Todas as semanas, publicamos um conto ficcional sobre o amor, a partir de um caso real
Chamo-me Leonor, tenho 32 anos, e eu e o meu marido casámos virgens.
Quando conto isto, muitos franzem o sobrolho, riem, acham que sou religiosa, ou que cresci num ambiente conservador, cheio de proibições e regras. Mas não — cresci numa família normal, em Faro. Os meus pais eram tranquilos, amorosos, de conversa aberta e gargalhadas fáceis. Nunca me impuseram nada, nunca me falaram de pecado. Simplesmente fui sendo quem era, uma rapariga calma, observadora, que gostava de estar no seu canto.
A minha irmã, quatro anos mais velha, era o oposto de mim. Linda, confiante, com aquele magnetismo natural que atraía todos os rapazes. Tinha muitos namorados, relações sérias e intensas. Eu via-a preparar-se ao espelho — o batom, o perfume, o brilho nos olhos — e depois, muitas vezes, ouvia-a chorar à noite no quarto ao lado. Chorava baixinho, magoada, traída, desfeita em desilusões. Aquilo ficou gravado em mim. Em vez de me despertar curiosidade, o amor começou a parecer-me um risco. Um campo minado. Eu não queria chorar como ela.
Cresci a observar mais do que a viver. Fui uma adolescente reservada, dedicada aos estudos, às leituras, à música. Gostava do silêncio, de desenhar, de tocar piano quando a casa adormecia. Os meus pais diziam que eu vivia noutro mundo. Talvez vivesse. O mundo das palavras e dos sonhos parecia-me mais seguro.
Não me faltavam convites. Houve rapazes que me escreveram bilhetes, que me esperaram à porta da escola, que me pediram para dançar. Mas nunca senti vontade de aceitar. Não por arrogância, mas porque nada me despertava o coração. Saía pouco, não bebia, não tinha pressa de viver. E, no entanto, nunca me senti só. Tinha a minha família, os meus livros, a música.
Quando entrei para a universidade, escolhi Braga. Queria sair da minha bolha, provar-me. Mas mesmo longe, continuei igual: tranquila, reservada, atenta. Os meus colegas viviam as noites intensamente: festas, álcool, amores rápidos, dramas, excessos. Eu observava tudo de fora, às vezes com curiosidade, outras com espanto. Via-os viver como se cada dia fosse o último — e eu, que sempre vivi como se houvesse tempo para tudo, não os compreendia.
Licenciei-me, comecei a trabalhar. Primeiro em Coimbra, durante dois anos. Trabalhava muito, poupava, sonhava em comprar casa. Depois mudei-me para Lisboa. Era um novo ciclo — emprego grande, salário bom, vida organizada. Tinha 26 anos, casa própria, carro e, sim, nunca tinha dado um beijo na boca.
A minha irmã ria-se, dizia-me “freira”. Eu também ria, para não dar parte de fraca, mas às vezes chorava sozinha. Perguntava-me se havia algo de errado comigo. Sentia-me deslocada, uma peça que não encaixava. Tive duas paixões grandes, ambas não correspondidas, e cada uma delas deixou-me mais descrente. Comecei a aceitar a ideia de que o amor talvez não fosse para mim. Que a minha vida seria outra — mais calma, mais solitária, mas minha.
Até que um dia o Joaquim apareceu.
Conhecemo-nos no trabalho. Era tímido, discreto, com uma doçura quase antiga. Também ele do Algarve, da minha idade, com o mesmo sotaque arrastado e o mesmo olhar de quem prefere ouvir antes de falar. Havia nele uma serenidade que me fazia bem. Nunca forçava conversas, mas quando falava, dizia coisas que ficavam a ecoar.
Começámos a almoçar juntos. Depois a tomar café. As conversas tornaram-se longas, íntimas, tranquilas. Falávamos de tudo — de projetos, de livros, de infância, de fé, de medo, de futuro. Um dia, ao fim da tarde, estávamos num café pequeno em Campo de Ourique, e o assunto veio à tona: ele contou-me que nunca tinha namorado. Que nunca tinha acontecido.
Fiquei em silêncio. Respirei fundo e disse-lhe, quase num sussurro:
“Eu nunca beijei ninguém.”
Ele sorriu. “Eu também não.”
Naquele momento, senti uma paz que nunca tinha sentido. Como se, de repente, a solidão de uma vida inteira fizesse sentido — porque tinha-me trazido até ali, até ele.
A nossa relação foi crescendo devagar, sem pressas, sem pressões. Feita de passeios, de mãos dadas, de longas caminhadas ao fim do dia. Nunca houve urgência. O amor, para nós, era algo sagrado — não no sentido religioso, mas no sentido humano, profundo, de quem quer partilhar-se apenas quando estiver pronto.
Decidimos esperar. E esperar foi o nosso gesto de amor.
Quando ele me pediu em casamento, chorei. Não de surpresa, mas de reconhecimento. Era como se o mundo inteiro me dissesse: “Vês? Valeu a pena.”
O dia do casamento foi um turbilhão de emoções. A antecipação, a alegria, o nervosismo — tudo misturado. Lembro-me de acordar antes do nascer do sol, o coração em sobressalto, as mãos frias, o estômago vazio. As minhas amigas ajudavam-me a vestir o vestido de renda, a ajeitar o cabelo, e eu só conseguia pensar: “É hoje. Finalmente, é hoje.”
As portas da igreja abriram-se. A luz entrou. Vi o Joaquim ao fundo, à minha espera, os olhos marejados, as mãos trémulas.
Naquele instante, tudo fez sentido.
Ele contou-me depois, a rir e a chorar ao mesmo tempo:
“Assim que te vi, fiquei em alvoroço. Não acreditava que o momento tinha chegado.”
Diz-se que o primeiro beijo nunca se esquece. O nosso foi diante de todos — família, amigos, 160 pessoas a testemunhar a nossa estreia. Quando o padre disse “Pode beijar a noiva”, o tempo parou.
O beijo foi breve, doce, tímido. Mas mágico.
O mundo desapareceu.
Só existíamos nós dois — e o amor, puro, inteiro, sem medo.
Mais tarde, quando ficámos sozinhos, descobrimo-nos com ternura e cuidado. Não havia vergonha, nem constrangimento, nem comparação. Era tudo novo, e por isso mesmo, perfeito. As mãos tremiam, o coração batia depressa, e cada toque era uma revelação — um arrepio lento, cheio de espanto e desejo, como se o mundo começasse naquele instante.
Aprendemos um com o outro. Com riso, com afeto, com paciência. Fomos descobrindo o corpo e a alma ao mesmo tempo — como quem aprende uma nova língua e percebe, de repente, que sempre a falou.
Esperar foi o nosso gesto de amor. E quando finalmente chegou o momento, soubemos que tínhamos feito a escolha certa.
Não há vergonha. Há apenas o privilégio de termos esperado um pelo outro — e a certeza de que o amor pode ser puro, simples e completo.
O amor não é feito de pressa. É feito de encontro.
E nós encontrámo-nos — inteiros, pela primeira vez, aos trinta e um anos.
Este conteúdo contou com a participação de inteligência artificial na sua elaboração.
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