Vodafone foi condenada a indemnizar clientes. Um ano depois, maioria ainda não recebeu um cêntimo. Empresa e tribunais travam pagamentos - TVI

Vodafone foi condenada a indemnizar clientes. Um ano depois, maioria ainda não recebeu um cêntimo. Empresa e tribunais travam pagamentos

Vodafone Portugal com novo CEO (Getty Images/ Xavi Torrent)

Mais de um ano depois de o Supremo Tribunal ter condenado a operadora a indemnizar os clientes que tenham sido alvo de cobranças adicionais não solicitadas, muitos dos lesados não receberam qualquer pagamento. Prática que os juízes consideraram "proibida pela lei" continua em vigor

No dia em que o Supremo Tribunal de Justiça condenou a Vodafone a devolver aos clientes todo o dinheiro cobrado com a ativação automática e não solicitada de planos de internet, mensagens ou chamadas extra, os telefones da associação Citizen’s Voice não paravam de tocar. “Chegámos a uma altura em que estávamos a responder a cerca de oito reclamações por hora”, conta Octávio Viana, presidente daquela organização que lidera uma das maiores ações coletivas em Portugal e cujo resultado do acórdão feito pelos juízes-conselheiros do Terreiro do Paço está estimado em 4 mil milhões de euros de indemnizações. 

No centro desta ação coletiva estava uma prática que o Supremo considerou “ilegal”, mas muito comum a dezenas de clientes da Vodafone que, ao esgotarem os seus planos de telecomunicações e de internet móvel, viam a operadora retirar-lhes automaticamente do seu saldo valores que podiam ascender a quase dois euros. Entre as denúncias recolhidas por esta associação estão casos de pessoas que chegavam a pagar mais por estas cobranças adicionais ao final do mês do que pelo seu tarifário.

Toda esta situação, escreveram os juízes do Supremo Tribunal, “contraria a boa-fé” e está “proibida pela lei”, porque acontece “sem que o consumidor tenha a possibilidade de recusar tais serviços”. O acórdão foi publicado em fevereiro de 2022, mas a grande maioria dos autores da ação popular que levou à condenação da Vodafone ainda não viu um cêntimo. Além disso, apurou a CNN Portugal, a prática mantém-se para alguns clientes. “Há uma explicação simples para isso, a Vodafone não está a cumprir”, sublinha Octávio Viana.

À CNN Portugal, fonte oficial da Vodafone afirma que a empresa, "não obstante discordar com o teor do Acórdão do STJ", "dá cumprimento a todas as decisões judiciais após esgotadas as instâncias de recurso" e, adicionalmente, reitera que "não cobra, nem nunca cobrou, quaisquer valores à revelia da vontade dos seus clientes, sendo certo que, no caso específico da utilização de internet móvel, todos os clientes têm a possibilidade de gerir a utilização conforme entenderem, bloqueando a utilização fora do plafond mensal ou decidindo qual o valor de consumos que pretendem efetuar”.

Novamente nas mãos dos juízes

Atualmente, o caso regressou às mãos dos juízes do Supremo Tribunal desta vez para decidirem como deverá ser feita a restituição do valor aos clientes lesados nos últimos 10 anos. Isto porque quando os autores da ação popular pediram a liquidação da sentença ao tribunal de primeira instância, o tribunal recusou dar seguimento ao processo, alegando que cada lesado teria que, individualmente, avançar com uma ação junto do Tribunal de Execução de Penas.

“Discordámos e recorremos imediatamente dessa decisão, mas, por precaução avançámos com várias execuções em nome dos lesados”, explica o presidente da organização Citizen’s Voice, garantindo que deram início a 10 processos antes de receberem uma outra decisão contraditória. É que o Tribunal de Execução de Penas considerou que a restituição do dinheiro aos clientes só poderia acontecer após existir a liquidação da sentença, ou seja, depois de feita uma perícia colegial às contas da Vodafone e de ser calculado o valor total dessa indemnização - que, segundo os autores pode chegar aos 4 mil milhões de euros.

Dependendo da decisão do Supremo Tribunal, este valor será depois entregue para ser gerido por uma entidade fiscalizadora como a ANACOM - Autoridade Nacional de Comunicações ou a Direção-Geral do Consumidor que, mediante a entrega de comprovativos da cobrança adicional não solicitada, indemnizará os respetivos clientes. Em abril deste ano, a operadora móvel viu também os dois recursos apresentados recusados pelo Supremo Tribunal de Justiça

Acordo extrajudicial?

Entretanto, a Vodafone tem apresentado, a quem se dirige aos seus serviços para reclamar, uma declaração de quitação que está a ser interpretada pela Citizen’s Voice como um acordo extrajudicial. “É um verdadeiro acordo extrajudicial que impõe aos lesados uma série de obrigações e declarações, sendo que uma delas é aceitar que a Vodafone possa continuar a cobrar por serviços adicionais sem o consentimento dos clientes, mesmo depois de o Supremo considerar a prática ilegal”.

De acordo com um exemplar dessa declaração a que a CNN Portugal teve acesso, uma cláusula para o pagamento aos clientes é fique “expressamente declarado nada mais ter a receber, seja a que título for, em resultado da decisão judicial proferida no âmbito do referido processo, por conta de consumos de dados móveis já efetuados ou por conta de quaisquer consumos de dados móveis supervenientes”. Para além disso, quem receba o montante de indemnização apresentado pela Vodafone neste momento tem também de declarar “ter perfeito conhecimento de que forma pode controlar e limitar a utilização dos dados móveis referentes ao(s) serviço(s) que tem ativo(s) e que legítima e voluntariamente contratou nas referidas condições”.

Contactada relativamente a estas declarações de quitação, fonte da Vodafone garante que "todos os casos de clientes que apresentaram reclamações ou pedidos de esclarecimento foram devidamente analisados, à luz dos factos objeto de discussão na Ação Popular, tendo sido aplicado o correspondente reembolso sempre que devido". A mesma fonte não revelou quantas declarações foram já assinadas, tal como o valor total correspondente para a empresa.

Octávio Viana afirma que, dos autores que avançaram com a ação contra a Vodafone, foram poucos os que assinaram esta declaração, isto porque ficariam limitados a receber o valor calculado pela operadora e não aquele que será declarado pelo tribunal. “Eles dizem, vamos dar-lhe uma quantia que é uma ficção da Vodafone, e que é um valor irrisório face àquilo que tem direito”, portanto, “se aceitar receber 50 euros, ou 20 euros ou 30 euros, mesmo que tenha direito a mil ou a dois mil, não os vai receber”, assevera.

Dentro dos tribunais, a associação denuncia também que a operadora está a ter uma “estratégia de obstaculizar o direito dos lesados em serem ressarcidos daquilo que a operadora foi condenada”, com o objetivo de que os clientes “desistam ou que o seu caso prescreva”. Um exemplo disso é, afirma Octávio Viana, a recusa da operadora em fornecer faturas que comprovem as cobranças efetuadas pela companhia. “Vendo que as pessoas não têm grandes recursos para andarem a litigar, o que a Vodafone faz é dizer que não paga, e quando são solicitadas as faturas para executar esse pagamento dizem que não dão, porque não podem ter por causa do regime de proteção de dados”. 

Perante isto, há casos atualmente a decorrer nos Julgados de Paz com clientes a exigir à operadora a entrega dessa documentação. “E nestes casos, têm tentado tornar a vida difícil às pessoas”.

Recentemente, a associação recebeu o caso de uma lesada que se recusou a aceitar o acordo de quitação e recorreu para os Julgados de Paz, que tem força de um tribunal de primeira instância, para obter as faturas e avançar com o processo de indemnização. “A pessoa mora em Sintra e a audiência foi marcada para as 9:30 horas em Lisboa, ora a pessoa trabalha e tem filhos e isto complicava-lhe muito a vida, por isso, pediu para ser ouvida através dos meios informáticos e a Vodafone opôs-se, teve de ser a associação a assumir o processo e a adquirir os créditos litigiosos”.

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