstico."

Adams, que se tornou paciente de Beck, disse que receber finalmente um diagnóstico - e compreender a causa dos seus sintomas - mudou a sua vida.

"Foi incrivelmente libertador ter o diagnóstico", afirmou.

"Não se pode combater o inimigo a menos que este tenha um nome", acrescentou. "Finalmente tínhamos algo em que podíamos dizer: 'OK, compreendemos o que se está a passar. Isto é VEXAS'."

Gravidade da doença

Para o novo estudo, Beck e os seus colegas do NIH, da Universidade de Nova Iorque, do Geisinger Research e outras instituições analisaram dados sobre 163.096 pacientes do sistema de saúde do centro e nordeste da Pensilvânia, de janeiro de 1996 a janeiro de 2022, incluindo registos de saúde eletrónicos e amostras de sangue.

Onze dos pacientes tinham uma variante UBA1 causadora da doença, e uma 12.ª pessoa tinha uma variante "altamente suspeita".

Apenas três dos 12 ainda estão vivos. Uma taxa de sobrevivência de cinco anos de 63% foi previamente notificada.

Entre os 11 pacientes do novo estudo que tinham variantes patogénicas em UBA1, apenas dois eram mulheres. Sete tinham artrite como sintoma e quatro tinham sido diagnosticados com doenças reumatológicas, tais como psoríase ou sarcoidose, que causa inchaços no corpo. Todos tinham anemia ou baixa contagem de células sanguíneas.

"Nenhum tinha sido diagnosticado clinicamente com a síndrome VEXAS", disse Beck.

A descoberta "está a enfatizar como é importante poder escolher estes pacientes, dar-lhes o diagnóstico e iniciar as terapias agressivas ou tratamentos agressivos para manter a inflamação sob controlo", argumentou Beck.

VEXAS - um acrónimo para cinco características clínicas da doença [vacuoles, E1 enzyme, X-linked, autoinflammatory, somatic, ou seja, doença autoinflamatória monogénica somática de início tardio] - não tem tratamento ou cura padronizada, mas, segundo Beck, os sintomas podem ser controlados com medicamentos como o esteroide prednisona e outros imunossupressores.

"Mas a toxicidade da prednisona ao longo dos anos é um desafio. Existem outros medicamentos anti-inflamatórios que usamos, mas de momento são apenas parcialmente eficazes", sublinhou. "Um tratamento para indivíduos que vimos que é muito eficaz é o transplante de medula óssea. Isso vem com os seus próprios riscos, mas apenas ressalta a natureza grave da doença."

Embora o novo estudo ajude a fornecer estimativas da prevalência e dos sintomas da síndrome VEXAS, os dados não são representativos de todos os Estados Unidos, e Beck é da opinião que é necessário fazer mais investigação sobre um grupo maior e mais diversificado de pessoas.

Alguns homens podem hesitar em procurar atendimento médico para os sintomas, mas fazê-lo pode salvar-lhes a vida.

"Eventualmente, vai ficar tão mau que acabará como a minha primeira hospitalização, em que se está às portas da morte", lembrou Adams. "Não vão querer estar nessa situação."

Adams tem tomado prednisona para aliviar os sintomas, e isso tem ajudado. Mas como o uso de esteroides pode ter efeitos secundários, tais como cataratas e aumento de peso, tem estado a trabalhar com os seus médicos para encontrar outras terapias para poder reduzir a ingestão da medicação.

Facetas diferentes

Beck e os seus colegas estão a estudar terapias específicas para a síndrome VEXAS, bem como a realizar ensaios de transplante de medula óssea com células-tronco no NIH.

"Há muitas facetas diferentes da doença", apontou Bhavisha Patel, hematologista e investigadora no National Heart, Lung and Blood Institute's Hematopoiesis and Bone Marrow Failure Laboratory, num comunicado do NIH no mês passado.

"Creio que é isso que é um desafio quando pensamos em tratamento, porque é tão heterogéneo", avaliou Patel, que não esteve envolvido no novo estudo.

"Tanto no NIH como em todo o mundo, os grupos que se dedicaram ao VEXAS estão à procura de terapias médicas para oferecer a outros pacientes que não se qualificam para um transplante de medula óssea", disse Patel. "Continuamos a colaborar em muitos projetos a fim de categorizar ainda mais esta doença e, em última análise, encontrar as melhores opções de tratamento."

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