Todas as semanas, publicamos um conto ficcional sobre o amor, a partir de um caso real
Se vos posso dizer algo, é isto: amem e vivam agora.
Não esperem. Não deixem o tempo passar enquanto o coração espera em silêncio.
Não sejam como eu. A minha história é triste. Vivo assombrada pelo arrependimento de não ter tido coragem de amar quando podia.
A primeira vez que ouvi falar do Pedro, eu tinha dezasseis anos, numa escola secundária da periferia, com paredes riscadas de graffiti e janelas partidas que deixavam entrar o vento. O cheiro a giz misturava-se com o perfume do cimento molhado e das flores que ninguém cultivava. Foi o Leandro, da minha turma, quem me disse — meio a rir, meio cúmplice:
— O Pedro gosta de ti. Está sempre a escrever o teu nome com corações no caderno de matemática.
— Quem é o Pedro? — perguntei, genuinamente confusa.
Só depois percebi: era o miúdo enfezado, tímido, que andava sempre de cabeça baixa, os dossiers quase sempre a escorregarem-lhe das mãos. Um rapaz silencioso, sólido, quase invisível. Cada gesto seu tinha uma contida precisão, como se o mundo fosse demasiado barulhento para ele e ele tivesse aprendido a não se expor.
Eu, pelo contrário, era uma borboleta colorida, a voar demasiado rápido para que alguém me pudesse alcançar: rebelde, cheia de vida, riso fácil, noites longas, música alta e uma animação que parecia não ter fim. Cada gesto meu era exagerado, cada palavra, um pequeno trovão. Determinada, intensa, inquieta, percorria ruas, festas e sonhos com o mesmo passo apressado. Tinha desejos enormes, sonhos que quase gritavam dentro de mim — barulhentos, imediatos, arriscados, sem pensar no amanhã.
Tinha rapazes giros à minha volta, aventuras que se evaporavam com o sol da manhã, experiências que queimavam rápido e deixavam apenas memórias incandescentes. O Pedro não se encaixava nesse mundo, e eu não o via, nem tentava. Havia algo nele que era sólido, calmo, contido — tão diferente da minha pressa, da minha urgência de viver. Nem sei quando deixou a turma; simplesmente deixou de existir no meu mundo, e eu continuei a voar, deslumbrada pelo vento, pela liberdade e pelo barulho da minha própria vida.
Anos mais tarde, reencontrei-o na universidade. Uma coincidência que parecia escrita.
Mal o reconheci. O miúdo enfezado tinha-se transformado num homem de ombros direitos e olhar sereno, voz pausada e firme. Tinha uma confiança discreta, dessas que não precisam de provar nada, mas que preenchia qualquer sala com a presença silenciosa de alguém que sabia o que valia.
E percebi algo que não tinha notado antes: nós dois vínhamos do mesmo mundo, dos mesmos subúrbios, com os mesmos cheiros de cimento, os mesmos sonhos grandes. Queríamos ambos ser bem-sucedidos — eu na moda, ele na política. Diferentes nos caminhos, iguais na força de querer conquistar o nosso espaço num mundo competitivo. Na faculdade vi-o a lutar por ideias, e tinha admiração pela forma eloquente com que falava. Admirava-o também, mas ainda não sabia que aquele era o amor que se escondia nas sombras da minha própria impaciência.
Acabámos a universidade e voltávamos a cruzar-nos de vez em quando, sempre por acaso, como se o mundo nos concedesse apenas pequenos instantes para nos reconhecer. Chegámos a envolver-nos fisicamente algumas vezes, desejando-nos, mas eu fugia sempre, incapaz de me render por inteiro. Num desses encontros casuais, ele aproximou-se, o olhar firme, cheio de ternura, e disse:
— Casa comigo. És a mulher da minha vida desde sempre.
Naquele instante, toda a vida que eu julgava conhecer parecia pequena diante da verdade que ele carregava — uma verdade que me consumia, que me mostrava que cada passo que dei longe dele me tinha levado mais longe do que eu jamais quisera estar.
Mas eu, Pilar, meti na cabeça que ele não era para mim. Era previsível, aborrecido. E tive outros namorados; correu sempre mal. Casei e divorciei-me. E o Pedro, soube depois, também casou, com uma mulher complicada; viveram infelizes, separaram-se de forma feia, e ela fugiu com o filho. Sei que o Pedro sofreu muito, mas eu não estive lá para ele.
Ele, pelo contrário, foi sempre o meu anjo da guarda. Nunca me abandonou. Tive um percalço enorme na vida. Fui vítima de uma fraude gigantesca, um esquema que me roubou quase tudo. Perdi a casa, o carro, tudo o que tinha. Quando os amigos viraram as costas, o Pedro estendeu-me a mão, firme, sem perguntas, sem julgamentos, como se o amor fosse sempre uma certeza silenciosa entre nós.
Acompanhou-me a tribunal, arranjou-me trabalho, ofereceu-me um lugar para ficar, ajudou-me a erguer-me quando tudo parecia perdido. E, um ano depois, esteve comigo na doença e na morte da minha mãe — sempre silencioso, firme, paciente. Mas eu, inexplicavelmente, continuava a voltar para o mundo fútil, distraída com festas, aparências e amores vazios, sem perceber que o verdadeiro cuidado, a verdadeira lealdade, sempre estivera ao meu lado.
Ele era o meu melhor amigo. Conseguimos alcançar os nossos sonhos — eu na moda, ele na política. Criei um nome na minha área, era respeitada. Ele era autarca e fazia coisas acontecer, e eu sentia orgulho no trabalho dele. Diferentes nos caminhos, iguais na força de querer vencer.
Mas, aos trinta e seis anos, eu estava cansada da vida e perdida. Tinha conseguido muito na vida profissional, mas estava cansada das desilusões, das traições, da falsidade que disfarça o vazio. Tudo me parecia gasto — as conversas, os amores, as promessas. Eu tinha vivido depressa demais e, de repente, nada me bastava.
Foi então que o Pedro ligou numa noite. A voz calma, mas firme, carregada de uma urgência serena:
— Estou doente, Pilar. E quero passar os últimos dias contigo.
Percebi a seriedade das palavras. E fui, sem hesitar, ter com ele. Era um cancro horrível, brutal. Lado a lado, seis meses de amor verdadeiro, depurado, sem pressa, sem máscaras, sem passado nem futuro — só o presente, nu e imenso. Pela primeira vez na vida, abandonei-me. Entreguei-me sem medo. Rendi-me.
Aprendi a baixar a guarda, a amar sem exigir, a dar em vez de receber.
Aprendi o gesto do cuidado: olhar em vez de ser olhada, escutar em vez de falar, permanecer em vez de fugir.
Cada consulta, cada exame, cada dia de dor do Pedro transformava-se num ritual silencioso de ternura. Eu vestia a coragem que nunca tivera e descobria, entre lágrimas, a serenidade. Estávamos dentro da intimidade absoluta do sofrimento — e, mesmo assim, encontrávamos razões para sorrir.
Ríamos do cansaço, das pequenas tragédias, do absurdo da vida. Ele dizia: “Não chores, Pilar, estamos vivos.” E eu acreditava.
Ver alguém no seu pior — frágil, vulnerável, doente — e amá-lo ainda mais é tocar no mistério do amor. É perceber que o amor verdadeiro não exige nada: apenas presença.
Eu estava ali, Pilar, inteira, e ele também. Segurava-lhe a mão, acariciava-lhe o rosto, respirava o mesmo ar, e cada gesto era um pacto mudo — a certeza de que, finalmente, estávamos a viver o amor que sempre nos fugira. Eu acreditava que ele ia ficar bom e que íamos ficar juntos. Ele sempre soube que era o fim da linha.
À noite, antes de adormecer, dizia-lhe baixinho, encostada ao seu ombro magro:
— Pedro, meu amor.
E ele sorria, cansado, mas em paz. Um sorriso leve, quase de criança, como quem se despede da vida sem medo porque, por fim, foi amado. Havia algo naquele sorriso que transcendia a dor, algo que carregava toda a serenidade de uma vida inteira de espera e fidelidade. Era o sorriso de quem sabe que o coração foi reconhecido, que o amor verdadeiro não se mede em tempo, mas em intensidade, em presença, em entrega completa.
“Que pena não termos casado”, dizia-me ele, com a voz trêmula mas firme, cheia de ternura e resignação, como se cada palavra fosse um suspiro que levava consigo anos de esperança e desejo contidos. E eu chorava. Chorava por tudo o que deixámos passar, por cada momento que a vida nos negou, por cada instante perdido em dúvidas, medo ou orgulho. Chorava pelo amor que tivemos e que só agora, na iminência da despedida, se tornava absoluto e visível, queimando cada insegurança, cada fuga, cada arrependimento.
Os meus dedos seguravam os dele com uma força silenciosa, tentando prolongar o instante, tentando prender o tempo no espaço do quarto, na fragilidade dos últimos dias. E naquele abraço, naquele olhar, senti pela primeira vez a dimensão do amor que se entrega sem reservas: o amor que se sustenta mesmo na perda, que se revela nos pequenos gestos, na respiração compartilhada, no toque da pele.
Ele sorriu novamente, e dessa vez o sorriso parecia dizer tudo o que as palavras nunca conseguiram: “Estou em paz, porque foste minha até ao último suspiro. E eu fui teu, sempre.” O mundo lá fora podia continuar indiferente; naquele quarto, naquele momento, éramos inteiros. Eu chorava, ele sorria, e entre lágrimas e suspiros, percebi que o amor não se mede por casamentos, por anos ou promessas; mede-se pela presença, pela coragem de ficar, pelo cuidado silencioso, pelo coração que nunca falha.
Morreu numa manhã fria, quando o céu parecia suspenso. Morreu nos meus braços.
Mas dentro de mim ficou tudo: o seu riso rouco, o calor da sua mão, o cheiro do café que não bebemos, a ternura que nos salvou por um instante. Cada detalhe permanecia como tatuagem invisível na minha memória, cada gesto seu ecoava na minha alma.
Aprendi tarde o que é o amor. Mas aprendi.
E desde então, carrego essa lição como quem carrega uma cicatriz bonita — a lembrança do homem que me ensinou a amar, mesmo quando já não havia tempo.
Amei-o. Amei-o a vida toda, mesmo que tarde demais.
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