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Casei com uma beta de Lisboa e isto foi o que aprendi

  • Redação V+ TVI
  • 28 set, 09:02

Madalena entrou discretamente na vida de Diogo, mas marcou-a profundamente e para sempre

Todas as semanas, publicamos um conto ficcional sobre o amor, a partir de um caso real  

Sou o Diogo e cresci fora de Lisboa, no Ribatejo. Se me perguntarem se éramos pobres ou ricos, diria que não fui nenhuma das duas coisas. Fui… normal.
A minha mãe era professora, o meu pai trabalhava num banco. Não éramos definitivamente remediados como as famílias que viviam do outro lado da linha do comboio, em apartamentos escuros e cheios de graffiti. Também não éramos ricos como os donos dos casarões com piscina do bairro da colina, que pareciam viver acima do mundo. Estávamos no meio.

Sempre fui bom aluno e fui estudar Direito, em Lisboa. Para minha surpresa, fui o melhor aluno do curso. No fim, recebi um convite para estagiar no maior e melhor escritório da cidade — e ali também me destaquei. Tudo me saía com facilidade, e senti que aquele era o meu lugar. Fiz o exame da Ordem e logo recebi proposta de trabalho. A vida no escritório era muito diferente e logo percebi: os códigos eram outros.

Parecia que todos se conheciam desde sempre, que todos faziam parte da mesma “bolha” de primos, tios, amigos de longa data. Usava-se ter dois apelidos com apóstrofes ou pronomes de ligação. Eu vivia em pânico de dizer a coisa errada. Mantive-me calado e fui absorvendo e aprendendo tudo. Mudei a forma de vestir, o corte de cabelo, comecei a frequentar outros sítios e ganhei novos hobbies como o ténis e a vela. E, aos poucos, fui aceite.

Foi também no escritório que conheci a Madalena, filha do meu patrono. Às sextas-feiras aparecia para almoçar sempre com o pai. Era distante, até arrogante com quem não conhecia, mas surpreendentemente calorosa com os seus — como a Constança, sua amiga de infância, que era também advogada. Durante dois anos vi a Madalena de longe, sem trocarmos uma palavra.

Até que, num jantar de Natal do escritório, ficámos lado a lado à mesa. O pai dela incluiu-me na conversa com naturalidade, lançando-me um olhar cúmplice. A Madalena olhou para mim, hesitou por um instante, e depois começou a falar — com aquela cadência precisa, pausada, que fazia cada palavra soar medida e importante. Foi o início de uma conversa tímida, mas cheia de subtilezas, que me fez perceber que havia algo ali que valia a pena.

Comecei a almoçar com eles às sextas. Nesse verão, encontrámo-nos no casamento da Constança e foi como se o tempo tivesse suspendido: percebi que havia um querer mútuo. Depois disso, os encontros tornaram-se inevitáveis — e começámos a namorar.

A Madalena era a típica “beta” de Lisboa — e tudo nela me fascinava.
Não usava maquilhagem, nem pestanas postiças, unhas grandes, nem nada dessas coisas pindéricas, como ela dizia. Nunca se deixava cair em excessos. Ocupava o tempo com uma linha de roupa que tinha criado com a melhor amiga, a Assunção, vendendo sobretudo para o círculo restrito de amigas: vestidos de festa, casacos bordados e peças com padrões inesperados. A Madalena tinha um estilo próprio, impossível de confundir.

Falava de forma ligeiramente afetada, como quem sabe que cada palavra carrega o peso da sua educação. A sua voz soava a dinheiro — não pelo que dizia, mas pela cadência, pelas pausas, pelo modo como nunca precisava de se apressar. E, acima de tudo, havia nela uma confiança quase desconcertante: a Madalena estava sempre à vontade, em qualquer lugar. Seja num jantar formal, num areal deserto ou numa sala cheia de gente que não conhecia, movia-se com a mesma naturalidade. Montava a cavalo, surfava, estava sempre à vontade em qualquer ambiente. Nada nela era forçado. Ria-se das pessoas que tentavam parecer sofisticadas demais. E quando chegava a hora de comer pizza, não hesitava: sempre com as mãos.

Desde cedo começou, gentilmente, a corrigir-me. Falava com aquele código subtil que a distinguia: não era “vermelho”, era “encarnado”; não era “sanita”, era “retrete”; não era “aniversário”, era “festa de anos”; não era “prenda”, era “presente”; não era “acidente”, era “desastre”. Até “sofá” tinha um lugar especial na pronúncia, como se fosse acentuado ao mesmo tempo no “o” e no “a”.

Na vida da Madalena havia outras regras. Nunca se dizia “santinho” ou “saúde” quando alguém espirrava, nem “bom apetite” à mesa. Quando alguém morria — atenção, nunca “falecia” — a Madalena mandava sempre “um beijinho grande” e jamais “os meus pêsames”. E ia ao “enterro”, não ao “funeral”. Também não se “colocava” nada em lado nenhum: usava-se sempre o verbo mais simples, “pôr”.

Odiava diminutivos — achava-os ridículos, “fofinhos” demais, uma espécie de infantilidade linguística. Curiosamente, fazia uma exceção com as amigas, a quem chamava sempre Rosarinho e Gracinha. Não suportava casas decoradas “de revista”, com móveis idênticos aos de toda a gente. Queria apenas peças únicas, carregadas de histórias. Detestava centros comerciais e a previsibilidade do “novo-rico”.

E depois vinham as rotinas. As férias começavam invariavelmente com duas semanas na herdade do Alentejo, entre primos, amigos e um amor à equitação que todos partilhavam. Depois, o destino exótico, longe da multidão, de onde Madalena trazia tecidos, ideias e inspirações para as suas criações: Índia, Butão, Mongólia. Já tinha estado em todo o lado. Era uma verdadeira aventureira, sempre à procura do inesperado.

Foi durante o nosso primeiro ano de namoro que aprendi a conhecer o mundo da Madalena em todos os seus detalhes. Quando chegou a hora de escolher o anel de noivado, recorri à Constança para não cometer nenhum faux-pas. E escolhemos juntos um modelo simples, discreto, mas de um gosto impecável, que parecia encaixar perfeitamente na sua personalidade.

O nosso casamento foi tradicional: igreja do Alentejo, imensos primos, um vestido com rendas da avó e tudo a preceito. Quando nasceu o Sebastião, mantivemos a mesma linha. Não houve chá de bebé — “que horror!”, comentou ela —, só batizado na herdade do Alentejo com o Padre Tomás, o padre de sempre. Não ouviu nenhuma das minhas sugestões porque sabia bem o que queria. Em Lisboa, dizia ela, só havia três ou quatro colégios que valiam a pena. O resto era para quem queria parecer.

Sou feliz. Esta é a minha vida agora. Tento não julgar, tento ver tudo com clareza, absorver o melhor das pessoas à minha volta. Aprendi a tirar o melhor da minha mulher — a Madalena — sem nunca esquecer as minhas raízes ribatejanas, simples e firmes, que me moldaram. E, talvez de forma inevitável, já sou também um beto de Lisboa: reconheço os códigos, as nuances, o jeito de falar, de andar, de estar. Mas não perdi o chão nem o gosto pelo que é genuíno.

Este conteúdo contou com a participação de inteligência artificial na sua elaboração.

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