Vistos gold. Atrasos levam investidores estrangeiros a processar o Estado para conseguir um simples agendamento no SEF. E vencem - TVI

Vistos gold. Atrasos levam investidores estrangeiros a processar o Estado para conseguir um simples agendamento no SEF. E vencem

Serviço de Estrangeiros e Fronteiras

O MAI já perdeu 18 processos em tribunal devido aos atrasos nos agendamentos do SEF. São investidores que já gastaram milhares de euros e desesperam para dar entrada nos pedidos ou renovar autorizações. Mas há mais processos na justiça e as derrotas podem não ficar por aqui

Relacionados

O Ministério da Administração Interna (MAI) já perdeu em tribunal 18 processos colocados por investidores estrangeiros que, depois de investirem em Portugal, tiveram de recorrer à justiça para conseguirem, por exemplo, um simples agendamento aos balcões do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e, assim, iniciar o processo para obterem os ‘prometidos’ vistos gold. Mas há mais processos a correr na justiça e as decisões desfavoráveis ao Estado podem não ficar por aqui. Há quem espere "dois anos" pelo primeiro agendamento para dar entrada do processo de obtenção de visto, quando a lei prevê um prazo de 90 dias.

"Foram interpostos 63 processos nos tribunais, solicitando o agendamento/concessão/renovação de autorizações de residência para investimento (ARI)", disse à CNN Portugal o SEF, adiantando que destes, "foram notificadas sentenças desfavoráveis ao SEF em 18 processos, as quais são cumpridas no prazo determinado pelo Tribunal".

Em resposta à TVI/CNN Portugal, o Ministério da Administração Interna respondeu que "foi diretamente demandado em duas ações administrativas de condenação à prática de ato devido, relacionadas com pedidos de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI),  ambas em 2020" e que "num dos casos foi dado provimento à ação (sentença em junho de 2021) e no outro foi indeferida (sentença em abril de 2022).

Um dos casos ganhos contra o MAI/SEF é o do advogado Bettino Zanini que nos últimos anos tem acompanhado vários clientes estrangeiros que investiram milhares de euros em Portugal para se candidatarem aos vistos gold. Perante o desespero de alguns clientes, que após investirem milhares de euros não conseguiam um simples agendamento no SEF, decidiu levar a tribunal o MAI, do qual (SEF) está dependente. O advogado garantiu à CNN Portugal que já venceu quatro processos e aguarda a decisão de outros cinco.

“Sei de antigos clientes que investiram em final de 2021 e que até agora não tiveram os seus requerimentos iniciais aprovados. Essa é só a primeira etapa. E depois de aprovado, não se conseguem agendamentos”, explica o advogado. Antes da chegada da pandemia já havia problemas, mas depois, com a pandemia covid-19, começaram “a escassear” vagas e desde o ano passado, “todas as etapas simplesmente pararam”, lamenta.

O primeiro caso de Bettino Zanini refere-se a um investidor do Reino Unido, que queria vir viver para Portugal com a família. Adquiriu um imóvel e, meses depois, não conseguia sequer entregar o primeiro documento. O processo não está resolvido, mas por via judicial já foi conseguido o agendamento, foram ultrapassadas algumas etapas e, agora, está a aguardar a aprovação final.

A decisão determinava que se o requerente cumprisse os critérios, o SEF tinha "de disponibilizar um agendamento para ele e para a sua família no prazo de 10 dias". O processo deu entrada em abril de 2022 e em julho receberam a decisão favorável.

Os processos interpostos por este advogado visam apenas o incumprimento dos prazos previstos e, assim, obrigar o SEF a marcar os devidos agendamentos para que seja possível oficializar os pedidos: “O Estado tem o dever de se manifestar dentro de um prazo razoável sobre as questões que lhes são colocadas. Tem de dar andamento aos processos”, acrescenta.

Num outro processo, Bettino Zanini, representou um cidadão indiano, qua também já conseguiu um agendamento. Um brasileiro e um russo. De todas as vezes, a decisão do juiz “foi favorável”. No caso do cidadão russo, este já tinha “autorização de residência. Tratava-se de um caso de reagrupamento familiar”, recorda.

O advogado explica que os magistrados fundamentam as suas decisões com o facto de “a demora do SEF nesses processos, muitas vezes superiores a um ano para cada fase, não ser legal”. Apenas no caso do cidadão russo, explica, Bettino Zanini, existiam contornos diferentes por se tratar de um reagrupamento familiar e a decisão judicial acabou por assentar mais nessa questão.

Os processos foram intentados contra o MAI porque, apesar de o ato omitido ser do SEF, este serviço está na dependência do MAI e, como tal, “o MAI é a entidade requerida”, explica Bettino Zanini adiantando que nem todos os clientes admitem a possibilidade do processo judicial porque temem “ser prejudicados posteriormente”.

Nenhum processo teve como pedido a resolução dos casos, apenas era requerido o cumprimento de todas as etapas do processo em tempo razoável, explica o advogado. “O meu objetivo é que as coisas melhorem. Todos os advogados sentem a mesma dificuldade e recebem a frustração dos clientes que confiaram num programa, num prazo razoável e, passado um ano e dois meses, ainda estão parados na primeira etapa e sem perspetiva de ver resolvida a situação”, acrescenta. Antes o processo era mais célere e cada etapa demorava um a dois meses. Agora, só a primeira demora mais de um ano.

E como se desenrola o processo? Começa pelo investimento. Bettino Zanini faz um resumo: “O investidor realiza o investimento depois submete um requerimento inicial na plataforma online do SEF. Esse requerimento inicial é aprovado e após essa aprovação é que o investidor consegue agendar uma ida ao SEF. Nesse agendamento, em qualquer balcão de uma delegação do SEF, o investidor apresenta efetivamente o pedido da autorização de residência. Depois o procedimento é analisado e é emitida uma guia para o pagamento da última taxa para a emissão do cartão. Por fim, é emitido o título de residência, o cartão”.

E quais são os prazos previstos na lei?

Uma fonte do SEF explicou à CNN Portugal que não existe legislação específica quanto ao tempo limite de análise e decisão dos vistos gold. Por isso, aplica-se "o que está expresso na lei relativamente aos demais". E o que diz a lei? Apesar dos prazos serem indicativos, e haver situações em que a sua prorrogação é admitida, "todas as decisões têm como prazo limite 90 dias". Por exemplo, quando são "necessárias averiguações complementares" para se avançar com a aprovação de um pedido o prazo pode ser alargado, mas quando estão cumpridos todos os pressupostos, o prazo deve ser cumprido.

Em declarações à CNN Portugal, o presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem de Advogados, João Massano, esclarece que "após o investimento, é preciso juntar a documentação pedida e fazer a 'instrução' do processo no portal do SEF, na conta do investidor”. A partir daí, o SEF teria 10 dias para verificar a documentação e para se pronunciar “se o processo pode ou não avançar" e em caso positivo "indicar quais as datas disponíveis". Em seguida, a lei prevê 60 dias úteis. Ou seja, 90 dias seguidos.

Esta é também uma área onde tem experiência profissional e João Massano confirma que a situação é dramática. "Tenho no escritório processos de autorização de residência para investimento a aguardar há mais de dois anos" e "o ponto de situação sobre estes processos é que ainda nem sequer recebemos o e-mail a informar que podemos agendar a ida ao SEF para conclusão do processo", acrescenta.

O advogado ressalva, que, no caso dos vistos gold, "estamos a falar de pessoas que já fizeram um investimento inicial muito avultado e ainda nem sequer podem entrar em Portugal sem visto". Todavia reconhece que este é um drama vivido por todos os imigrantes.

Renovação online para imigrantes já com autorizações de residência

A impossibilidade de conseguir agendamentos não afeta apenas os interessados nos vistos gold. Este é um problema transversal e do qual as autoridades têm consciência. Por isso mesmo, recentemente foi anunciado que os estrangeiros residentes em Portugal cujas autorizações de residência caduquem até 31 de março podem renovar o documento automaticamente através da página da internet do SEF.

Segundo o SEF, são cerca de 21.500 estrangeiros que podem renovar automaticamente as autorizações de residência (AR) na funcionalidade de renovação automática, disponível na "Área Pessoal" do portal do SEF. Fonte do SEF disse à agência Lusa que também podem aceder a esta funcionalidade os 6.000 estrangeiros com uma autorização de residência para atividade de investimento, conhecidos por ‘vistos gold’, e que caducam até 31 de março, sendo a primeira vez que renovações deste tipo de AR podem ser feitas automaticamente através da internet.

A CNN Portugal procurou também saber quantas renovações online já tinham dado entrada nos serviços, mas o SEF justificou que "de momento, em virtude do recente alargamento da disponibilização da funcionalidade de renovação automática aos beneficiários de ARI, ainda não é possível indicar os dados solicitados, que se encontram em processo de sistematização".

O elevado número de pendências foi justificado à TVI/CNN Portugal pelo Ministério da Administração Interna devido "por um lado, à pandemia global de COVID-19 e ao seu impacto nos atendimentos e no número de trabalhadores disponíveis e, por outro, ao elevado e crescente número de solicitações dos cidadãos migrantes, o que tem condicionado os atendimentos e a disponibilidade de vagas para o mesmo".

Para ajudar a resolver este volume de processos, o MAI explicou que já foram tomadas medidas: "A conclusão do concurso de admissão de 116 novos assistentes técnicos, que já se encontram a reforçar os postos de atendimento, e a tramitação processual e a reativação do programa “SEF Vai à Escola”, são algumas das medidas implementadas de modo a corrigir a curto prazo esta situação, bem como a disponibilização, a partir de outubro de 2022, de mais de 60.000 vagas para atendimento".

Por outro lado, "o Governo entendeu (novamente) adotar um procedimento simplificado de instrução dos pedidos de concessão e renovação de autorização de residência, inscrito na Lei do Orçamento do Estado para 2023, aplicável durante o ano de 2023 e até que a APMA e o IRN assumam as competências em matéria de concessão e de renovação de autorizações de residência, nos termos da Lei n.º 73/2021, de 12 de novembro".

O MAI garantiu ainda que "enquadrado nessa medida, o SEF disponibiliza, no âmbito das renovações, a funcionalidade de renovação automática online de autorização de residência, através da qual os cidadãos estrangeiros podem solicitar a mesma. Esta funcionalidade já permitiu a renovação de mais de 200 mil títulos de residência nos últimos 3 anos, sem necessidade de deslocação a um posto de atendimento do SEF".

Os dados oficiais do MAI das renovações automáticas dos últimos três anos disponibilizados à TVI/CNN Portugal são:
2020 - 87.644 renovações
2021: 76.071 renovações
2022: 78.437 renovações

Primeiro-ministro admite fim do programa

Recorde-se que em novembro do ano passado, o primeiro-ministro, António Costa, considerou que "provavelmente" os objetivos do programa de vistos gold já tinham sido cumpridos. Sem se comprometer com uma decisão admitiu que o fim é uma das hipóteses que está em cima da mesa. 

"Há programas que estamos neste momento a reavaliar e um deles é o dos vistos gold, que, provavelmente, já cumpriu a função que tinha a cumprir e que neste momento não se justifica mais manter", disse o primeiro-ministro, em declarações aos jornalistas após uma visita à Web Summit, em Lisboa.

Poucos dias depois foi a vez do ministro da Economia abordar o tema e confirmar que o Governo estava a criar um grupo de trabalho com os ministérios da Economia, dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna, para avaliar o fim dos vistos gold.

“Na sequência do anúncio do senhor primeiro-ministro, está a ser criado um grupo de trabalho com o Ministério da Economia, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério da Administração Interna”, disse António Costa Silva.

Nesta matéria, questionado pela TVI/CNN Portugal, o MAI explicou que "quanto à revisão do atual regime das autorizações de residência para atividade de investimento (ARI), vulgarmente chamadas de "Vistos Gold", o Governo criou um grupo de trabalho interministerial - integrando as áreas governativas da Cultura, Administração Interna, Economia, Negócios Estrangeiros (que coordena), Justiça e Habitação - com o objetivo de realizar um estudo reflexivo e de avaliação sobre o estado atual desse regime, o seu impacto e os resultados obtidos durante uma década de vigência (2012-2022) - que se prevê estar concluído durante o primeiro trimestre deste ano".

Em dez anos, vistos gold ‘deram’ ao país quase sete mil milhões de euros de investimento

Desde que os vistos gold foram criados – em 2012 com o Governo de coligação PSD/CDS, era Miguel Macedo titular da pasta da Administração Interna – foram investidos quase sete mil milhões de euros (6,54 mil milhões). A sua grande maioria (cerca de 90%) no mercado imobiliário. Segundo dados do SEF nos dez anos de vida do programa, oficialmente chamado de Autorização de Residência para Investimento (ARI), foram registados 11.180 investidores e 18.368 familiares beneficiados.

Os investidores foram quase 50% chineses, seguidos de brasileiros, turcos, sul-africanos e, por último, norte-americanos. Mas há também vistos concedidos a angolanos e russos.

Continue a ler esta notícia

Relacionados

EM DESTAQUE